Reforma da previdência: paradoxos, possibilidades e injustiças

 Por Fabio Anibal Goiris

            O governo Jair Bolsonaro vem invocando aos quatro ventos que sem a reforma da previdência “o Brasil vai quebrar” ou que sem ela “não há nenhuma perspectiva para o país”. Este “discurso de alerta” é arcaico e repetitivo pela simples razão de que os problemas previdenciários vêm se acumulando desde 1923, data da criação do sistema. Hoje duas questões se apresentam: de que maneira fazer a reforma? E quem pode sair prejudicado? O governo quer conter as despesas que advenham da previdência e manter dinheiro em caixa. Paulo Guedes quer uma economia de pelo menos 1 trilhão de reais em 10 anos. Mas, qual seria a saída? Aumentar a idade mínima (para que as pessoas demorem em se aposentar) ou criar mecanismos que diminuam o valor dos benefícios? Uma diminuição dos benefícios pode criar com o tempo um caos social entre os idosos como o que vem ocorrendo no Chile, onde foi aplicado pelos Chicago Boys (a mesma escola de Paulo Guedes) um sistema perverso de capitalização (que visa extinguir o modelo solidário da Previdência atual).

            A Proposta de Emenda Constitucional (PEC), nº 287, denominada Reforma da Previdência é essencialmente excludente. Se aprovada, nos moldes defendidos pelo governo, vai produzir muitos mais pobres (e nenhum combate aos privilégios). Ao elevar de 15 para 20 anos o tempo mínimo de contribuição, a reforma impedirá o acesso à Previdência de quem já vive em trabalho precário, informal e de maior rotatividade. Não há como esquecer que o Brasil tem mais de 13.000.000 de desempregados, isto é, cidadãos sem nenhuma relação com o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Hoje, 42% dos trabalhadores não contribuem para a Previdência social. Assim, dos trabalhadores brasileiros que se aposentaram por idade em 2014, mais de 60 % estariam excluídos da Previdência caso vigorasse a regra proposta na PEC.

          Igualmente cruel é a regra da PEC que propõe elevar a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, desconsiderando diferenças sociais e regionais. Cerca de 80% da população de 65 anos ou mais têm, pelo menos, uma doença crônica. Isso diminui a vantagem dos mais velhos no mercado. E a aposentadoria por invalidez vem aumentando. Mais perversa ainda é a regra que propõe 40 anos de trabalho para a aposentadoria integral. As mulheres também são relegadas pela proposta. Ignorando a sobrecarga de trabalho e a responsabilidades historicamente atribuídas às mulheres, a proposta de reforma da Previdência propõe igualar (em termos de contribuição) a idade de homens e mulheres, trabalhadores(as) rurais e urbanos. Além disso, a reforma inviabiliza a aposentadoria especial rural, ao exigir a comprovação da efetiva contribuição e não mais da condição de trabalhador rural e ao elevar o tempo de contribuição de 15 para 20 anos.  

            De outra parte, em forma injusta e preconceituosa, a PEC 287 prevê uma drástica diminuição do Beneficio de Prestação Continuada (BPC), cujo valor atual é de um salário mínimo (R$ 998,00 em 2019). Se aprovada, os idosos em situação de extrema pobreza só teriam direito àquele valor a partir dos 70 anos de idade. Entre 60 e 70 anos estes cidadãos teriam uma renda de apenas 400 reais. Estes dados nos remetem aos valores internacionais onde viver com menos de 3,20 dólares (cerca de 11,90 reais) por dia reflete a linha da pobreza em países de renda baixa. Assim, 400 reais por mês seriam suficientes para que uma pessoa possa sobreviver apenas durante 15 dias.

            Nesse contexto, a PEC 287 apresenta dois erros básicos: por um lado, onera e castiga os mais pobres (como foi explicitado acima) e, por outro, não reduz os privilégios que certamente iria ampliar as fontes de receita previdenciárias por meio de taxação dos mais ricos, entre os quais os bancos. É preciso rever também a política de desonerações que devem ultrapassar 300 bilhões em 2019.  O senador Humberto Costa e o deputado federal Paulo Pimenta, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT), escreveram que é preciso combater os privilégios e, sobretudo, enfrentar a impunidade que estimula a sonegação. Até 2015, escrevem os parlamentares, a Previdência urbana era superavitária. Mas, entre 2014 e 2017, o regime geral perdeu mais de seis milhões de contribuintes, diante da crise econômica que aumentou o número de desempregados.

            É possível concluir que a reforma da previdência constitui-se numa necessidade (em outros países se verifica o mesmo debate, do Japão aos Estados Unidos), mas, infelizmente, a reforma brasileira não está sendo construída à luz da inclusão social. São vidas de pessoas humildes que estão em jogo e que permanecem atônitas e à mercê das decisões políticas. Por essa razão, se justifica plenamente a luta infatigável da oposição visando salvaguardar, à luz da Constituição e dos diretos sociais, as prerrogativas já conquistadas pelos trabalhadores brasileiros.

*O autor é cientista político, professor da UEPG e autor do livro “Estado e Política: a história de Ponta Grosa, PR”. 

Comentários: 1

  1. Bruno Costa Cichon disse:

    Fábio, o seus escritos são inteligentes como sempre!

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