No dia 28 de junho de 2018, Juliano Strachulski, integrante do Grupo de Pesquisa Interconexões, defendeu sua tese de doutorado em Geografia pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da UEPG, conceito 5 da CAPES.
Intitulada “KAGWYRI’PE JIHOI: O TERRITÓRIO COMO FUNDAMENTO DO SABER TRADICIONAL PARINTINTIN NA ALDEIA TRAÍRA DA TERRA INDÍGENA NOVE DE JANEIRO, HUMAITÁ – AM”, Juliano teve como orientadores o prof. Dr. Nicolas Floriani (PPGEO-UEPG) e o Dr. Adnilson Ameida Silva (PPGEO-UNIR), recebendo distinção pela banca pelos seus trabalho.
A banca de defesa foi composta pelos ilustres professores Almir Nabozny (PPGEO-UEPG), Ancelmo Schörner (PPGH-UNICENTRO), Antonio Marcio Haliski (IFPR=Paranaguá) e Lucia Helena Oliveira Cunha (MADE-UFPR).
A vivência com os Parintintin da aldeia Traíra
As primeiras impressões dos Parintintin da aldeia Traíra realmente fazem valer o ditado: “Jamais julgue um livro pela capa, você poderá perder uma história incrível”. Felizmente não realizamos julgamentos, apenas conjecturas que quando negativas não se concretizaram, e, portanto, não perdemos a história, por isso o presente relato e na oportunidade lembramos de uma citação ora a Helen Keller, ora a Charles Chaplin, ora de autor desconhecido, e representa bem o que sentimos e vivemos com o povo Parintintin:
As melhores e as mais lindas coisas do mundo não se podem ver nem tocar. Elas devem ser sentidas com o coração […]. Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.
Nossa vivência e contato diário com os Parintintin ao longo de quase seis meses possibilitou mitigar as diferenças culturais e estabelecer laços de confiança, a partir de respeito mútuo, observações constantes e participação em algumas atividades diárias, como excursões a floresta, trabalho agrícola, mas em especial dos acontecimentos dentro da Aldeia como os rituais, festas e demais situações.
Para nós, a convivência com os Parintintin foi não somente uma experiência de pesquisa, mas também de vida. A calma no saber-fazer de suas práticas diárias na Aldeia ou mesmo as excursões/expedições à floresta fizeram com que entendêssemos o modo de vida indígena, como também influenciaram nos momentos que juntos passamos: a calma e a tranquilidade proporcionada naquele ambiente contagiam, envolvem e nos colocam a viver num ritmo parecido ao que o povo empreende no cotidiano.
Foi uma vasta aprendizagem e uma grande oportunidade de conhecer um povo tão acolhedor e simpático como os Parintintin. Portanto, acreditamos que essa vivência não sairá da memória, nem o que aprendemos com eles e sobre eles em sua relação de mundo. Levaremos um pouco de sua sabedoria, de seu modo de viver e de sua amizade e reciprocidade, tanto para a vida profissional como pessoal, pois naquele ambiente aprendemos e encontramos a humanidade, a qual é tão distante nos dias atuais em nossa sociedade regulada pela instantaneidade e pela monetização, inclusive dos valores fundamentais – no caso, a vida.
o Recém doutor Juliano Strachulski dedica seu trabalho “a todo o povo Parintintin, aqueles que estão vivos e aqueles com quem tivemos o prazer de conviver, mas que já partiram para outro plano do cosmos, pela sua hospitalidade, aceitação, paciência e por confiarem em nós e permitirem que com eles pudéssemos caminhar na floresta. Agradeço aos meus orientadores, Prof. Dr. Nicolas Floriani e Prof. Dr. Adnilson de Almeida Silva, por terem me orientado nesta tese. Ao Nicolas pela longa jornada de mais de nove anos que percorremos juntos até a defesa da tese. Ao Adnilson e também Rogério Vargas Motta por terem me apresentado ao povo Parintintin. Também agradeço a todas as instituições e pessoas que colaboraram de alguma forma para a realização deste trabalho”.
Acerca da TESE
Os povos indígenas vêm desenvolvendo seus saberes tradicionais e construindo uma relação transcendental com o território e natureza local, inerentes não somente a elementos práticos, materiais, mas também simbólicos, espirituais.
A Geografia acaba despertando o interesse pelos povos indígenas, por seus conhecimentos tradicionais, que versam sobre as formas de viver no mundo (relação com o território e territorialidades), o savoir-faire (práticas e habilidades), e tratam do mundo em que se vive (cosmogonia e cosmologia). Em especial, a Geografia Cultural entende como elementar, a tradução da complexidade local não de forma a simplificá-la, mas com vistas a tornar tal complexidade mais inteligível aos olhos da ciência, a partir de referenciais como o território, territorialidades geossímbolos, identidade e suas implicações socioculturais e ambientais.
Acerca do exposto, o objetivo norteador da tese foi compreender a importância do território para a existência dos saberes tradicionais Parintintin na aldeia Traíra da Terra Indígena Nove de Janeiro, Humaitá – AM. Na vivência com os atores sociais, observou-se que no contato e convivência com a sociedade não indígena os saberes e costumes tradicionais proporcionaram uma relativa resistência à cultura externa, sendo que seu sistema cultural se adaptou, internalizando novas práticas materiais e imateriais híbridas.
Portanto, a relação com o território e o manejo da floresta, apesar de ter sofrido com influências externas, é guiada por um conhecimento tradicional, apoiado numa concepção de natureza menos utilitarista e exploratória do que aquela da sociedade envolvente. O território é visto como sua base material e simbólica, em que se assentam seus conhecimentos tradicionais, tem origem seus mitos, lendas e crenças, onde caçam, pescam, praticam a agricultura e manejam as espécies vegetais elementares a sua sobrevivência física e cultural e, em especial, local em que coevoluem com a natureza.
Em relação à interpretação dos saberes indígenas acerca da vegetação, evidencia-se que identificam e classificam, em especial, aquelas espécies utilizadas para o tratamento da saúde, sabem a melhor forma de manipulá-las, e os ambientes em que elas se encontram, estando intimamente associados ao seu território. Por outro lado, sabem que devem respeitar as fases da lua, os seres da floresta (Curupira, Kagwyrajara e Pirakwera’ğa) e suas crenças, em que situações determinadas plantas podem ser usadas para fins práticos (chás, xaropes, massagens, etc.) ou simbólicos (benzimentos, pintura corporal). Não são somente saberes práticos, que atendem às suas necessidades primárias, mas também frutos de observações em termos estéticos, intelectuais e/ou espirituais. São transmitidos oralmente dos mais velhos para os mais jovens, porém igualmente adquiridos por sua curiosidade, por uma capacidade intelectual de associar a presença de certos elementos (naturais e culturais) a determinados territórios.