Com colaboração de Liandra Saraiva
Um prédio antigo com uma placa que carrega o nome “Rádio Clube Pontagrossense” e a frequência 1080 KHz. Subindo as escadas, um ambiente novo. Um quadro ilustra o que, provavelmente, seria a rádio no passado. Uma porta leva ao auditório que, inutilizado pelo tempo, foi palco para inúmeros programas da emissora mais antiga do Paraná. De trás do balcão, a secretária pergunta se somos “o pessoal da entrevista” e nos leva até o estúdio, onde encontramos, em 2016, Nei Costa apresentando seu programa “Mais, mais” enquanto come pinhão e pipoca. Era aniversário de algum membro da equipe.
Nascido em 1945, Nei passou mais de metade da sua vida no rádio e em 1961 iniciou sua carreira na Clube. O locutor foi declarado jornalista no mesmo ano, com a lei sancionada por Jânio Quadros. “O jornalismo é bom, verdadeiro, o cara se agarra no jornalismo, é maravilhoso, conhece o mundo. Eu conheci o mundo inteiro”, conta o comunicador. Ele trabalhou na Rádio Bandeirantes em São Paulo, foi o primeiro locutor do Paraná na Europa, cobriu 5 copas do mundo e lançou diversos artistas. É o que relata enquanto demonstra sua paixão pela profissão.
O Jornalismo
Durante o tempo reservado para o pastor, nos apresentamos e o radialista nos leva para a cabine de sonoplastia, onde começamos a nossa conversa. Lá, encontramos também o sonoplasta Igor Oliveira Franco, que foi recentemente contratado. Nei comenta entre suas falas que Igor é autodidata e o usa como exemplo para afirmar que o jornalismo não vem somente com o diploma, mas com o talento. “Você pode ser um jornalista sem ser. É que nem jogador de futebol. Se o cara for craque não adianta, ninguém segura ele”, explica para mostrar que, mesmo sem profissionais formados, a rádio possui bons comunicadores. Os membros da equipe são radialistas, todos registrados e muito bons, de acordo com o entrevistado. “A Rádio Clube é líder”, completa.
O comunicador lamenta pelo cenário jornalístico na cidade e o compara com o de São Paulo. Conta que, lá, os jornalistas são contratados e que as emissoras contam com uma equipe repleta de profissionais. “Eu queria ver a cidade assim”, conclui. Por fim, antes de voltar para o estúdio, fala sobre o número de profissionais e como seus setores são divididos. Ele diz que a rádio dispõe de não mais que 30 funcionários e cada um dos comunicadores se especializa nos temas dos seus programas. Igor comenta que no site poderíamos encontrar o número exato de funcionários. O site mostra 24.
De volta ao estúdio, durante o intervalo, logo após anunciar nossa presença no microfone e mandar saudações ao professor Kevin, Nei pesquisa seu nome na internet e começa a contar um pouco de sua história. Mostra, entretido, um perfil e diversas fotos suas. Relata também que estava fazendo, pela televisão, a cobertura da Eurocopa 2016: “Eu sou o repórter da cobertura”. Ele explica que também anuncia as músicas, fala com os ouvintes, lê notícias, ou seja, faz de tudo.
Enquanto conversava, a vinheta chama e o radialista, naturalmente, deixa de falar conosco para conversar com os ouvintes. Lê diversas notícias e se exalta falando sobre a corrupção. Assim que o John Lennon pedido pelo ouvinte começa a tocar ele completa: “Meto o pau mesmo, não adianta nada. São todos uns idiotas, são uns ladrões” e conta que é preciso tomar cuidado com os processos, “uma vez eu meti o pau no governador de São Paulo e ele me processou”.
