Para quem tem o que dizer

Por Mariana Fraga

A cena do rap ponta-grossense existe há pouco mais de 15 anos. Quem está intensamente envolvido com produções e eventos mais recentes percebe que nessa uma década e meia o cenário sofreu uma série de alterações em decorrência das próprias transformações da cidade e das gerações que participam da construção da cultura hip-hop em geral.  O rapper e idealizador das Batalhas de Rap do Parque Ambiental Andrey Rotter (Twoclock), percebe que a grande questão da geração atual envolvida na produção de rap em Ponta Grossa é a monetarização do cenário como um todo.

“O público não está acostumado a comprar o rap, tem o costume de achar que por ser rap tem que ser de graça. Confundem rap com assistência social [risos]. Não que essa parte não seja importante, eu mesmo já fiz muito evento de graça, mas se você está fazendo um evento numa casa a galera tem que entender que a gente só está querendo pagar as contas”, defende Andrey.

Para Twoclock, que faz rap há cinco anos e até agora recebeu por três eventos, é fundamental a compreensão do público com relação a forte tendência de profissionalização dos MCs e a defesa da produção artística como um trabalho que pode ser remunerado. “Ninguém trabalha de graça. O público precisa entender que comprando um ingresso, comprando um CD, ele está ajudando um artista e ajudando um artista ele está ajudando a movimentar a cena, porque se o artista tem retorno ele vai fazer mais vezes, então terá muito mais evento de rap”, relata.

A dupla Philliaz busca um outro tipo de contato com seus ouvintes. A integrante Bianca Oliveira defende que, por estarem no início da carreira e pela proposta do grupo, ambas prezam pelo contato físico com a plateia: “Antes de gravar alguma coisa a gente quer dar esse tempo, curtir esse momento que a gente está no boca a boca, sem divulgação, ver as pessoas ao vivo mesmo para sentir como é a mensagem que a gente quer passar, fazer essa presença terrena”.

Outra grande questão que permeia a situação do rap em Ponta Grossa é a relação com os espaços de apresentações. Após precisar interromper as Batalhas de Rap do Parque Ambiental, Andrey acredita que a maior dificuldade com relação ao ganho de espaço é a dificuldade de se relacionar com outros estilos musicais. “Tem muito preconceito dos dois lados, do rap e dos outros estilos. Mas a gente está conseguindo abrir mais espaço agora em festas que não tinha antes. Por exemplo ali na Cavan, na Rusty, até no DCE, que antes era impossível imaginar recebendo rap a gente está conseguindo abrir alguns espaços” explica.

A pesar das conquistas, o dono do home studio mais famoso da cidade, a Fabrik, Ismael Alves dos Santos, conhecido como Gueg pelos amigos desde a infância, acredita que a grande vitória da cultura hip hop em geral na cidade seria a construção de uma Casa do Hip-Hop. “Uma casa como a que tem em Guarapuava ia transformar a cultura em PG. A prefeitura contrataria os caras do hip hop para dar aula para a molecada no contra turno escolar e nesse espaço nós teríamos dança, grafitti, rap, oficinas, todas as seções da cultura hip-hop. Toda essa galera ia estar concentrada, ia ser muito mais organizado. Seria um incentivo à cultura e uma ação de cidadania”, conta.

Um cenário em constante transformação

Símbolo de resistência política e social, o rap é um segmento da cultura marginalizada hip-hop, originalmente norte-americana, reconhecido pela sequência intensa de rimas e pelas batidas singulares que se incorporou a cultura brasileira através de milhares de produções nacionais de grandes nomes como Emicida, Marcelo D2 e Criolo. O estilo musical se popularizou a partir das décadas de 80 e 90 no Brasil e percebeu uma série de transformações contínuas em seu cenário desde então.

Em Ponta Grossa, essas mudanças também foram percebidas por quem vive a cena da cultura hip-hop como um todo e, especificamente, do rap. Gueg é uma referência para o cenário ponta-grossense. Faz suas próprias músicas, produz faixas, álbuns, vídeo clipes e eventos no cenário do rap há mais de 15 anos, embora tenha se formalizado como microempreendedor há apenas dois. “Eu sempre fiz trabalhos para mim, dai os outros viam o que eu fazia e pediam também. No começo a gente gravava de graça porque era tudo entre amigos, depois eu cobrava 15 reais a faixa. Hoje eu cobro R$ 50,00, mesmo assim é um preço bem abaixo do mercado”.

Ele conta que quando começou na cena os eventos eram feitos de forma braçal e percebe uma inversão de condições no cenário do rap da cidade: “A gente fazia os eventos no peito. Carregava os quase 15kg de equipamentos de ônibus para os lugares dos shows”, ressalta. “Duas coisas viraram de ponta cabeça de 15 anos para agora: hoje têm mais de 50 grupos [de rap] na cidade e antes tinha bem pouco. Agora quase não tem público e antes tinha muito público. A cena vai mudando, as pessoas abandonam por uma série de motivos e não conseguem seguir junto sempre”.

