Por Carine Cruz e Gabriel Panice
O verde que se vê no campo do Germano Krüger não passa despercebido. Hoje, é um dos melhores gramados do interior do país. Jogadores e torcida concordam: não tem buracos, a bola desliza suavemente pela grama bem aparada e verde e a drenagem é perfeita, não há poças. Tudo isso graças ao Seu Gracindo, que é responsável pelo campo do Germano Krüger. Há muito tempo que não se via um tapete como o que se tem hoje no GK. Sua ligação com o gramado vai além de só cuidar dele. O tapete verde faz parte do seu roteiro de caminhada cotidiana, ponto de parada para tomar mais uma cuia de chimarrão e palco da era de ouro de Seu Gracindo em campo.
Todos os dias, desde que se lembra, seu Gracindo, às seis horas da manhã, pega a cuia com chimarrão, uma chaleira de água quente e sai caminhando pelas ruas da cidade. Antigamente, ia de sua casa, próxima ao Estádio Germano, até Olarias, numa caminhada de aproximadamente cinco quilômetros. Agora os hábitos são outros. Seu Gracindo, mais velho e menos disposto, mudou o roteiro da caminhada, porém jamais abandonou a bebida gaúcha, sua parceira nas andanças. Vai de sua casa até o Germano e lá fica, dá voltas e voltas no estádio, analisa o campo verde, bebe o chimarrão e quando a água está morna, quase fria, vai buscar os companheiros de trabalho. Somente aí ele sossega, quando o dever o obriga a sentar.
É costume na família de Seu Gracindo beber chimarrão, a mulher Katia e o filho Marcelo se habituaram a beber a erva, à tarde, e desistiram de convidar Seu Gracindo a se reunir com eles. Não tem jeito, para o Seu Gracindo, só vale tomar chimarrão de pé e em movimento. Sentado, segundo ele, não tem graça.
José Gracino Sobrinho, conhecido como ‘Seu Gracindo’, foi e é funcionário do Operário Ferroviário Esporte Clube. Na sua época de ouro, jogou para o Fantasma, ajudando o time a crescer. Atualmente, Seu Gracindo continua a trabalhar dentro do campo, mas agora com as sete décadas de vivências e experiências ele conta todas essas histórias com muito entusiasmo, sempre lembrando como o futebol entrou na sua vida para nunca mais sair.
Pilantrão desde pequeno
Nascido em 1944, na cidade de Birigui, São Paulo, Seu Gracindo, filho de dono de máquina de arroz e sítio de café, se mudou para Rolândia, cidade no norte do Paraná, aos 10 anos.
Seu Gracindo, o mais velho de três filhos, admite ter sido muito levado quando criança. Menino muito esperto e muito cheio de vida amava jogar futebol, e amava tanto, que até embaixo de chuva ele jogava. Foi em um campinho de terra perto do sítio da família em Rolândia, onde começou sua conexão com o futebol, que ele deu seus primeiros passos no esporte.
Ele lembra que num desses dias de chuva seu pai pediu para que ele não fosse jogar, com receio que ele se sujasse, mas criança sapeca que era ou em suas palavras, ‘pilantrão’, deu um jeito de ir para o campinho. Seu Gracindo conta, rindo, que se jogava na lama da chuva e fazia uma lambança para jogar. Quando chegou em casa levou uma surra assim que seu pai viu o estado que o menino Gracino se encontrava.
De time em time
A estreia de Seu Gracindo foi em Rolândia, no Nacional, time da cidade. E também foi no Nacional que se tornou profissional. Jogou lá por cinco anos, até seus 21 anos de idade. Mas o clube passou por dificuldades financeiras e seu Gracindo foi liberado.
Mas Seu Gracindo, talentoso que era, não ficou sem clube. Os diretores do Grêmio Oeste, de Guarapuava, já vinham acompanhando o trabalho do jovem volante – passou a jogar como lateral em Guarapuava. Convidaram alguns jogadores do Nacional para ir disputar o Campeonato Paranaense pelo Grêmio Oeste. E assim foram Seu Gracindo e seus companheiros para Guarapuava, cidade muito importante para ele, pois foi onde conheceu sua esposa e casou-se.
Lá jogou de 1967 a 1970. Logo em seu primeiro ano, Seu Gracindo ajudou a subir o Grêmio Oeste para a Primeira Divisão do Campeonato Paranaense. Depois, disputou três vezes a elite do futebol paranaense pelo clube.
Parece que o jogo virou, não é mesmo?
Certo dia, ele e seus companheiros do Grêmio Oeste iriam para Cianorte para uma peleja pelo Campeonato Paranaense. O jogo estava marcado para o domingo, porém no sábado uma chuva muito forte atingiu a região. A viagem estava marcada para o domingo pela manhã, duas Kombis levariam os jogadores e todos os materiais.
