Ser “diferente” atualmente é fazer política

Cesar Lima foi criado em uma área rural do município de Teixeira Soares até dois anos atrás, quando veio para Ponta Grossa estudar Economia na Universidade Estadual de Ponta Grossa – embora admita ser ruim com números e cálculos. Filho de um casal de produtores rurais, mudou-se para Ponta Grossa seis meses depois que entrou no curso. Antes disso pegava ônibus que a prefeitura da cidade disponibiliza para trazer universitários para a UEPG.

Aos 20 anos se mudou para uma cidade que conhecia pouco. Quando passou no vestibular viu a oportunidade de conhecer outras coisas e se libertar do lugar de opressão em que estava.

Mora na casa que seus pais têm em Ponta Grossa, uma residência humilde no bairro Castanheira. Vive só, porém nos finais de semana seus pais vem para a cidade. Acorda cedo, às 6h da manhã para pegar dois ônibus para ir ao trabalho, uma loja de produtos agrícola no bairro Oficinas. Fica no trabalho até o meio da tarde, e esse meio tempo entre aula e trabalho ele usa para comprar produtos para o seu segundo trabalho. 

Cesar, quando não está trabalhando ou estudando, é drag queen e faz performances em eventos, festas e baladas da cidade. Geralmente, às sextas-feiras, depois da aula, muitas vezes em banheiro público, tira da mochila pincéis, sombra, rímel, batom e uma longa peruca ruiva. A partir daí surge quase como uma entidade Angel Houston. O barulho do salto alto ecoa pelo banheiro, o vestido arrasta pelo chão e sai do banheiro masculino uma mulher. “Cesar não existe mais, ou melhor, está na mochila”, brinca Angel.

Em relação à sexualidade, Cesar sempre foi convicto e aceitou o que sentia, mas escondeu dos pais e irmãos. Quando se mudou para Ponta Grossa se libertou e conheceu o primeiro menino.

Quando morava na zona rural de Teixeira Soares, Cesar nunca havia ouvido falar de drag queens, a primeira vez que ouviu ou soube da existência da arte drag foi passando na frente de uma casa noturna da cidade. Para ele, homens que se vestiam de mulher eram travestis e só, não poderiam ser outra coisa. 

O começo da “montação” foi aos poucos. Iniciou com lápis de olho, blush e pó apenas, e seguiu assim por alguns meses até juntar dinheiro e comprar uma peruca de outra drag de PG, Morgana Firebomde, e começar a se jogar no universo das drag queens. As roupas no início foram compradas em lojas do Calçadão, Cesar lembra que a primeira roupa que pode comprar foi um top, uma saia e um salto altíssimo, que segundo ele é essencial para ter um bom desempenho nas performances.

A inspiração para Cesar virar Angel surgiu em 2017 quando estava muito em voga a arte drag nos principais meios de comunicação. Artistas como Pabllo Vittar, Lia Clark, Gloria Groove, Aretuza Love e, claro, Rupaul, internacionalmente conhecida pelo reality show Rupaul Drag Race, entraram para a lista de divas do pop. 

A família de Cesar não sabe da sua vida dupla. A preocupação é principalmente com o pai: “eles me expulsam de casa. Como moro na casa dele, tenho que manter segredo e ter que me virar do jeito que dá”. Sem poder assumir sua sexualidade e sua vida dupla, mantém escondida sua personalidade até dos irmãos que, segundo ele, não aceitariam ter um alguém na família que se veste com roupas que não condizem com o gênero.

“Quando eles estão aqui ou quando meu pai vem me visitar tenho que esconder às pressas roupas, maquiagem, salto e peruca. Às vezes, ele acha e joga fora. Dai tenho que comprar tudo de novo. Quando me pergunta de quem é digo que é de uma amiga”. Cesar conta que já gastou mais de mil reais, tendo que comprar roupas novas, maquiagens, cílios, perfumes, bijuterias, que seu pai jogou fora.

Quando os pais ligam avisando que estão vindo, corre esconder em cima do telhado as roupas novas para não serem jogadas fora. Mesmo com tantas evidências de uma vida dupla, acredita que o pai não desconfia de nada, pois a menor desconfiança já seria motivo para uma expulsão de casa. Ele lembra que, quando criança, o pai o batia por ter trejeitos femininos, principalmente quando bebia.

A insegurança se dá também da porta para fora de casa. “Ser drag vai muito além de ir por aí com peruca, maquiagem chamativa e vestido, é um ato político, pois preciso ter muita coragem para sair como o sexo oposto e mostrar para o mundo como eu realmente sou. Não posso sair sozinho. Preciso estar em grupo, com squad, caso contrário apanhamos ou até morremos na rua”.

Conheceu outras drags quando começou a sair para lugares onde elas estão em Ponta Grossa, e fazer amizades com elas ajudou em diversos aspectos a se encontrar na vida, como se comportar, usar as roupas, além do companheirismo que uma dá a outra, principalmente quando estão na rua.

Angel já teve que correr na rua para se proteger, principalmente quando precisa pegar ônibus montada de volta para a casa, e vira a atração dos lugares por onde passa, pois a peruca vermelha e o salto chamam muito a atenção. A drag garante não se sentir confortável quando está montado e anda nas ruas, pois os olhares a incomodam.

Para se dedicar exclusivamente à arte drag, Cesar pensa em sair do trabalho no escritório. Não saiu antes porque é o que lhe dá o sustento, porém não é algo que quer fazer para a vida inteira, pois não se vê o resto da vida nesse trabalho. Ele deseja se mudar para uma cidade maior e continuar com a arte que lhe atrai.

Para ele, se montar é algo inexplicável: “é ter prazer e sentir-se completo e realizado como nenhuma outra coisa”.  Mesmo que tenha que enfrentar sua família e a sociedade, para ele esta decisão não tem a ver com identidade de gênero ou aceitação do corpo, mas sim com a busca por se sentir realizado.

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