O tempo e a sua tardança

O tempo, sempre ele, a pregar peças nas pessoas. A contemporaneidade está tão narcotizada pela velocidade da informação e pela urgência da troca de mensagens em tempo hiper-real que, quando se depara com um espetáculo teatral que propõe suspender tudo isso para propor um jogo que trata da vida, do amor e da morte, mas num tempo condicionado pelo vir-a-ser, mais que pelo ser, ela fica aturdida, quando não em choque.

Bem-vindo choque, no caso de “Ser Tão Grande”, um espetáculo que já se impõe pelo título e coloca a si mesmo a tarefa extremamente árdua de transpor ao palco uma pequena parte da obra do escritor mineiro João Guimarães Rosa, um dos maiores nomes da literatura brasileira, senão mundial. Tarefa a que se propôs o grupo Arte & Fatos, de Goiãnia (GO), ao encenar dois contos – “Sarapalha” e “Miguilim” – e a obra máxima de Rosa – o romance “Grande Sertão: Veredas”.

Não houve como evitar. Para encenar tal desafio, só mesmo sendo jagunço, como Riobaldo, o Tatarana, o Urutu Branco, protagonista de “Grande Sertão…”. Então, o diretor Danilo Alencar virou jagunço, pegou o touro, literalmente, à unha e disse: “Ou eu acabo com você, ou você acaba comigo”.

Bem, o touro não acabou com Danilo, como se viu na noite deste domingo (6), e o público do 39ª Fenata agradece penhoradamente. Porque o que se viu foi um daqueles espetáculos que pegam o espectador e o colocam no meio do redemoinho – para usar uma expressão e uma cena que são recorrentes na obra. Forte, belo, mágico, poético, pungente. E não se trata de adjetivos, mas de substantivos.

Ensaiado exaustivamente durante ano e meio (e não se esperava outra coisa de Danilo), o espetáculo começa com uma das cenas de ambientação mais longas de que se tem notícia. É madrugada e o espetáculo começa com um grilinho, depois vêm as corujas, os sapos, os cachorros, para, daí, os dois personagens em cena começarem a falar. Se chama “tardança’ isso. Em resumo, uma espera pelo silêncio, pelo interdito. Longos dez minutos que não dão a impressão de passarem, porque o que vem depois é um arroubo de imagens poéticas, fortes, e todas elas falando de amor e… morte. A cena de Diadorim morta sendo puxada por uma rede é daquelas que já fazem parte da antologia do Fenata.

Com certeza, os mais de 700 espectadores do Ópera levaram “Ser Tão Grande” para casa. E vão continuar por um bom tempo com ele. Vida longa ao espetáculo.

*Helcio Kovaleski é crítico de teatro desde 2000, quando começou a escrever para o site Convoy. Desde 2001, publica regularmente críticas sobre os espetáculos do Fenata no jornal Diário dos Campos. Também já publicou críticas de espetáculos que vieram a Ponta Grossa em outros períodos do ano. Entre 2002 e 2004, escreveu críticas de cinema no jornal d’pontaponta e, entre 2005 e 2006, críticas de televisão no jornal cultural Grimpa.

Reportagem de Helcio Kovaleski

 

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