Prisioneiros da realidade

Os sussurros e barulhos no assoalho supostamente indicam a presença de alguém na mansão. Com a pele pálida, cabelos negros e expressão triste, ele corre pelos corredores e acena para as pessoas da janela do sótão. Há décadas aprisionado, o menino já não ri mais, não brinca mais. As boas lembranças da vida foram esquecidas e deram lugar ao desespero de permanecer num mundo que já não é mais dele.

Alberto Thielen mandou construir a mansão em 1926 para presentear a esposa, Hilda Thielen. Os 600m² do casarão estão marcados por quadros, esculturas e histórias. Histórias de amor, histórias de dramas, histórias de horror… A Vila Hilda foi tombada como patrimônio histórico do Paraná em 1990, e é na arquitetura francesa neoclássica em art-nouveau que habita o mais famoso fantasma de Ponta Grossa: o menino da Vila Hilda.

Ninguém sabe ao certo quem ele é ou como chegou lá. Poderia ser um filho bastardo de Alberto Thielen ou cria de algum dos empregados da casa. Ou ambos. A verdade, porém, permanece oculta nos lábios do menino que já não ri mais. Real ou fruto da imaginação de gerações de ponta-grossenses, ele está na mansão, esperando pela hora do julgamento. Hora da liberdade.

O número 936 da Rua Julia Wanderley, no Centro de Ponta Grossa, atualmente é a sede da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Vila Hilda, como é conhecida. A crença popular já concretizou o local como habitação do menino fantasma, mas isto, aparentemente, não é um incomodo para quem trabalha lá.

Funcionária do local há três meses, a assessora de imprensa da Secretaria de Cultura, Maria Fernanda Teixeira, afirma não se incomodar com as histórias do jovem fantasma: “Ouço passos e barulhos estranhos, às vezes, como uma bola rolando no chão. Isto não me incomoda, se o menino está aqui, melhor que esteja brincando”.

Mesmo que os indivíduos cada vez mais caminhem para a síndrome de São Tomé – só acreditar naquilo que se vê – ainda existem pessoas que mudam o caminho para evitar passar pela Vila Hilda à noite. “O menino está lá sozinho há anos, não quero que ele me chame para fazer companhia”, brinca o vendedor Hilário Coutinho. “Depois de tantos anos e as pessoas ainda acreditam que ele está lá, é porque deve estar mesmo, não é?”, conclui.

Um buquê de sonhos perdidos

Com vestido branco manchado de sangue e lágrimas ela vaga em busca do amor perdido. Noite após noite, incansável, a espera continua. O corredor entre túmulos representa para ela o corredor da igreja. Seu público, os mortos. A marcha nupcial é o pio das corujas. Dela foi roubado o sonho de se casar, mas ela não se foi, ela continuará esperando até que o matrimônio lhe seja concedido.

Toda cidade tem sua história de noiva assassinada no dia do casamento, e em Ponta Grossa não é diferente. Conforme o coveiro do Cemitério São José, no Centro de Ponta Grossa, José Maria Pereira, quem dá vida, ou morte, à lenda da noiva cadáver ponta-grossense é Maria Augusta Silva. A jovem de 23 anos organizava os preparativos para o casamento quando foi assassinada junto com a mãe em 1941.

Desde então, cidadãos juram tê-la visto rondando o Cemitério São José, onde foi enterrada, à procura do noivo. Aqueles que a descrevem, contam que está desolada pelo impedimento de realizar seu maior sonho. Antônia Lima mora próximo ao Cemitério há 37 anos e relata ter ouvido os choros da noiva em diversas noites. “Ela se debruça em lápides e chora a ausência do amado. Principalmente na época da quaresma”, conta.

A prostituta Evangeline Star, que trabalha no entorno do Cemitério São José, afirma nunca ter visto ou ouvido qualquer lamento de noiva fantasma. “O que acontece, é que jovens desocupados invadem o espaço do Cemitério para se drogar ou fazer sexo e as pessoas preferem colocar a culpa nos mortos a culpar os vivos”, relata.

Uma carona para o além

Nas ruas escuras da Rodovia do Café, todas as noites, ela pede carona. Na esperança de ser tirada do esquecimento e seguir adiante, a moça loira de vestido branco acena para os caminhoneiros em busca de transporte. Seu destino? Ninguém sabe. Aqueles que param para levá-la são surpreendidos pelas lágrimas incansáveis da jovem, que cessam somente no momento em que ela desaparece.

Ninguém sabe quem ela é ou para onde ela quer ir. Ninguém sabe o que a mantém na Rodovia do Café ou como ela foi parar lá. Ela apenas está lá, cumprindo seu papel. Extravasando em cada lágrima derramada um pedacinho da história que a acorrenta neste plano, impedida de seguir em frente. A loira do café está condenada a seguir para lugar nenhum.

Segundo o frentista José Carlos Kawan, o espírito da moça loira assombra os viajantes da noite na Rodovia do Café desde antes dele nascer. “Foi meu pai quem me contou e ele ouviu do pai dele. O fantasma da loira do Café está na rodovia desde antes dela ser uma rodovia, é da época dos tropeiros, ainda”.

De acordo com Kawan, a história sempre é a mesma: a moça loira acena pedindo carona, alguém para, ela embarca e começa a chorar. Lágrimas incontroláveis escorrem pelo rosto da dama até que, misteriosamente, ao cruzar o viaduto da entrada de Ponta Grossa, ela desaparece. “Já perdi as contas de quantos caminhoneiros pararam assustados aqui relatando a mesma história e descrevendo a mesma mulher”, diz.

A verdade depende de quem acredita

Histórias de fantasma são tão antigas quanto a humanidade. O ser humano tende a justificar com o sobrenatural tudo aquilo que não é capaz de compreender a partir de explicações lógicas. Milagres, folclore e lendas urbanas fazem parte da cultura e realidade de sociedades desde que o mundo é mundo.

A história da mais importante igreja de Ponta Grossa, a Catedral Sant’Anna, por exemplo, é contada através da lenda das pombinhas – duas pombas brancas com fitas vermelhas presas às pernas foram soltas e pousaram no lugar exato em que deveria ser construída a igreja. Acredita-se que foi um sinal do Espírito Santo.

Para o pesquisador de Folclore da Universidade do Contestado, Marcílio Fernandes, a crença nas histórias transmitidas entre gerações é extremamente importante para a preservação da cultura e costumes de todas as comunidades. “As pessoas se apegam a estas lendas e histórias, é importante para elas acreditar. Além disto, quando algo se torna senso comum entre um grupo de pessoas, deixa de ser uma crendice e se torna uma verdade”, explica.

Fernandes explica que a existência de fantasmas nunca foi comprovada, assim como a não existência. “Cada um tem liberdade para crer naquilo que lhe é mais conveniente. Eu nunca vi um fantasma, mas não desacredito naqueles que dizem ter visto”. O professor ainda acrescenta que existe a possibilidade das pessoas acreditarem tanto em algo que projetam imagens e acabam vendo o que imaginam ser real.

O menino que acena no sótão da Vila Hilda, a noiva que chora o compromisso nunca firmado e a loira que pede carona na Rodovia do Café são histórias contadas e aceitas por um número significativo de pessoas e, portanto, verdades para todos aqueles que acreditam. Mesmo hoje, na era dos fatos e da ciência, existem indivíduos que buscam consolo e compreensão nas explicações sobrenaturais.

Reportagem de Crystian Kühl

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