“COP30 tem um papel político fundamental no mundo inteiro, sobretudo para os países do Sul”, defende pesquisador da UFPR que participa da Conferência Mundial do Clima em Belém

“COP30 tem um papel político fundamental no mundo inteiro, sobretudo para os países do Sul”, defende pesquisador da UFPR que participa da Conferência Mundial do Clima em Belém

A COP30 teve início na segunda-feira (10) em Belém (PA), reunindo lideranças globais para discutir estratégias de enfrentamento da crise climática. Marcada por debates sobre a urgência de medidas concretas contra o colapso climático. O geógrafo e climatologista Francisco Mendonça participa da COP30 como representante da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da rede de pesquisas Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Emergência Climática, financiada pela Fundação Araucária do Estado do Paraná. Mendonça destaca que o mundo já ultrapassou o estágio de “emergência” e vive uma “urgência climática”. Segundo o pesquisador, a conferência realizada no coração da Amazônia precisa colocar o Sul Global no centro das discussões e garantir compromissos efetivos para reduzir emissões e restaurar ecossistemas. Representando a ciência paranaense na COP30, Mendonça levará pesquisas sobre impactos regionais do aquecimento global. Para o pesquisador, a expectativa é de que a conferência avance em temas como transição energética e recuperação de biomas degradados, sobretudo na Amazônia. Confira a íntegra da entrevista exclusiva ao Pauta Ambiental. 

Professor, o senhor está participando da COP30 representando instituições, delegação e grupo de pesquisas no Paraná. Poderia nos contar como será essa participação?

Nossa participação será durante toda a COP30. Vou representando a Rede de Pesquisa do Paraná, chamada NAPI Emergência Climática, e também a Universidade Federal do Paraná. O foco dessas duas apresentações de seminário, nas reuniões que a gente vai participar, nas palestras, nas mesas redondas, no encontro com a comunidade, nos movimentos que lá podermos participar e nas atividades, é levar, claro, parte do conhecimento que a gente tem desenvolvido aqui no Paraná, nas universidades, via NAPI, que é apoiado pela Fundação Araucária, e por aqueles trabalhos que, dentro da Universidade Federal do Paraná, a gente tem desenvolvido, e também colegas em parceria.

Nosso foco é representar a ciência paranaense e parte dela na COP, nas negociações possíveis e na disseminação e divulgação do conhecimento científico sobre mudança climática no estado do Paraná.

Durante palestra no evento sobre Emergências Climáticas na UEPG em julho deste ano, o senhor afirmou que já vivemos uma situação de “urgência climática”. Poderia explicar melhor o que distingue essa urgência da chamada “emergência climática”?

Nas últimas três décadas, sobretudo, temos assistido à mudança ou alteração do termo mudança climática para emergência climática. Significa dizer que, desde os anos [19]90 para a atualidade, vimos uma série de compromissos sendo estabelecidos para redução da emissão de gases, para adaptação, resiliência aos eventos climáticos extremos, compromissos assumidos diplomaticamente, mas muito poucos executados no mundo como um todo.

Isso levou, então, a Terra, o planeta, a ecologia do planeta, o clima, a uma situação de colapso, do qual a gente hoje enxerga o aquecimento climático que era previsto para o futuro, já comprovado agora, e o comprometimento das bases ecológicas para a vida humana em um futuro muito próximo, em torno de 50, 70 anos. Isso fez com que a gente tivesse, no mundo inteiro, a alteração do termo de mudança climática, que refletia uma época de estabelecimento de compromissos para uma época em que é preciso executá-los de maneira urgente, sob pena do comprometimento da vida humana futura no planeta. Mais recentemente, em função de que a Terra já adquiriu um 1,5º de aquecimento em 2024 na sua atmosfera e isso era um cenário previsto para o meio do século, significa que a nossa situação, a situação ambiental e climática do planeta é muito pior do que era vislumbrada antes.

