Os conflitos internos de “Ataque dos Cães”

“Que tipo de homem eu seria se não ajudasse a minha mãe?”, questiona Peter (Kodi Smit-McPhee), no início do longa que lidera as indicações ao Oscar 2022, com 12 categorias nomeadas. O personagem é filho de Rose (Kirsten Dunst), que passa a morar com os irmãos Burbank ao casar-se com George (Jesse Plemons).

“Ataque dos Cães”, dirigido por Jane Campion, faz do rancho um cenário para os dramas da família, onde Phil Burbank (Benedict Cumberbatch) protagoniza a repressão de um homem cujas atitudes de masculinidade exacerbada são utilizadas como mecanismo de ataque e defesa para validar a sua posição como homem digno de liderança em seus núcleos sociais.

A diretora explora as influências da presença feminina e masculina na criação de um homem ao aproximar dois personagens de extremos opostos. As características delicadas de Peter são apreciadas por sua mãe, mas ao conviver com Phil, a sua postura se torna alvo de piadas homofóbicas. Por outro lado, os irmãos Burbank foram discípulos do vaqueiro Bronco Henry, respeitado pelos outros caubóis através da autoridade e referência do que é “ser másculo” de Phil, que atribui seus conhecimentos e qualidades ao falecido instrutor. Estas adversidades entre os protagonistas são trabalhadas virtuosamente ao longo do filme, que se divide em cinco capítulos e tem seu clímax atingido através do mergulho do espectador na narrativa problemática e cativante onde o respeito por si mesmo e pelo próximo é uma realidade distante nas relações do núcleo familiar.

Pôster do filme “Ataque dos Cães”. Foto: Reprodução.

Benedict Cumberbatch impressiona por sua performance em um personagem que sente intensa aversão por qualquer mínima existência da feminilidade, atingindo níveis de crueldade, ao mesmo tempo que seu desespero por compreensão o torna vulnerável e amplifica a sua postura de opressor por todos que não sufocam suas fragilidades como ele faz. George, oposto ao seu irmão, se vê honesto consigo e distante desta máscara de proteção ao relacionar-se com Rose. “Só gostaria de te dizer como é bom não estar sozinho”, diz para a amada em uma das cenas mais belas em fotografia, roteiro e montagem do longa, que valoriza o cenário solitário de montanhas isoladas.

O jovem Kodi Smit-McPhee não está longe da genialidade de seus companheiros de elenco, que possuem anos de carreira, ao entregar uma atuação admirável por Peter, personagem complexo, de vasta inteligência emocional e tão amedrontador quanto o cruel protagonista.A combinação de um bom elenco, roteiro envolvente e arte do cenário se completa ao adicionar a trilha sonora original feita pelo gênio Jonny Greenwood, responsável por outros filmes do mesmo ano, “Spencer” e “Licorice Pizza”. A sonoridade do longa é tão importante quanto os outros elementos que colaboram com a elaboração de um ambiente de aflição no rancho da família Burbank. “Ataque dos Cães”, com título emprestado de um versículo bíblico, vai além da polêmica abordagem sobre homoafetividade em um ambiente marcado pela heteronormatividade e reflexos do preconceito no autoconhecimento de um indivíduo adulto. Os elementos dramáticos do romance, laços familiares e o inesperado terror psicológico do longa elevam a experiência do espectador que aprecia o gênero dramático do cinema. 

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