Sou, mas não é sobre mim. A arte é sobre quem vê

“Eu quero a utopia. Eu não tenho medo de buscá-la e quando perdemos isso, a gente morre”. Dessa utopia, na beleza entre a arte, a educação e a comunicação, Ezequiel Machado Ramos, mais conhecido e carinhosamente chamado de Zek Ramos, construiu seu sonho. Do amor e do afeto, nasceu o projeto Diálogos Culturais. Mas antes de propagar seus conhecimentos e tentar concretizar um projeto que fosse inteiramente voltado para difundir seus ideais e a arte, o artista interdisciplinar, como se autodenomina, cresceu entre espinhos e pedras.

Nascido em 31 de janeiro de 1984, dividiu sua infância entre dois lares. Com a morte da mãe biológica logo após seu nascimento, a família não queria que Zek ficasse com o pai, um homem na casa dos 50 anos, guarda noturno, que tinha problemas relacionados à bebida. Ele passou a morar até os quatro anos com a tia Jacira, se mudando posteriormente para a casa da sua prima Joanita.  “Elas passaram a ser minha vó e minha mãe”, conta Ramos. 

Morando entre o Centro e o bairro Rio Verde, ele conta que seu pertencimento era inexistente. “Eu não pertencia a lugar nenhum”, desabafa. Dentro da sua família adotiva, as oportunidades eram grandes e desse modo a arte entrou na sua vida. Incentivado pela mãe que sonhava em ser pianista, Zek começou a aprender piano aos três anos de idade, se firmando na Igreja Batista. Ganhou posição como porta voz do coral da igreja, após se formar em regência coral aos doze anos.

Embora tivesse posição de liderança dentro da Igreja, por causa do seu jeito alternativo, fora do comum, começou a se sentir deslocado. Devido aos privilégios com sua família adotiva, se sentia estranho quando visitava o pai na periferia da cidade. Na escola, sofria bullying. “Eu chorava por todo canto. Eu sofri muito, mas vejo que isso me fez ver a vida diferente”.

    Depois do coral, começou a procurar a arte além da música. “A música não me satisfazia, então procurei nas outras artes”, destaca Zek. Ele começou a elaborar as peças da Igreja, seus primeiros projetos, e acabou sendo barrado em assuntos que eram contrários às crenças do ambiente, como sexualidade.

    Quando saiu da igreja, começou a fazer peças para o Estúdio de Dança Fabíola Capri, cantar em casamentos e entrou para o Coro Cidade de Ponta Grossa. Sentiu necessidade do teatro em sua vida e começou a estudá-lo. Também formado em Jornalismo, Zek criou a Diálogos Culturais em 2017 com o intuito de juntar comunicação, educação e arte para transmitir cultura e incentivar as pessoas a serem vivas.

    “A Diálogos sou eu, mas não é sobre mim”. Toda sua personalidade e ideias deram o sistema nervoso desse projeto, mas são as pessoas que o fazem acontecer. A arte é estampada em Zek. Como um pai, acolhe seus alunos a fim de ensiná-los a viver e se expressar através da arte.

    Em seus coletivos, ele assume um papel de líder, com sentimento de afeto. Carinhosamente recebe cada pessoa sobre sua asa e transmite seus conhecimentos, sempre na posição de respeito e disciplina. Enquanto os alunos realizam os exercícios propostos, Zek observa seus erros e os conduz a melhorar, como um guia que, sem segurar nas mãos, ajuda no caminho. Mas não no caminho mais fácil, pois a arte é complexa e difícil e, segundo ele, precisa ser estudada. 

    “Se a gente incomoda com a arte, é porque a pessoa tem aquilo nela. A arte nunca é sobre ela e sim sobre quem vê”. Ele relata que ao dirigir a peça “Serpente”, em que a protagonista era transsexual, mas sua personagem uma mulher cisgênero, a maioria das pessoas só sabia perguntar se “era homem ou mulher”, “se tinha pênis ou vagina”, enquanto a peça falava exclusivamente sobre feminicídio.

    Diálogos também lançou, antes de fazer uma pausa, um projeto contra a gordofobia, apresentando pessoas gordas em pinturas clássicas, o que mostra o comprometimento do projeto com temas importantes e atuais.

Embora Zek use o afeto em sua metodologia, ultimamente tem se sentido frustrado quanto a algumas respostas das pessoas. Ele planeja viajar para Bahia, em um hiato de seis meses, para repensar suas metodologias. “Eu não me arrependo de nada, de nenhuma frustração, mas acho que o que eu sabia, não é verdade absoluta, preciso repensar e ver novas coisas”, destaca.

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