“Em Ponta Grossa, todo o processo de urbanização é danoso do ponto de vista climático”, avalia Gilson Cruz

“Em Ponta Grossa, todo o processo de urbanização é danoso do ponto de vista climático”, avalia Gilson Cruz

Prof. Gilson Cruz. Foto: Pedro Moro

O professor Gilson Campos Ferreira da Cruz, do Departamento  de Geociências da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que há 23 anos pesquisa sobre o clima, explica em entrevista exclusiva ao Pauta Ambiental  como o processo de urbanização impacta o clima. Segundo o pesquisador, “Ponta Grossa é uma cidade espalhada. Quanto mais você espalha a cidade, mais áreas você ocupa, mais você transforma essa paisagem. Mais você substitui áreas verdes por áreas construídas. Nessa substituição, a gente provoca a mudança do clima local. Então a gente cria um clima quando a gente constrói a cidade”. 

Doutor em Geografia Física, pela Universidade de São Paulo (USP), em 2009, com doutorado sanduíche na Universidade de Lisboa, Gilson Cruz integra o projeto Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação (NAPI) – Emergência Climática, que envolve as sete Universidades Estaduais do Paraná, IBGE, PUC-PR e UFPR, com recursos financeiros da Fundação Araucária.  

Gilson Cruz também é criador e coordenador da Estação Meteorológica e do Laboratório de Climatologia e Estudos Ambientais da UEPG. Na entrevista ao Pauta Ambiental, serviço de extensão em Jornalismo da UEPG, o professor falou sobre as mudanças e como elas desencadeiam desastres naturais. O pesquisador ainda explicou quais as mudanças e desastres propícios para a cidade de Ponta Grossa. Confira a primeira parte da entrevista. 

 

Quais ações podem ser tomadas para melhorar a situação climática, não só de Ponta Grossa, mas do Estado, do Brasil e do mundo? 

Eu sempre digo que a mudança climática pode ser global, mas ela começa no local. No momento que queimamos gasolina, óleo, combustíveis fósseis nos automóveis, nos ônibus, no meio de transporte, na indústria, nós individualmente e enquanto indústria, empresa de transporte, estamos contribuindo para o aquecimento global e para a mudança climática global.

Essa mudança climática começa no local. Quando a gente constrói as cidades, a gente remove vegetação. Muitas vezes a pessoa nem percebe. Ela já nasce dentro de uma cidade, às vezes grande. Então, ela não tem nem essa percepção de que um dia aquilo foi uma mata ou foi um campo. A cidade de hoje é resultado da substituição de um ambiente natural, com vegetação natural para um ambiente artificial produzido pelo homem.

Isso resultou em mudança climática. Por exemplo, quando Ponta Grossa foi construída ou à medida que ela vai crescendo, a gente abre um novo loteamento, derruba a mata, ocupa um espaço natural novamente, gera uma mudança climática naquele momento. Depois,  essa mudança climática fica estabelecida, consolidada. Ela não volta mais para as condições naturais. Lógico que depende do tamanho das cidades. Mas, de uma maneira geral, as áreas urbanas são responsáveis por diferentes aspectos das mudanças climáticas. Seja pela mudança no uso do solo, pela substituição das matas, pela queima dos combustíveis fósseis, pela produção de resíduos, que vai resultar nos lixões, em metano na atmosfera, que são gases do efeito estufa, e o dióxido de carbono, no caso dos combustíveis fósseis.

A emergência climática que estamos vivendo hoje não tem como a gente parar. O que vem acontecendo, que vai acontecer nesses próximos anos, isso não muda mais. Vamos ter que nos adaptar. Então, a gente precisa tornar as cidades mais resilientes, tornar as pessoas mais resilientes, mais preparadas para coisas como a enchente do Rio Grande do Sul, por exemplo, para a enchente daqui.

A gente precisa ter sistemas de alerta, fazer pesquisas, monitorar dados. É preciso disparar alertas para que as pessoas não sejam surpreendidas pelas águas, pelas cheias. Os ventos são mais complexos, mas é preciso estudar, medir, analisar os ventos, entender essa dinâmica dos ventos. O vento, quando ele entra na cidade, toma direções totalmente aleatórias, diferentes do que é o vento natural.

Então a gente precisa entender tudo isso para que a população sofra menos, tenha menos impacto. Precisamos pensar em construções mais inteligentes, construções sustentáveis, que a gente use menos energia. Quando a gente pensa em como posso reduzir o meu consumo de combustíveis fósseis, é reduzindo o consumo de energia, diminuindo toda essa cadeia do processo industrial, embalagens descartáveis, tudo isso. Precisamos, nos dias de hoje, nos adaptar. Para o futuro, precisa mudar a matriz energética, passar a utilizar combustíveis menos agressivos, ser possível evitar os combustíveis fósseis, porque a queima dos combustíveis fósseis é o grande responsável para o efeito estufa.

Então, precisa de ações, desde a escala local, desde o indivíduo. A gente precisa atuar em todas as linhas e na educação do povo como um todo. A gente vai conseguir mudar isso na esfera política, naqueles que tomam a decisão, atuando aqui, na base, porque um dia essas pessoas vão passar ou passaram pelo sistema da educação. Quando a gente consegue atingi-los, a gente consegue mudar essa história.