O que leva algumas pessoas a falar já de urgência climática, dado o fato de que as catástrofes têm assolado cada vez mais a humanidade. A tendência é se intensificar no futuro muito próximo. Urgência climática é um termo muito pouco utilizado, mas significa o agravamento, a intensificação do grave problema.

Em relação à previsão de presença de países e lideranças mundiais na COP30, o senhor considera que o nível de engajamento internacional está dentro do esperado ou aquém do necessário?

Sobre o engajamento dos países na COP30, o que está acontecendo era o que era relativamente esperado. Este ano de 2025, a gente tem assistido ao longo dos meses, via a grande mídia, ou informação outra aqui e ali, de que a COP não teria sucesso em função de que muita gente não viria, dado o número de dificuldades, mas, sobretudo, dificuldades no aspecto logístico da realização dessa grande conferência em Belém. Nós estamos às vésperas do início da conferência [essa entrevista foi realizada na sexta-feira, 07/11], a conferência começa oficialmente na segunda, mas já está acontecendo uma série de atividades paralelas, inclusive atividades oficiais. Mais da metade dos países que vêm para essas COPs e se comprometem já estão em Belém. O que significa dizer que o que for decidido vai ter validade para o geral. É claro que nossa ideia e vontade é que todos os países do mundo estivessem ali representados, debatendo e deliberando. Mas isso é um grande sonho, dado que a tendência de alguns países, tanto do negacionismo científico, quanto de perspectivas de extrema-direita, contrários, portanto, a esses avanços sociais, ambientais, políticos, democráticos de abertura, está muito em voga.

Então, alguns países não virão, era de se imaginar. Mas aqueles que já estão e alguns que vão chegar ainda [durante essa semana] já garantem o caráter oficial dessa reunião, que espero ter resultados importantes para a Terra como um todo.

Quais suas expectativas em relação aos resultados da conferência e especialmente no que diz respeito à Amazônia e à transição energética?

Temos muitas expectativas com a realização da COP-30, tanto no que ela tem como fórum de deliberação oficial global dos representantes legitimados ou pelo menos oficialmente representantes de países que vão fazer parte da Zona Azul [espaço principal das negociações para chefes de Estado], quanto aqueles que influenciando de maneira generalizada todas as decisões tanto na Zona Verde [espaço para sociedade civil, instituições públicas e privadas] quanto na Zona Amarela, o COP das Baixadas [Coletivo em bairros periféricos de Belém], e também na Cúpula Mundial do Clima, temos grande expectativa de que avanços sejam feitos. Mas, especialmente nessa COP, [espero] que os avanços ou os debates ao longo da semana enfoquem, sobretudo, o sul global. A localização do evento na Amazônia tem também esse caráter de forjar o debate para considerar a grande parte da parcela do mundo, cerca de 70% da população mundial que vive em situação de vulnerabilidade, que precisa de muita atenção e de ser envolvida, considerada nessas deliberações de maneira mais aprofundada e mais séria.

Nossa expectativa, por outro lado, é sobre a transição energética. Já de Dubai para Azerbaijão, da COP-28 para 29, os compromissos de zerar o uso de combustíveis fósseis até 2040 e 2050 já estavam na pauta. Eles continuam na pauta e a tentativa agora, na COP em Belém, é que a gente consiga avançar no sentido da redução para 2030, 2040, 2050 e deixar de usar os combustíveis fósseis lá por 2040 e 2050. Esse compromisso tem que ser assinado, tem que ser realmente algo importante que leve os líderes a tomar decisões nesse sentido.