Com a chuva, a estrada ainda sem asfalto não estava nas melhores condições e as Kombis atrasaram. Apenas uma delas chegou a tempo para o início do jogo. Ou seja, o time tinha apenas 11 jogadores e nenhum material para jogar. Para que o jogo acontecesse e não fosse adiado, a equipe do Cianorte teve que emprestar tudo para os jogadores do Grêmio Oeste, camisa, calção, meias e até chuteiras.
Um goleiro teve que jogar na linha, inclusive, lembra Seu Gracindo. Como era de se esperar, o jogo foi bastante truncado e com poucas chances de gol. E, apesar de todas as condições adversas, o Grêmio Oeste venceu o jogo por 1 a 0. Contrariando as apostas do Cianorte, que acreditava estar com a vitória garantida, pois tinha todo o material necessário e o time completo. Com o sorriso no rosto, Seu Gracindo lembra que até hoje quando volta a Cianorte, os jogadores do time da época ainda comentam aquela amarga derrota:
— Nem nós esperávamos ganhar aquele jogo. Eles ficaram loucos com a gente. Até hoje quando volto lá comentam sobre a nossa vitória.
Ele ainda conta, rindo à toa, que a outra Kombi chegou quando faltavam 10 minutos para acabar a partida:
— Chegaram só para comemorar.
Uma história agridoce
Em 1969, Seu Gracindo teve a mais importante aventura futebolística de sua carreira. Foi emprestado ao Coritiba para a disputa da Taça Roberto Gomes Pedrosa. Ficou apenas seis meses, mas o suficiente para guardar boas histórias. Quando contava sua experiência no time da capital, Seu Gracindo, com um ar nostálgico, lembra-se das viagens para o Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte. E foi em uma dessas viagens que ele teve sua melhor atuação como jogador profissional. Sem hesitação, ele responde:
— Ah, a minha melhor atuação foi contra o Atlético Mineiro, lá em Minas, jogando pelo Coritiba.
Perdido em meio às memórias daquela tarde em que ele jogara no Mineirão contra um dos melhores times da época, primeiro campeão brasileiro dois anos depois, Seu Gracindo lembra que foi a partir daquela atuação que se firmou na lateral direita do Coritiba. Apesar de jogar bem, as memórias daquele dia não são das melhores. O Coritiba perdeu e Seu Gracindo esteve envolvido diretamente no lance que causou a derrota. O jogo estava 1 a 1 até um pênalti ser cometido por ele. Mesmo após mais de 40 anos, ele ainda reclama da arbitragem:
— Eu acabei fazendo um pênalti. Quer dizer, eu não fiz o pênalti, o juiz marcou, mas não foi – conta ainda indignado com a marcação – Eu matei a bola no peito e o juiz disse que eu matei no braço.
Ao final da competição, seu contrato de empréstimo também acabava e ele deveria retornar ao Grêmio Oeste. O Coritiba até tentou sua contratação em definitivo, lembra Seu Gracindo. Porém os altos valores pedidos pelos dirigentes do Grêmio Oeste impediram que a negociação se concretizasse. Entristecido pela oportunidade perdida, Seu Gracindo lembra:
— O pessoal lá quis ganhar dinheiro em cima de mim, sabe? Eles pediram o dobro que o Coritiba ofereceu. Não teve conversa.
Finalmente em casa
No ano seguinte, o Grêmio Oeste deixou de existir. Mais uma vez Seu Gracindo ficara sem clube. Mas não por muito tempo. Foi chamado para jogar na Associação Pontagrossense de Desportos, clube então formado pela fusão entre Operário e Guarani. Seu Gracindo vem para Ponta Grossa, onde morava num quartel. Ele jogou até 1973 na Pontagrossense, ano de extinção do clube.
Casado, Seu Gracindo não queria se mudar de novo, por isso aceitou o convite para jogar no Operário, que iria retomar as atividades após a extinção da Pontagrossense. Entre 1974 e 1981 ele conciliou a carreira de jogador e seu trabalho na prefeitura. Após parar de jogar profissionalmente, Seu Gracindo continuou trabalhando na prefeitura, por onde se aposentou. Porém, nunca deixou de jogar bola, até hoje Seu Gracindo de terça a domingo bate uma bolinha com seus amigos. E agora sem responsabilidades, com churrasco e cerveja após a pelada.
Já nesta década e aposentado, ele volta pro Operário, dessa vez não mais como jogador, mas para cuidar do gramado e numa espécie de “faz-tudo” para o clube. Seus companheiros de trabalho agora são outros.
Para Luciano Dobzinske, apelidado por Seu Gracindo de “Polaquinho”, Seu Gracindo é uma pessoa muito extrovertida, sempre fazendo piadas e brincando com seus colegas de trabalho. Quando chegamos para a entrevista com Polaquinho, ele estava no carrinho, aparando o gramado e tentando atropelar Seu Gracindo, que fugia às gargalhadas. Polaquinho se defende:
— Ele tentou me atropelar ontem! Só estava dando o troco hoje.
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