por Melissa Moura
Reinaldo Rauch pega o ônibus rumo ao Terminal de Uvaranas diariamente às 7h30. De dentro de sua mochila tira seu e-reader e lê um de seus 30 livros comprados em formato digital. A preferência é por romances e mangás, mas a rotina pede que use seus trinta minutos de viagem para ler livros técnicos em inglês sobre programação, exigência profissional para o aperfeiçoamento do bacharelado em engenharia de software.
Reinaldo conta que apenas uma vez reconheceram o que ele estava lendo. O cidadão ponta-grossense não tem costume de conversar com estranhos. “Isso pode ser também por eu sempre escutar música com headphones enquanto eu leio”, ele ri.
O caminho de volta tem a mesma finalidade, o e-reader com marcas do seu uso por três anos segue parceiro do ônibus das 22h às 23h até a sua casa. A lógica é simples: livros técnicos são lidos no e-reader, os romances são comprados em livros físicos.
A leitura de e-books técnicos também acontece a dez quilômetros de distância, na casa do ilustrador Cesar Andrade, que lê sobre arte e técnicas de desenho entre seus 300 livros em formato digital. Também gosta de contos, ficção e romance, porém o aprendizado ocupa lugar fundamental em sua leitura diária.
Uma meta foi lançada na vida de Cesar: ler pelo menos uma hora por dia. Sem rotina, sem horário fixo, conforme o tempo livre lhe permite devido ao seu trabalho como freelancer. Reinaldo e Cesar não se conhecem, mas compartilham o mesmo aparelho de leitura digital.
O que mais interessa Cesar em e-reader é que em uma biblioteca virtual não acumula espaço, além da facilidade de ler vários livros ao mesmo tempo e poder acompanhar através do aplicativo a porcentagem já lida dos livros. “Tem vários livros antigos que podem ser baixados gratuitamente, além de dar para ler livros que ainda não chegaram ao Brasil pela demora do processo de tradução”, conta Cesar, que mesmo assim prefere comprar lançamentos em formato físico.
A dificuldade em encontrar quem compre e-books é evidente, representa 5% da população de Ponta Grossa, como aponta a pesquisa de Hábitos Culturais de Ponta Grossa, uma pesquisa que envolvia respostas múltiplas e espontâneas. A pesquisa também mostra outras oito formas de adquirir livros na cidade, em que o primeiro colocado é o empréstimo de livros de outras pessoas, com 83% das respostas, de um total de 293%.
O medo dos que não voltaram
Dos 250 livros da estudante de Direito Ana Simionato, ela conta que pelo menos 30 ela já emprestou para seus conhecidos – alguns nunca voltaram. A coleção começou aos 11 anos, quando leu seu primeiro best-seller, Crepúsculo, que até hoje guarda a marca de uma borboleta que entrou no seu quarto no momento em que fechou o livro.
Porém, a história é um pouco mais antiga. A paixão mesmo veio pelos livros da Bruxa Onilda, que lia todas as semanas na hora da leitura do colégio quando tinha oito anos. Quando leu todos os livros das aventuras da velha bruxa de lenço roxo, começou a procurar colegas para contar as histórias. “Era só o que eu queria fazer”, relembra com um ar de nostalgia. Hoje lê muitos clássicos da literatura e livros nacionais.
Para Ana, a fila do banco e a hora de dormir são os horários mais propícios para a leitura. Dos livros que pegou emprestado, nunca estragou nenhum – garante, porém prefere emprestar os seus livros para pessoas confiáveis ou próximas para evitar estragos ou (mais) perdas.
A biografia de Ozzy Osbourne e o livro O Hobbit foram o que salvaram a história conturbada de leitura de Daniel Queiroz Torno, advogado que reclama que a escola foi um desestimulador de leitura. “O problema sempre foi a metodologia do ensino, indicar clássicos da literatura e da língua portuguesa para pré-adolescentes em um país que culturalmente lê pouco reflete até na vida dos professores que deveriam ser estimuladores à literatura na vida dos alunos”.