A gente pensa, lógico, como ambientalista, o mundo inteiro pensa em preservar a Amazônia, a Floresta do Congo, as florestas do mundo, recuperar várias delas que estão muito degradadas, como a Amazônia, como o Cerrado no Brasil, como a Mata Atlântica no Brasil, e recuperação dessas áreas verdes, áreas de mata ou de semi-mata, como é o caso do Cerrado e de parte do semiárido brasileiro. Essas áreas precisam ser recuperadas, restauradas. Os investimentos no Fundo de Florestas, de Restabelecimento de Florestas no Mundo têm crescido. A expectativa é que atinja 10 bilhões [de dólares] este ano. Já teve vários países assinando com a sua contribuição. Estamos numa expectativa otimista de que, sendo na Amazônia, a gente consiga, enquanto COP, sensibilizar os dirigentes mundiais para deliberarem mais sobre os investimentos e as ações de recuperação desses biomas degradados. 

Diante de decisões recentes, como o avanço do chamado “PL da Devastação” e a autorização do presidente Lula para estudos de exploração na Bacia da Foz do Amazonas, o senhor vê uma contradição entre o discurso ambiental do governo e suas práticas políticas?

Tanto o PL da Devastação como essa grande celeuma em torno da exploração do petróleo, pelo menos por hora, todos na bacia do Rio Amazonas, isso tudo obviamente evidencia uma contradição entre discursos e práticas.

A COP tem como seu objetivo principal atuar na redução da emissão de gases de efeito estufa e na adaptação humana e na resiliência das populações dos locais vulneráveis. Mas todo esse discurso, toda essa conferência, está eivado de contradições vastas. Não só essa contradição que coloca o governo brasileiro numa situação um tanto questionável entre liberar os estudos para possível exploração do petróleo na bacia do Amazonas e, ao mesmo tempo, ter um discurso bastante forte contra o uso de combustíveis fósseis. Embora pareçam contraditórios, eles não são tão assim na essência do que se sabe até agora os estudos para ver a viabilidade da exploração do petróleo. O que não impede que o país continue numa luta cada vez maior de enfrentar o aquecimento global, de várias maneiras.

A luta que, em termos oficiais, o governo tem feito, e luta muito importante, de controlar, reduzir, acabar com o desmatamento, de desenvolver políticas que liberem menos metano, de promover qualidade de vida e que, ao defender a Amazônia, a restauração de grande parte dela, especialmente no arco do desmatamento, são iniciativas. Cito apenas algumas, mas tem várias iniciativas promovidas, em grande parte, pelo governo no sentido de defender a ação oficial, a ação governamental e levá-la junto à sociedade para que a  emergência climática seja melhor enfrentada. E que, portanto, a gente consiga fazer que, daqui para o futuro, os impactos sejam menores e que a gente consiga, de uma certa maneira, reverter a degradação da natureza. Claro, há, no fundo, todo um sistema, uma contradição. Mas a contradição é inerente aos processos. Eu não acho que ela deixe de fazer parte. Se a única contradição fosse a aposta ou a aprovação dos estudos para exploração do petróleo e o discurso contra o petróleo, eu acho que a gente estaria muito bem. Mas a contradição é generalizada, não só no Brasil, mas no mundo como um todo, que coloca a gente numa situação complicada.

Como promover desenvolvimento social, econômico e ambiental sem ter bases energéticas suficientemente capazes de nos dar, no presente, um desenvolvimento ou uma condição de manutenção dessas condições naturais e restauração delas? Sim, é muito contraditório, você tem razão. Mas a contradição faz parte do processo. Eu vejo nessa contradição que vocês situam realmente alguma coisa polêmica para o governo, mas, ao mesmo tempo, a gente não pode olhar só essa questão do governo. Muita coisa está sendo feita por interesse do próprio governo para enfrentar as mudanças climáticas globais.

Então, eu não olharia as contradições somente por um lado, eu olharia como inerente a um processo e que não é ela que deve, sozinha, condenar aquilo que no país tem sido feito.

Como essas decisões podem repercutir na imagem do Brasil durante a COP30?

Essa contradição pode, sim, repercutir na imagem do Brasil durante a COP, interna e externamente. Certamente já estava repercutindo, vai repercutir durante e vai repercutir depois.

