Quando mortos-vivos caminham entre nós

Por Melissa Moura

No 1º dia de novembro, o clima nublado trazia para a cidade a escuridão que alguns ponta-grossenses aguardavam. Ao lado do Terminal Central, um aglomerado de pessoas aos poucos aumentava, desde às 17h. Aproximadamente 40 mortos-vivos se reuniam para andar pelas ruas de Ponta Grossa com o objetivo de fortalecer a cultura alternativa da cidade.

Nas estampas camufladas, quem observava o rapaz de costas não percebia que aquele ser já não vivia mais. Inspirado em um militar que virou zumbi no campo de batalha, Kaly Anderson, participante pela primeira vez da tradicional Zombie Walk de Ponta Grossa, demorou aproximadamente 1h para se arrumar para o evento. “Nunca tinha participado, me convidaram para o evento e eu quis saber como era”, conta.

As roupas pretas e a maquiagem escura feita no dia em que virou zumbi revelavam a paixão pela escuridão de Jessika Ziareski Mendes, que ao se tornar zumbi teve um corte horizontal feito no meio do rosto. Também participante pela primeira vez do evento, Jessika sempre quis participar, mas nunca teve a oportunidade até então. Ela demonstra um olhar baixo e um riso constrangido, contando que esta foi sua primeira e última Zombie Walk, pois no próximo ano irá morar em outra cidade. “Sou viciada no sobrenatural e em ficção científica, jogos de matar zumbi ou de virar o zumbi, isso me inspirou a participar da caminhada”, fala.

Os jogos também inspiraram William Rocco e Erick Becher a se transformarem em zumbis. Vestidos com jaleco, armas e máscara – no caso de William – aproveitaram a oportunidade para participar de alguma atividade no final de semana. “A ideia veio da criação do vírus em laboratório, onde os cientistas já possuíam um material de proteção, como a máscara de gás e armas para se defender”, diz Erick, ao relatar a escolha do seu figurino.

A caminhada durou aproximadamente 50 minutos e surpreendeu as pessoas que passeavam pela Av. Dr. Vicente Machado e Av. Bonifácio Vilela. Na frente dos zumbis quem guiava era um pirata, Diego Juraski, organizador do evento.

Em uma noite fria no meio da semana de 2010, Diego Juraski, coordenador do Project Yumi, conversava com uma amiga no antigo bar Abismo. Os dois, amantes da cultura japonesa, compartilhavam também suas paixões por zumbis. Essa conversa então originou o coletivo de cultura alternativa Zombie Walk Ponta Grossa, ZWPG.

O ZWPG logo teve seu fim pela falta de pessoas na organização do coletivo. O início da Zombie Walk marcou uma mudança no Project Yume, associação que promove eventos de cultura japonesa, que passou também a abranger a manifestação dos zumbis e a organizar todas as caminhadas dos mortos-vivos pela cidade.

Na primeira edição do evento, em 2010, aproximadamente 100 zumbis caminharam pela cidade. O apocalipse zumbi estava próximo em 2012, quando o número triplicou. Ao que parece, as pessoas conseguiram conter a proliferação do vírus, no ano seguinte quando apenas 80 mortos-vivos se uniram para contaminar Ponta Grossa. O ano de 2014 não foi diferente, o número de zumbis diminuiu pela metade.

“A chuva diminui o número de participantes na Zombie Walk. Nesse ano, só pela probabilidade de chover, muita gente desistiu”, conta Diego, que ainda recorda o ano passado, em que os participantes caminharam embaixo de chuva. Diego, no entanto, espera que no próximo ano o evento seja maior. “Se a gente desanimar, não faz nada”, enfatiza Diego.

Além da Zombie Walk

O Project Yume foi fundado em 2003 por Diego Juraski e Pedro Decker com o intuito de trazer a cultura japonesa para a cidade de Ponta Grossa, que até então não possuía eventos ou apoio cultural nessa área.

