Pela vontade de dançar

Por Jaqueline Guerreiro

A leveza e suavidade do balé não deixam evidente que nem tudo são flores. Embora o balé seja algo bem procurado na cidade de Ponta Grossa, ele ainda é muito elitizado. “Muitas pessoas pensam que é coisa de rico, mas basta se informar para descobrir que a dança pode caber no seu bolso sim. Às vezes a família acaba gastando mais com eletrônicos, por exemplo, quando poderiam estar investido em atividades locomotoras de bem estar, como o balé” conta a professora de balé há 19 anos, e uma das donas da Academia Pró Arte Camila Alves Gomes.

Na cidade, não há variedade de locais próprios e completos para receber apresentações de balé, o que restringe o público. “O CineTeatro Ópera é um lugar excelente, mas as coisas vão estragando aqui e ali, e é preciso consertar. Além de que o básico como iluminação e som não são fornecidos e temos que alugar.” explica Heloize, irmã de Camila e também professora de balé. Assim os eventos tornam-se todos particulares, com público reduzido e se restringem a familiares, amigos e pessoas envolvidas no meio da dança, mas isso não impede a vontade de dançar e se profissionalizar.

Hoje com quase 20 anos de carreira, as irmãs estão formando seus primeiros alunos como professores de balé. Na escola há um curso específico para treinar os futuros professores, com aulas didáticas, teoria e estágio. A bailarina Kawane Leifeld, de 20 anos, vai ser uma das primeiras alunas formadas pela Pró Arte.

A música e a dança estiveram presentes na vida de Kawane desde pequena, quando teve seu primeiro contato com o balé aos três anos de idade, na Academia Rellevé (academia que Luiza e a Camila também frequentavam) na turma do Baby Class. Ela permaneceu nessa mesma academia até os nove anos de idade quando o espaço fechou. Como não queria parar de dançar, foi para a academia La Ballerina onde permaneceu por quatro anos, participando de espetáculos, do projeto Corpo de Baile e foi apresentada ao método francês do balé; na antiga escola aprendia pelo método russo.

Porém, conforme crescia Kawane tinha cada vez menos tempo livre, e como a Rellevé ficava longe de sua casa, ela deixou a academia por um tempo. Após seis meses ela decidiu entrar na Pró Arte por já conhecer as professoras, e está lá até hoje participando de espetáculos, viajando para cidades da região, além de ter participado da Mostra de Dança Paranaense por dois anos seguidos.

– A minha maior motivação desde pequena, foram às possibilidades que eu poderia alcançar no futuro. A fileira da frente, a primeira sapatilha de ponta, o primeiro solo, o primeiro pás de deux, conseguir realizar movimentos cada vez mais difíceis e agora, e ser a Medora no repertório O Corsário (espetáculo que acontece em dezembro deste ano), como formanda.

Mas tem a parte do balé que quase ninguém conhece, aquela que não passam nos filmes, a verdadeira realidade por trás das sapatilhas e dos figurinos maravilhosos. São meses de dedicação, treino e dor para conseguir montar um espetáculo, e o reconhecimento é essencial na carreira de uma bailarina. Enquanto conversava comigo e tirava as sapatilhas, os calos e os machucados nos pés apareciam. No canto da sala de dança, um kit primeiros socorros com curativos e esparadrapos.

– Eu quero um dia ver o teatro lotado, com gente admirando, observando o esforço e a dedicação que passamos o ano todo renovando, para que o espetáculo inteiro emocione. Aquele passo que parece ser tão fácil, com certeza foi motivo de lágrimas da bailarina na primeira tentativa.

Agora, como futura professora, Kawane diz desejar passar para os seus futuros alunos toda sua experiência, toda dificuldade, as voltas por cima que conseguiu dar e principalmente torcer para que o público reconheça o Balé Clássico, como uma arte que vale a pena ser acompanhada. Além de bailarina, Kawane está no segundo ano do curso de Fisioterapia.