O Comunicador
“Vocês como jornalistas vão ter uma vida maravilhosa”, ele prevê, “mas não vão ficar ricos”, completa. Saudoso, ele conta que tem um quadro com fotos que é a “melhor coisa” que possui. Com imagens de Pelé e Alcione, prova que conheceu e lançou diversos artistas. O locutor destaca a importância de se aprender línguas para a profissão, porque isso é exigido nos grandes centros. Nesses locais, ele diz que existe uma disputa entre os profissionais: “você se especializa no que gosta e procura fazer bem”, aconselha. Ele exemplifica o uso de outros idiomas com relatos de quando foi à Europa pela primeira vez e dá algumas dicas: “O yesterday de ontem é o mesmo ieri da Itália”.
“O cristo redentor está de braços abertos abençoando a Guanabara”, Nei ilustra enquanto fala sobre os motivos que o levaram a obter destaque na profissão. Ele falava bonito e sabia poesias decoradas. “Vocês sabem alguma poesia? Tem que saber!”, aconselha. E começa:
*Ouça aqui o radialista declamar a poesia ‘Eros e psique’, de Fernando Pessoa*
“Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.”
“Isso é uma poesia chamada ‘Eros e psique’, do Fernando Pessoa”. O radialista diz que aprendeu a declamar com “um camarada” chamado Antônio Fagundes. Ele conta que, quando foi assistir à peça para a qual foi convidado pelo ator, se deparou com o próprio Fagundes vendendo os ingressos. Ele usa da história para dizer que é preciso fazer de tudo, ser um profissional de muitas funções. O locutor fala ainda da importância das experiências na carreira e diz que é preciso humildade. “Vocês tem a vida inteira pela frente, aproveitem!”
“Eu batia notícia na máquina de escrever”, relata. Ao falar sobre as evoluções tecnológicas, observa que a geração atual é mais inteligente. A diferença é que, em sua época, era preciso que eles fizessem tudo “no peito e na raça”. A tecnologia facilita muito algumas coisas, ao mesmo tempo que pode prejudicar, afirma.
“Mas é uma profissão maravilhosa”, repete. Diz que o profissional pode se especializar naquilo que mais tem interesse e conta que “alguns têm sorte, outros não”. O locutor fala sobre o seu companheiro Pedro que sofreu um acidente quando corria em um autódromo. “Tem que aproveitar o máximo”, ele aconselha emocionado lembrando do amigo perdido. “Vão pra onde o coração mandar. Porque a pior coisa do mundo é você ficar pegando dinheiro na porta do banco, ali no caixa e ficar 36 anos pensando ‘eu odeio esse banco’. A gente tem que fazer o que a gente ama”.
Segundo Nei, “tudo que você quiser você consegue”. Quando questionado sobre sua parte preferida da profissão ele revela que, mesmo tendo trabalhado na TV ao lado de diversos artistas, ele gosta da liberdade que o rádio dá. A emissora se mantém pelos comerciais e o programa de maior audiência é o de Rogério Serman. Nei acredita que isso se dá pelo fato do programa ser apresentado cedo. “O rádio é um fenômeno natural da manhã”, completa.
A Rádio
Voltando a falar sobre a rádio, Nei explica a diferença entre as emissoras AM e FM e conta sobre a migração que está acontecendo. As FMs tocam mais música, enquanto as AMs focam em notícias. Ele diz que a Rádio Clube vai usar o estilo de rádio AM em frequência modulada, que o estúdio já foi adaptado para a transformação e que a antena será mudada para o Onix, na Paula Xavier. Acredita também que a rádio, mesmo estando no AM, está entre as primeiras colocadas de audiência, porque o público está conscientizado de que necessita de informação. “Acho que até dezembro esse processo se conclui”.
O comunicador explica que o estilo musical tocado pela rádio mudou e que, para ele, a qualidade caiu. As músicas antigas eram melhores que as atuais. Ele diz ainda que, em seu programa, busca atingir um público mais elitizado, que possa sustentar financeiramente a rádio. Fala também que o ambiente da rádio é o mesmo há muito tempo. Concluímos aí a entrevista. Nei nos convida para voltar mais vezes e nos oferece uma carona. Em seu carro, que serve como depósito para o seu arsenal de chapéus, ouvimos músicas espanholas e mais algumas histórias. Fazemos nossas as palavras do jornalista:
– E vamos lá, né? Uma hora acaba.
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