O dom de ajudar

“Isso eu conto pra muita gente e nunca esqueço. Eu sonhava direto que eu estava ajudando alguém, que minha casa era cheia de gente, de fazer fila e eu estava toda vestida de branco. Eu subia em um barranquinho, abria os braços e voava.” Esta é a lembrança de uma das benzedeiras mais antigas de Ponta Grossa: Vilma Gonçalves, que se dedica integralmente à família e, nas horas vagas, ainda usa os conhecimentos populares para atender a sociedade. Mas a sua história começa muito antes das benzeções.

 

Trabalho

Nascida no dia 24 de outubro de 1939, Dona Vilma foi a terceira mulher em uma família de seis filhos. Para ajudar no sustento da família, começou a trabalhar muito cedo. Com nove anos de idade, já ajudava a mãe a lavar roupa para fora. “A gente era muito pobrezinho e ao invés de estudar, tinha que trabalhar”, relembra.

Levou a lavagem de roupas como ganha-pão até os 17 anos, quando se casou e passou a trabalhar como zeladora em um colégio público da cidade. “Naquela época tinha muita oportunidade de emprego em Ponta Grossa e como minha família toda já tinha trabalhado lá no colégio, também consegui uma vaga”.

A benzedeira conta que começou a trabalhar como zeladora quando sua mãe, após se separar do marido, foi trabalhar um tempo em São Paulo. “Ela ficou desgostosa sem o papai e não quis mais ficar na cidade”.

Entretanto, não era possível manter a casa apenas como zeladora. Para aumentar um pouco a renda, Vilma trabalhava como diarista no período da manhã, e como massagista e depiladora durante a noite. “A gente não tinha carteira assinada, muito menos algum direito como trabalhadora. Só tinha que fazer o serviço render para ser reconhecido pelo patrão”.

Trabalhou até a casa dos 40 anos e se aposentou por invalidez, quando precisou fazer uma cirurgia de hérnia de disco. O problema de saúde foi causado pelo excessivo trabalho com massagens, em que Dona Vilma precisava se abaixar e fazer muito esforço com as costas.

 

Família

Mesmo aposentada e cansada, a benzedeira diz que gostava de ajudar o marido e achava injusto ficar pedindo dinheiro para tudo. “Feliz da mulher que ganha o seu dinheiro, não dá pra ficar na ‘fiúza’ do marido. Ficar pedindo tudo para ele é muito ruim”.

Hoje, viúva há nove anos, a benzedeira lembra do marido com carinho. Foi casada durante 47 anos com o mesmo homem, com quem tinha uma relação de muito amor e companheirismo. “Meu marido fazia aniversário em setembro e eu em outubro, mas ele não gostava de comemorar. Dizia para só fazer festa no meu aniversário e eu fazia. Mas não deixava de chamar os seus amigos para comemorar com ele também. Era teimoso, mas depois ficava feliz”.

Dona Vilma é mãe de três filhos: dois homens e uma mulher. Seriam duas mulheres, se a primeira filha não tivesse morrido no parto. A benzedeira ainda precisa mimar doze netos e cinco bisnetos.

Atualmente, ela vive com um filho e uma neta. Mas afirma que a família não é das mais unidas. Nas festas de fim de ano, nunca consegue juntar todo mundo. “Eu gosto que eles venham me visitar, mas quando todos decidem vir juntos, é difícil de agradar todo mundo, dá muita briga. Seria melhor se um não quisesse cuidar da vida da outro, mas é difícil”.

Vilma conta que outro problema é quando os filhos querem leva-la para passear de carro. “Se você vai em algum lugar de carro, tem que pagar ‘zona azul’, é difícil achar lugar para estacionar. Eu gosto mesmo é de andar a pé e sozinha, porque ninguém tem paciência. Eu gosto de ver vitrine, nem que seja para não comprar nada, só por olhar mesmo”, explica.

Um dos filhos da benzedeira conta que é difícil fazê-la sair de casa. “Ela não gosta muito de sair mesmo, acho que é a vocação dela ficar em casa e ajudar as pessoas que vêm aqui nas quartas-feiras”.

 

 

Benzeções

Entretanto, a vida de Dona Vilma não foi só trabalho e família. Segundo ela, sua história fica interessante aos 39 anos, quando descobre o seu dom de ajudar as pessoas. Nessa época, Vilma começou a ter sonhos frequentes, em que sua casa estava cheia de gente e ela abençoava todo mundo.

Após contar para uma amiga sobre os sonhos, surgiu a ideia de começar a benzer as pessoas. Mesmo sem dominar as técnicas místicas das benzeções, Dona Vilma conta que queria muito ser benzedeira e então decidiu iniciar o novo trabalho. A primeira pessoa benzida foi uma moça que dizia sentir muita dor de cabeça. Dias depois da benzeção, ela não sentiu mais dores.

Depois do primeiro atendimento, a informação de que havia uma benzedeira no bairro foi se e espalhando e cada vez mais pessoas com perturbações físicas e mentais recorriam a Dona Vilma como salvação. “Foi como uma corrente, um passando para o outro. Daqui a pouco chegava um, chegava outro e a minha casa ia ficando cheia de gente”. Após iniciar os benzimentos, ela nunca mais teve sonhos parecidos com aqueles.

A benzedeira nunca teve restrições para os atendimentos: homem, mulher, criança. Vilma atende todo mundo, independente do pedido de oração. Mas hoje, 36 anos depois de começar os benzimentos, ela afirma que mudou um pouco a rotina. “Antes eu atendia todos os dias, de segunda a segunda, no horário que fosse. Aí fui diminuindo um pouco as benzeções para três dias na semana e hoje em dia eu só atendo às quartas-feiras, das três às cinco da tarde”. A benzedeira explica que também tem seus afazeres de casa e as obrigações com a família.

Apesar de dedicar um tempo só para isso, Vilma afirma não cobrar nada pelo serviço. “É um dom que eu tenho e não precisei pagar nada para aprender, então não é justo cobrar”. Ela explica que a maior recompensa é quando as pessoas voltam para contar que se curaram. Entretanto, a benzedeira diz que não faz o serviço sozinha. “Não adianta a pessoa vir se benzer sem fé, senão não cura mesmo. Porque quem me ajuda nisso é Deus, então a pessoa tem que ter fé”.

O material de trabalho é bem simples: um terço, um galinho de arruda e um copo d’água. O procedimento é feito em frente a um altar com imagens de santos da Igreja Católica. Mas no início não havia nada disso e a benzedeira precisava improvisar. “Quando não tem arruda, qualquer matinho verde que eu pegue, eu benzo. Já benzi até com capim”.

Vilma confia muito em sua forma de benzeção, mas em nenhum momento desdenha da medicina. “Eu faço simpatias quando as crianças estão doentes, mas sempre alerto às mães para não deixarem de levar no médico”.

Dona Vilma já morou em todos os cantos da cidade, o que fez muita gente perder o contato com ela. “Já morei no centro, na Ronda, em Olarias e, por me mudar muito, o pessoal acabou me perdendo de vista. Mas ainda vem bastante gente aqui, gente que me conhece desde que eu comecei com as benzeções”.

 

A dona de casa Valdete Portugal recorre à benzedeira há seis anos e afirma confiar fervorosamente nos métodos. “Todo mundo que conhece a Dona Vilma fala bem dela. Sempre que a gente vem aqui, a gente se cura”.

Reportagem de Bianca Machado

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