Uncharted é o resultado de quando o oportunismo se alia à preguiça em Hollywood

A adaptação de obras vindas de outras esferas da arte sempre foi um pilar de sustentação do cinema. Converter uma história ao formato audiovisual, considerado o mais próximo da realidade e também um dos mais aptos em materializar o que outrora seria incrível ou abstrato, é e sempre foi uma prática orientada por questões que vão desde: compatibilidade entre formatos, paixão/obsessão/necessidade dos envolvidos e oportunismo comercial dos barões da indústria. Já que uma obra já existente tende a chamar o seu público, um alvo garantido, para consumi-la novamente no formato cinematográfico.

Uncharted: Fora do Mapa (2022), de Reuben Fleischer, infelizmente é totalmente construído à revelia, impessoalidade e descaso da última opção. Vítima de uma produção caótica que durou mais de 12 anos e escolhas criativas mercadológicas, o filme é uma ilustração didática de como fazer uma adaptação pífia. Algo irônico visto que o material fonte, a série de jogos Uncharted (2007-2016), sempre foi descrita como uma das mais cinematográficas de seu formato.

O longa metragem acompanha a aventura do jovem barman e gatuno Nathan Drake (Tom Holland) em busca do ouro perdido da família Moncada. Um sonho que compartilhava com o irmão Sam (Rudy Pankow), de quem nunca mais teve notícias. Ao lado de seu contratante, o trambiqueiro pouco confiável Sully (Mark Whalberg), o jovem é alçado a uma longa e perigosa jornada que testa suas motivações e habilidades de sobrevivência ao redor do mundo.

Nunca se pode exigir de uma adaptação que seja um retrato falado da obra original. Afinal, meios diferentes possuem linguagens diferente de apresentar e contar uma história. Basta ser fiel a princípios basilares do original, não importando os meios que utilize para isso.

O roteiro do filme, espantosamente assinado por quatro profissionais diferentes, falha de forma crassa em tudo que se propõe. Ao construir a história usando versões jovens dos personagens dos jogos, o filme os descaracteriza e elimina traços cativantes de Nathan Drake e de Sully sob a desculpa de ser um início de franquia com propósito de longevidade.

Nos jogos, o personagem de Drake é caracterizado por sua irresponsabilidade e imprudência sendo um homem de mais de 30 anos. Parte do charme do personagem é acompanhar sua evolução e maturidade conforme sua idade e corpo começam a lhe dar alertas de que precisa amadurecer. Sendo assim, a escolha de moldar a narrativa em sua versão mais jovem soa ancorada apenas na ideia de usar o carisma de Holland e do público que ele traz dos filmes do homem aranha da Marvel. Algo óbvio na escolha de lançar o filme apenas dois meses depois de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021).

 Já Sully, em versão mais nova, é privado de exercer sua figura de mentor do protagonista, pois além de Whalberg não ter idade suficiente para isso, o roteiro o caracteriza como tão imaturo quanto Drake. E o fato de ele ser dependente deste para conseguir o que quer inviabiliza qualquer resquício de sua credibilidade enquanto gatuno arqueológico experiente.

Com um elenco de apoio emburrecido para salientar a suposta engenhosidade do protagonista, antagonistas pobres em meio a reviravoltas bobas – um desperdício da vivacidade do veterano Antonio Bandeiras – e construção de cenas desprovida de engenhosidade ou mesmo propósito em certas ocasiões, o filme é um engodo amplificado pelos diálogos ridículos e um senso de humor que deixa tudo mais embaraçoso. 

De forma espaçada, o filme até possui momentos divertidos. Mas eles são raros e derivados de outros mais bem construídos dos jogos e de outros filmes. O melhor exemplo são as sequências de ação. Momentos até bem conduzidos, mas isolados dentro do tédio do resto da trama.

O resultado final é um filme que aborrece tanto os fãs, visto que pega nomes e situações, os descaracteriza e espera que o fan service compense tudo, quanto o público casual que já viu melhores exemplares do subgênero de ação e aventura. Um fracasso que infantilmente tenta ser redimido na cena pós créditos – cuja construção soa como uma piada de mal gosto, já que é o que o filme deveria ter sido. Decisão lamentável que apenas explicita a visão depreciativa que o estúdio possui sobre a cognição de seus espectadores.

O mais deprimente sobre Uncharted- Fora do Mapa é que os jogos originais bebem saudosamente de obras criadas pelo cinema como a franquia Indiana Jones (1981). Ou seja, algo de fácil transição já que sua natureza é pré-moldada à estética e narrativa próprias desse formato. Para os fãs da franquia resta o consolo do curta metragem independente Uncharted (2018). Em apenas cinco minutos há um trabalho absolutamente mais fiel e superior às duas horas do filme de 2022.

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