Destinação do lixo se arrasta há décadas com negligência ao meio ambiente
O problema do lixo em Ponta Grossa carrega não apenas a negligência com o meio ambiente, mas também os interesses econômicos que sustentam cada um dos entraves dos processos licitatórios envolvendo a Ponta Grossa Ambiental (PGA) e a Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Hoje, o fio que liga os problemas de infraestrutura, as brechas jurídicas e a falta de fiscalização vêm junto com o fardo que a cidade carrega com os contratos firmados para a destinação final dos resíduos domésticos.
Segundo o professor de Agronomia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Carlos Hugo Rocha, o Aterro do Botuquara carrega um histórico “deficiente”, já que a Prefeitura Municipal levou décadas para encerrar o descarte de lixo naquele local, sem infraestrutura adequada. Embora desativado, o aterro permanece sem o controle do chorume. Rocha mencionou ainda as ações na Justiça para impedir a construção do aterro sanitário pela PGA na Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana. “Foram mais de 10 anos para que um aterro não fosse construído ao lado da Fazenda Escola da UEPG, num local frágil. Um processo cansativo, longo e que o município só perdeu com isso, por não poder contar com um aterro decente”, afirma o professor. Rocha disse haver falta de política clara e definitiva frente a esse problema por parte da Prefeitura. (Ver também Ponta Grossa Ambiental entra com novo pedido para construção de aterro sanitário em área da Escarpa Devoniana)
O contrato 189/2008 com a PGA para serviços de limpeza urbana, coleta e destinação final de resíduos sólidos no município venceria em março de 2020, mas obteve um aditivo sem passar pela aprovação da Câmara Municipal. A medida tomada na gestão do então prefeito, Marcelo Rangel, prorrogou o contrato para mais 16 anos, com término em 2036, e gerou um custo de aproximadamente R$1bilhão, conforme denunciou o vereador Careca (PV) e noticiado pela imprensa em março deste ano.
A desconfiança sobre o contrato gerou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), indicada pelo relatório final da Comissão Especial de Inquérito (CEI) encerrada em junho deste ano. O vereador e presidente da CPI, Geraldo Stocco (PV), destaca que a cidade enfrenta um limbo jurídico. “Devemos usar da justiça para fazer valer algumas coisas, porque a Prefeitura parece não querer se indispor com a empresa [PGA] e com o dono da empresa”, disse Stocco. A CPI teve prorrogação por mais 90 dias em setembro passado e prevista para encerrar neste dezembro.
Dados disponíveis no site da própria PGA indicam que Ponta Grossa gera cerca de 290 toneladas de resíduos domésticos por dia. A Usina Termoelétrica a Biogás tem capacidade para 30 toneladas de lixo orgânico por dia. O Brasil recicla apenas 4% de seus resíduos e o Plano Nacional de Resíduos Sólidos prevê elevar esse índice para 48% até 2040, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE).
Educação ambiental
O integrante do Mandato Coletivo do PT, João Stefaniak, aponta que a coleta e destinação final do lixo, embora tenham melhorado em infraestrutura, ainda enfrentam problemas. O maior deles, segundo ele, é a falta de educação ambiental e de fiscalização. “Todos os dias têm gente jogando lixo em fundo de vale. A Prefeitura não tem estrutura para punir. E a sociedade não se organiza para denunciar”, afirma. Para ele, mesmo aterros modernos não resolvem o problema se a lógica continuar sendo enterrar a maior parte dos resíduos. Uma das propostas defendidas por Stefaniak é a criação de leis de incentivo para que cidadãos denunciem descarte irregular de lixo, criando mecanismos de participação direta da comunidade. Ele também reforça que escolas, igrejas e associações de moradores precisam ser parte ativa da educação ambiental. A crítica principal é que campanhas superficiais e ações de marketing não alteram a realidade. “Transparência não é propaganda. É participação. As pessoas precisam entender que o lixo que elas jogam volta para elas como enchente, mau cheiro, degradação do rio e isso afeta a cidade inteira”.
Sobre a Usina Termoelétrica a Biogás construída pela PGA em contrato com a Prefeitura de Ponta Grossa e apresentada durante anos como solução sustentável, Stefaniak considerou o projeto uma “aventura administrativa”. Ele afirma que o município investiu caro em uma tecnologia que exige coleta seletiva massiva e estudos de viabilidade sofisticados, inexistentes à época da implantação. Segundo Stefaniak, como consequência, a usina funcionou apenas alguns meses, não atingiu metade da capacidade prevista e se tornou um equipamento caro e subutilizado. “É viável? É, desde que haja planejamento, estudo e logística. Mas aqui faltou tudo isso. Não existe milagre. Uma usina desse tipo só funciona com coleta seletiva eficiente e com lixo orgânico separado. Estamos décadas atrasados nisso”, afirmou.
Stefaniak aponta que a revisão do Plano Municipal de Resíduos Sólidos é essencial, mas alerta que não adianta ter um plano se ele não for monitorado. Segundo ele, o município ainda falha em transformar estratégias em práticas contínuas. “A gente precisa de políticas permanentes, não de ações pontuais. Sem educação ambiental de verdade, a crise do lixo só vai aumentar”, disse.
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Por Julia Almeida e Pedro Moro, estudante do Curso de Jornalismo da UEPG, bolsistas da Agência de Jornalismo e integrantes do serviço de extensão Pauta Ambiental
Foto: Julia Almeida e Pedro Moro