Em toda a sua vida acadêmica, com 22 anos, conheceu apenas uma professora que era leitora voraz de livros. Segundo a última pesquisa do Pró-livro de 2011, cada brasileiro lê apenas doislivros inteiros por ano – mais dois livros em partes. Daniel lê cinco ou seis por mês. Ana já chegou a ler mais de três por mês.
Hoje, Daniel coleciona livros e filmes, sua biblioteca pessoal possui cerca de 400 livros. Tudo isso começou quando, em 2008, sua paixão pelo Senhor dos Anéis e Ozzy, mais a quantia de 60 reais no bolso permitissem que comprasse por intuito os dois livros que leu extraordinariamente rápido. O mundo da literatura entrou na vida de Daniel.
Desde então, busca em outros livros o mesmo sentimento que teve quando leu os livros que marcaram o início da sua vida de leitor, seja em terror, ficção e fantasia, seus gêneros favoritos, ou em outros gêneros – a busca de novos gêneros e novos tipos de leitura é uma outra forma de adquirir conhecimento, ele ressalta.
Para ele, emprestar algo seu é emprestar um pouco de si. “Quando sei que a pessoa lerá de fato, empresto com maior prazer ainda, por isso empresto apenas para quem eu sei que lerá e que não irá sujar, rasgar ou se apropriar de algo que não é deles”, conta.
Seu trauma vem do Nietzche que nunca voltou, dos livros de fantasia que voltaram amarelados e com chocolate, além do suspense que veio com batom e cheiro de cigarro.
A ligação do passado com o futuro
O passado de Celia Bayer marcado pela leitura teve consequências para o futuro de sua família e das pessoas que passaram pela sua vida. Tudo começou em sua infância, que repassada pela sua mãe, leitora ávida, contava histórias antes de dormir. “Lembro de chorar com a história de João e Maria, nossa mãe ameaçava nunca mais contar, mas depois pedíamos que contasse de novo e fazíamos sempre a mesma coisa”, ela ri. Como isso resultou em sua profissão como técnica em biblioteconomia atualmente, com 52 anos, já explico.
O amor do pai pelos gibis e os parentes de Porto Alegre e da Alemanha também proporcionaram o grande contato com livros desde a infância. Durante o magistério que finalizou em 1999, a oportunidade de trabalhar como professora na pré-escola permitiu que sua paixão fosse repassada para seus primeiros alunos. Celia lia um livro por dia para os alunos. Nesta época, a experiência em casa já era repassada para seus três filhos, Eveline, Eduardo e Enrique, que entraram na escola já alfabetizados em casa.
O lema da família “A herança que podemos deixar para os filhos é o estudo” norteou a casa. Na infância com a ajuda das mulheres que trabalharam em sua casa, Odete, em Santa Rita do Oeste (SP), e Claudia, em Canguçu (RS).“As crianças receberam leituras como a colonização de Santa Rita do Oeste e mais histórias infantis através das mulheres que trabalharam em casa que foram figuras divertidas e importantes na vida deles.”, diz Celia.
Após o final do magistério, o processo seletivo para trabalhar na biblioteca do Colégio Padre Carlos Zelesny foi o que trouxe ao seu atual trabalho no Jardim Sabará. Lá, Celia percebeu que a paixão pela leitura não se modificou com o advento das tecnologias, o prazer que sente ao folhear ou cheirar um livro ainda vê nas crianças e nos jovens.
Para as crianças do Sabará descobrirem o que gostam de ler, Celia lê pelo menos três livros por mês da biblioteca. “Muitos vem para pegar livro e me dizem de qual estilo gostam, como leio de tudo tenho sempre alguma sugestão, por causa desta tática já consegui que muitos alunos se tornassem leitores”, conta. A idéia é permitir que levem um livro e tragam no dia seguinte, até conseguirem ler um livro até o final.
Para o futuro, Celia já começou a pequena biblioteca da neta de um ano, que conta
com mais de 10 histórias. Os livros fazem parte da história da família.
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