Ponta Grossa 196 anos: o voo da coruja

Por Fabio Anibal Goiris

Em algum momento da história Georg Wilhelm Hegel comparou a Filosofia com a coruja da deusa Minerva – dona de toda a sabedoria do mundo – para dizer que esta ave só voa ao anoitecer. Ao som do silencio e da luz que se extingue, se diria.  Esta perspectiva pode ser aplicada à historia de Ponta Grossa, que parece iniciar o seu progresso apenas ao entardecer, ou seja, próxima aos seus duzentos anos de existência. Aos olhos da Ciência Política a cidade não teve a experiência da Revolução burguesa ficando apenas com os efeitos dilatados da modernização conservadora.   

            Desde a sua fundação em 1823 a base material que imperava na região dos Campos Gerais estava alinhada ao modo de produção de caraterísticas semifeudais (certamente escravista e depois de vassalagem), onde a aquisição da terra se fundamentava tanto no sistema de doações das Sesmarias como na aristocracia rural que intermediava a posse autoritária da terra. Mas, o fundamento sociológico e antropológico estava concentrado na superestrutura, que encorajava e difundia a política e a ideologia conservadora alinhada, por sua vez, ao liberalismo. Não é por acaso então que entremeado aos intermináveis latifúndios emergia uma socialização política que tinha como fundamento ideológico o Coronelismo (1889-1930), o Integralismo (1930-1940) e o governo Vargas (1930-1945). Seguem ainda, na sequencia: o Nazismo, a Igreja Conservadora e a ditadura militar.

            Louis Althusser autor do livro Aparelhos ideológicos de Estado diria que alguns elementos fundamentais forjaram a sociedade em Ponta Grossa: o binômio família-escola ao qual se seguem a igreja conservadora e os meios de comunicação (especialmente o radio), alinhados em conjunto à ideologia liberal e à aristocrática rural.  Diante disso, não pode surpreender a longevidade ideológica e o relativismo cultural que predomina nesta região do Brasil. O Estado permanece, pois, muito ausente diante das necessidades populares. Sítios naturais extraordinários como Vila Velha, patrimônio de todos, estão passando por longa e deprimente terceirização.

            Um exemplo da permanência do pensamento conservador foi a crítica descabida direcionada ao reitor Miguel Sanches Neto na ocasião da abertura do Festival de Teatro em sua 46edição (2018). O professor de Letras tecia louvores à cultura no exato momento em que, ele dizia, se tentava colocar uma mordaça na arte e no livre pensar. O festival de teatro era como uma bandeira democrática hasteada em céu turvo. Os adversários não gostaram do discurso e escrevem um artigo criticando o reitor. Cumpre dizer que as palavras do reitor foram acertadas e judiciosas num país onde justamente se propõe extinguir o Ministério da Cultura e substitui-lo por uma secretaria e onde surge uma reação à própria Constituição de 1988 com fortes traços de anti-intelectualismo e pendor por uma retórica confusa e voluntarista. 

            Mas, a questão não se circunscreve apenas à superestrutura ideológico-política. Existem dados concretos acerca do cotidiano da cidade. O Jornal Diário dos Campos publicou no dia 31 de dezembro de 2017 dados mostrando que 7,75 mil famílias estão em condições de extrema pobreza na cidade, ou seja, elas vivem com renda per capita de até R$ 85 por mês. Outras cinco mil recebem uma média de até R$ 170 mensais. Na mesma linha, neste ano de 2019 mais de 67 mil contribuintes estão com o pagamento do IPTU em atraso. O número representa mais de 44% do total de cadastros do tributo, passando de R$ 22 milhões o valor que a Prefeitura deixou de receber apenas este ano.

            Não obstante, em flagrante contraste com os dados anteriores, emerge com toda a força o boom da verticalização e a criação de condomínios fechados de alto padrão. Criaram-se áreas de construções imobiliárias – há ainda mais de uma centena de projetos – que assumiram status compatíveis com a burguesia contemporânea. Existem até noticias de que um edifício de 50 pavimentos se tornará o prédio mais alto do Paraná, com 170 metros.

            Assim, às portas dos seus duzentos anos, a cidade levanta seu voo de progresso. Abre suas asas entre contrastes e resistências. Por uma janela, se vislumbra a desconstrução da cultura por efeito do pós-modernismo. Ao mesmo tempo, por outra, se observa a emergência de uma civilização permeada pelos Fake News e a pós-verdade. Hebert Marcuse diria que há uma permanência incômoda do sujeito em meio a um mal-estar freudiano, especialmente por efeito das novas formas de dominação (como a tecnocracia e o capitalismo financeiro) e de subjetividades (desencontradas ou já perdidas), que, no entanto, prevalecem no capitalismo tardio e esperam o corolário, quem sabe sob os desígnios de uma sublimação.

O autor é cientista político, professor da UEPG e autor do livro: “Estado e Política: a história de Ponta Grossa, Pr”.

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