No vídeo, Kawane conta como se sente em relação às todas dificuldades que ela, e todos os outros bailarinos enfrentam. Confira clicando aqui.

Como tudo começou

Não fosse pela enorme placa com os dizeres “Academia de dança Pró Arte” seria apenas uma casa entre tantas outras, mas é muito mais que isso. A casa de dois andares abriga seis salas de dança, oito professores, vários quadros e retratos das apresentações que já passaram e muita história pra contar.

Tudo começou em 2006, quando a professora de balé das irmãs Camila e Heloíze decidiu mudar de cidade e fechar a academia de dança que elas frequentavam. Os alunos ficaram sem rumo, e dentre todos os eles, Helóise era a única formada e que podia lecionar. O tempo mínimo para ser formada como professora de balé varia entre 8 e 12 anos, dependendo do método e da academia.

Naturalmente, sendo a única capacitada, todos perguntavam quando abriria a sua própria academia. Foi quando as irmãs decidiram montar o grupo de dança “Stúdio Gritar”, formado por cinco mulheres que não queriam parar de dançar. Luiza, por ter mais experiência entre as bailarinas, liderava o grupo e auxiliou na finalização da formação da sua irmã mais nova, Camila.

– Após um ano com o grupo, foi que começamos a sentir a vontade de abrir uma escola. E sem ter por onde começar, abrimos a academia no andar de cima da casa dos nossos pais. – explica Luiza.

Assim nasceu a Pró Arte, que começou tendo apenas uma sala de dança com capacidade máxima para 30 alunos. No começo a academia ofertava três cursos, sendo eles: balé, aulas de axé e alongamento. Em 2009 com dois anos de academia, e uma demanda cada vez maior de alunos, foi preciso expandir a estrutura do local aumentando as salas e a quantidade de professores. A Academia continua no mesmo lugar: a casa dos pais das irmãs.

– A gente brinca que essa é a herança deixada pelos nossos pais, começamos com uma sala e morávamos no andar debaixo, hoje a casa inteira virou estúdio graças a eles. Seria muito difícil conseguir uma estrutura como essa sem a ajuda deles.

Hoje a academia tem cursos de balé, baby class, dança de salão, ballness, jazz, coreografias, atendimento personal, ritmos coreografados, swásthya yôga, flamenco e teatro. Além de bailarinas há 19 anos, as irmãs são formadas em educação física e em uma série de cursos profissionalizantes de danças.

Espaço que acolhe

– As pessoas que participam da escola falam que gostam de estar aqui. Alguns alunos chegam bem antes da aula para poder conversar, ver os amigos, eles gostam do clima, do bem estar que proporcionamos na academia, e é o que cativa às pessoas. – conta a caçula Camila.

Dentro da Academia é feito um concurso interno anual, que premia Melhor bailarina, Melhor bailarino, Aluno destaque, entre outros, onde os próprios alunos montam seu figurino e coreografia. Os jurados são professores de dança convidados que julgam e escolhem os vencedores. Além de Ponta Grossa, a Academia Pró Arte já se apresentou em diversas cidades paranaenses, como Curitiba, Telêmaco Borba, Arapoti, Piraí do Sul, Castro etc. Mas o objetivo é participar de concursos fora do estado, meta planejada com muita calma e paciência, conforme os alunos vão ficando cada vez melhores e aprimoram o seu trabalho.

O namorado de Kawane, Rodrigo Ferreira, de 22 anos, que também frequentou a academia Pró Arte, é bailarino há oito anos, dançarino e estudante de economia. Ele conta que nunca sofreu preconceito por conta do balé, e que na verdade é muito respeitado pelas pessoas por ser bailarino e professor de dança de salão, além de coreografar casamentos, festas de 15. Apesar dos longos anos treinando balé ele não pretende levar como profissão.

– Estou caminhando para o último ano da faculdade, e vejo a profissão de professor de dança eu tenho como um bônus, não tenho intenção de torná-la minha principal fonte de renda, mesmo porque é muito difícil viver de cultura no Brasil.

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