Diego reclama que tudo o que ele podia consumir de cultura japonesa na época eram os poucos animes de massa que passavam na televisão, e esta foi uma motivação para o grupo abrir espaço para esta cultura.

A dificuldade no início foi grande, o projeto não tinha apoio da Fundação Municipal de Cultura e tinha que gastar com taxas de aluguel para organizar o Yume Festival, primeiro evento criado pelo projeto. “A gente sofria com a ignorância do povo e a falta de apoio, no entanto a gente conseguiu apoio com o tempo”, lembra Diego.

A Fundação Municipal de Cultura fez uma parceria com o Project Yume, permitindo o uso do Centro de Cultura para a realização dos eventos, com taxas baixas, o que permitia um pequeno custo de entrada.

Algumas das práticas promovidas nos eventos do Yume são o swordplay, animekê, danças japonesas, RPG, cosplay, torneios de Magic e yu-gi-oh e oficinas de mangá.

Para a realização dos eventos, a ajuda voluntária de todos os participantes foi sempre essencial e as vendas de mangás, comida japonesa e souvenirs ajudavam a manter o Project, garantindo um pouco de dinheiro em caixa para a realização de novos eventos.

Diego conta que com o tempo as coisas mudaram e as taxas de borderô e reserva para manutenção do Centro de Cultura subiram. No entanto, o grande impasse para a realização de novos eventos foi a nova reforma do local, em maio deste ano. “O custo de locar outro lugar para realizar os eventos é muito alto e como o projeto não possui muito dinheiro em caixa, fazer algo em local público dificulta porque não há a arrecadação de entrada”, explica Diego.

Atualmente, com 17 anos, o Project acumula aproximadamente 150 eventos já feitos em dez cidades, de quatro estados diferentes.

A família dos cosplay

Da cidade da amizade, duas meninas não passam despercebidas. Com suas franjas escorridas pelos cabelos pretos e curtos, não é apenas pela semelhança que as duas são conhecidas. As gêmeas de Piraí do Sul são duas das poucas pessoas que fazem cosplay na cidade.

Thamíris e Nicoly Moreira, com 16 anos, se apaixonaram pela cultura japonesa através de desenhos que costumavam assistir quando crianças na televisão. Com o tempo começaram a pesquisar mais sobre a cultura japonesa e se interessar também pela literatura e filmes japoneses.

Com o tempo as gêmeas acumularam mais de 30 cosplays diferentes juntas e 5 em dupla e 20 eventos em que participaram, entre alguns famosos como Anime Friends, UP! ABC e Shinobi.

No entanto, por morar em uma cidade pequena, as duas precisam viajar para participar de eventos de cultura japonesa. São aproximadamente três horas de viagem para o Shinobi, de Curitiba.

“Piraí já não possui muitas atividades gerais para a população, muito menos para a gente que tem hobbies diferentes, como fazer cosplay”, diz Nicoly. A tristeza das gêmeas é que ainda há preconceito com a cultura japonesa. “As pessoas ficam sem acesso a novas culturas e julgam o que é diferente, se possuíssem mais contato com tudo isso poderiam até gostar ou pelo menos aceitar”, reclama Thamíris.

As gêmeas contam que esperavam que cidades próximas fizessem eventos grandes relacionados à cultura japonesa, que também pudessem abranger uma cultura mais pop e nerd, ampliando público. As duas gostam de viajar para os eventos, apesar dos gastos em transporte. Nos eventos as gêmeas conheceram boa parte dos amigos que possuem e encontraram pessoalmente alguns que conheceram através da internet. “Também nos sentimos mais livres porque em cidade maiores, e principalmente nos eventos, fazer cosplay é normal”, conta Nicoly.

Nicoly e Thamíris ainda ajudaram a irmã mais nova Ana Paula Moreira, de 6 anos, a fazer o seu primeiro cosplay. Ana Paula começou a gostar da cultura japonesa por influência das irmãs mais velhas. Os cosplays das duas podem ser vistos na página 2wins Cosplay pelo link: https://www.facebook.com/2winscosplay/?fref=ts

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