Porque uma contradição, quando você tem um grande evento como esse e você tem uma busca de um país que está tentando, de alguma maneira, enfrentar a mudança climática, desenvolver atividades, ações e políticas para enfrentá-la, e, ao mesmo tempo, tem uma que é essa dos estudos da eventual aprovação para exploração do petróleo na bacia do Rio Amazonas. Ora, claro que isso coloca a imagem do país numa situação complicada perante a opinião pública, perante os ambientalistas e tudo. Não posso dizer qual vai ser a saída. Só posso dizer que, de maneira geral, vejo no governo brasileiro ações muito importantes de enfrentamento do aquecimento climático global, da mudança climática, da emergência climática.

E estou me enfiando nelas. Eu acho que condenar a ação de um governo por um ou outro processo que não está condizente com aquilo que deveria ser feito é jogar também os avanços para o terreno do inaceitável, para o terreno do negativo. Sei que fere a imagem do país, mas estou naquela linha, ou pelo menos naquele lado em que eu quero olhar as vantagens e reconhecer o que está sendo feito.

Estou e irei trabalhar para que de bom seja feito para o enfrentamento das mudanças climáticas globais e seus impactos.

O senhor acredita que a COP30 pode representar um ponto de virada para as políticas ambientais brasileiras? Em que especificamente?

A COP30 tem um papel político fundamental no mundo inteiro, sobretudo para os países do Sul, Brasil dentre eles. A COP30 é uma realização que acontece aqui no país, que pretende, acho que aí está o âmago de sua importância, suscitar o mundo de maneira muito clara e deixar muito evidente que falar de mudanças climáticas dentro de um país com desenvolvimento complexo, como é o desenvolvimento brasileiro, em que você tem uma das maiores concentrações de riqueza do mundo e que essa riqueza concentrada em menos de 5% da população é responsável por um processo de desenvolvimento completamente degradante das bases ecológicas da vida.

A concentração da riqueza na maneira como está no Brasil é um dos elementos fundamentais para entender a violência que existe na sociedade brasileira. Parte dela retratada no que a gente viu recentemente no Rio de Janeiro [Operação Policial com o assassinato de mais de 120 pessoas em 28 de outubro passado]. Então, sem equidade, sem distribuição da riqueza, sem uma vida com justiça social, num país como o Brasil, não tem como a gente avançar muito em justiça climática, em recuperação, restauração da natureza, defesa e reconstituição das bases ecológicas da vida. Junto com a defesa do meio ambiente, o enfrentamento das mudanças climáticas, é preciso, de maneira muito direta, tratar das condições sociais paupérrimas e de miserabilidade nos países do sul global.

O Brasil é um desses países que tem um gap exacerbado de injustiça social. A COP30 aqui no Brasil vai trazer, sim, dentro dos seus resultados, inúmeros elementos e influências para se pensar não só a política ambiental brasileira, mas se pensar política de desenvolvimento social, política de desenvolvimento humano, política de desenvolvimento ambiental no país. Nossa expectativa é que essa COP não só ilumine, ajude a essa mudança paradigmática de condições sociais no mundo inteiro, que, claro, se repercute no Brasil, que é o que está relacionado às mazelas da pobreza e da miserabilidade. Sem equidade, sem distribuição de riqueza, sem condições de vida relativamente iguais em bases materiais para a vida humana no planeta, a ecologia e a luta ambiental vai carecer muito ainda de passos concretos aprofundados.

A COP é, sim, um grande evento. Ela poderá trazer inúmeras influências para repensar a odisseia humana no planeta. Nesse momento, especialmente, em que os eventos climáticos extremos assolam de maneira bastante impactante grande parte da humanidade.

Por Amanda Grzebielucka, estudante do 3º ano do Curso de Jornalismo da UEPG, integrante do serviço de extensão Pauta Ambiental. 

Professor Francisco Mendonça
Foto: Reprodução

 

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