Entretanto, as principais mudanças percebidas por ele estão na relação do público com os artistas e com o próprio rap, as quais ele atribui principalmente a evolução das tecnologias: “Antigamente o Centro de Cultura lotava num domingo à tarde. Hoje a vibe é outra, só lota festa a noite. Não que os caras perderam sua responsabilidade dentro do movimento, é que as coisas vão acontecendo de forma natural, vão mudando as gerações. O mesmo cara que escutava na fita k7 não é o mesmo cara que escuta no iphone 6”.

Bianca, da Philliaz, acredita que as transformações da cena local estão levando para uma nova fase do rap em Ponta Grossa e, consequentemente, um crescimento das perspectivas com relação ao movimento: “A cena ainda está crescendo. Ela começou bem forte, vinha bastante gente de fora fazer show aqui, mas com o tempo foi diminuindo, era muito intenso e o pessoal foi deixando de ir nos eventos. Eu acho que o público mudou, se renovou. É uma galera mais nova que está deixando mais forte de novo”.

Duas mulheres e o amor fraternal

Unidas por um interesse em comum e “meio por acaso”, as meninas do Philliaz compõem e se apresentam juntas desde agosto do ano passado embora ambas residam em cidade diferentes. Morando em Florianópolis, Karine Machado, 25, cria peças de artesanato com pedras e materiais diversos para vender, além de produzir alguns trabalhos com reciclagem, conta que escolheu o trabalho por um motivo especial: “Decidi fazer isso quando engravidei para ficar perto da minha filha que está com três anos, eu não queria um trabalho de oito horas que me deixasse longe dela”, conta.

Em Ponta Grossa, Bianca, 22, trabalha com produção de vídeos, animação e fotografia. Aprendeu a trabalhar com equipamentos e técnicas por conta própria mas espera poder estudar formalmente essa área em um curso superior. Possui também um projeto fotográfico de cunho social chamado Fluência, que pretende registrar manifestações culturais da cidade.

As letras de Philliaz, uma referência a amor filial – amor fraterno – falam de momentos bons e ruins pelos quais as compositoras passaram e se voltam diretamente a um caráter espiritual. “Sempre buscamos mostrar algo a mais, para que a gente não fique preso nas coisas terrenas. Sempre buscar a evolução, um estado melhor do que a gente está, buscar uma saída. Acho que as nossas letras sempre mostram que tem uma luz no fim do túnel, uma luz divina, que a gente tem que pensar para além das coisas terrenas”, explica Karine.

Por serem uma dupla de meninas, a Karine e Bianca contam que, antes de formarem a dupla, passaram por experiências desagradáveis: “Eu como solo participo de batalha de rap e acontece sempre de colocar primeiro a menina para que ela saia primeiro. Geralmente em batalhas são 16 MCs e em quase todas eram quinze homens e eu de mulher. Eu já sabia que ia ser a primeira e muitas dessas batalhas que eu comecei primeiro ia até a final, ganhava ou perdia na final. Quando se está sozinha é bem pior, sente mais o preconceito”, relata Karine. “Eu já me apresentei sozinha, mas não sentia que estava completa e por ser um meio que tem bastante homens é difícil mesmo, tem que ter coragem, essa força a gente quer passar. Eu garanto que tem muita menina fazendo rap escondido, eu fazia isso”, conta Bianca.

A pesar de não levantarem bandeiras políticas como a do feminismo, a Philliaz se preocupa em transmitir o sentimento de igualdade principalmente para as mulheres envolvidas nesse estilo musical: “O rap é para quem tem algo a dizer, algo que faça diferença para você. Eu vejo a importância de estar nesse movimento também pelas mulheres, para que elas possam ver que podem fazer também. Eu vejo que muitos homens se surpreendem quando a gente começa a cantar, isso já é quebrar barreiras”, conta Karine.

Ambas relatam um contato juvenil com o rap através de parentes e amigos. Karine conta que sua primeira experiência foi através de um primo que lhe emprestou uma fita K7 quando tinha nove ou dez anos. Já Bianca, narra uma procura mais independente através da internet e, posteriormente, em contato com amigos. Para as duas, que sempre gostaram de escrever, ouvir rap levou naturalmente a composição de suas próprias letras, em geral, sobre experiências pessoais. Para Bianca, a relação com as palavras é intimista: “Acredito que todo mundo têm um poeta dentro de si”.

Confira a seguir a música “Chave Mestra” de autoria da dupla de rap Philliaz: OUÇA AQUI

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