 

Uma das minhas perguntas era justamente isso. Como que a urbanização, o processo de urbanização, afeta o meio ambiente e a questão climática? E como o senhor avalia essa situação em Ponta Grossa? 

Tem muita coisa para se falar sobre essa relação da cidade com o ambiente, da cidade com o clima e as mudanças que a gente provoca. Uma cidade como Ponta Grossa, por exemplo, que tem características diferenciadas em relação a outras cidades do mesmo porte, e uma dessas características é o fato da cidade estar num alto. Temos vários arroios, vários rios que nascem a partir desse centro da cidade. E o que Ponta Grossa foi fazendo com esses arroios? Ela foi transformando esses arroios em esgoto, historicamente isso aconteceu.

Com o passar do tempo, isso melhorou. Essas condições mudaram até por toda a luta que a gente vem fazendo em função das questões ambientais. Desde a década de [19]70, [19] 80, que a gente vem discutindo e trabalhando para que deixasse de existir os lixões a céu aberto, para que deixasse de poluir os arroios, os rios. Quer dizer, essa luta lá de 40, 50 anos atrás surtiu um certo efeito. Ponta Grossa melhorou bastante, mas praticamente todos esses arroios que nascem no centro da cidade – são mais ou menos em torno de nove e, se a gente levar em consideração o centro expandido, seria algo em torno de uns 12 a 13 arroios – estão todos poluídos. Uns mais, outros menos, mas estão todos poluídos. 

No impacto ambiental, quando a gente olha para Ponta Grossa, o bairro de Uvaranas, onde está o campus da Universidade [UEPG], é um bairro que está todo voltado para abastecer o Rio Verde, que é um rio de um tamanho razoável. Os afluentes da esquerda do rio começaram a ser poluídos quando nasceu a cidade.

O arroio Pilão de Pedra, que é um dos arroios afluentes do Rio Verde, nasce embaixo da Praça Barão do Rio Branco. Quando a cidade nasceu, ela já nasceu comprometendo a bacia do Rio Verde. E a bacia do Rio Verde pega todo esse lado do bairro Uvaranas. 

Veja o quanto a gente vem comprometendo a bacia do Rio Verde. Isso para falar de uma das bacias hidrográficas extremamente atingida, poluída, contaminada pelo processo de urbanização. Esse processo de urbanização, que começou bem devagar no centro, se espalhou para o lado do Uvaranas e para todos os outros lados da cidade.

E os rios foram sendo cada vez mais contaminados. Essa é uma primeira forma de a gente olhar para essa questão de urbanização e do impacto ambiental. Mas se olharmos para a cidade e a questão do clima, cada vez todo o processo de urbanização é danoso do ponto de vista climático.

Ponta Grossa é uma cidade espalhada. Quanto mais você espalha a cidade, mais áreas você ocupa, mais você transforma essa paisagem. Mais você substitui áreas verdes por áreas construídas. Nessa substituição, a gente provoca a mudança do clima local. Então a gente cria um clima quando a gente constrói a cidade.

E Ponta Grossa não fez diferente. O processo de verticalização que vem acontecendo agora mais recentemente – e tem aumentado os prédios em Ponta Grossa – provoca uma série de outras consequências climáticas, mudando a direção do vento, a velocidade do vento, a temperatura no entorno dos prédios, aumentando áreas de sombra. Então, existem impactos no entorno desses edifícios e impactos destes edifícios, que se prolongam para áreas bem extensas da cidade.

Nem a urbanização, nem o processo de expansão horizontal é bom e nem o processo de expansão vertical é bom. Mas é necessário. Dependemos de tudo isso para viver.

Ninguém quer mais morar nos matos. É verdade. Todo mundo quer morar na cidade.

E quanto mais asfaltada, quanto mais pavimentada, melhor. Só que, do ponto de vista ambiental, é pior. 

 

Como as mudanças climáticas desencadeiam desastres naturais? Por exemplo, no Rio Grande do Sul, a gente viu as enchentes. Aqui a gente tem bastante episódios de ventanias que acabam destelhando casas etc. Poderia explicar qual é a característica de Ponta Grossa e como essas mudanças climáticas impactam e desencadeiam mais  desastres como esses?

Ponta Grossa é naturalmente Ponta Grossa pela proximidade que ela tem da Escarpa Devoniana. Quando a gente vai para a Itaiacoca, a gente está indo para a Escarpa Devoniana. Em torno de 15 quilômetros daqui. 

É uma região de ventos. A gente tem uma condição de localização em termos de altitude, de posição em relação à serra, à escarpa que é uma posição que favorece os ventos. Do ponto de vista natural, isso vai acontecer.

À medida que se tem a cidade nos pontos mais altos, como o centro, a avenida Carlos Cavalcanti, que vai para o Uvaranas, a avenida que vai para a Nova Rússia e a que vai para a Oficinas, são todas vias em pontos altos da cidade. Esses pontos altos da cidade, naturalmente, eles teriam uma dinâmica de aquecer durante o dia. Essas áreas mais altas têm uma tendência de ficarem mais aquecidas. Isso faz com que tenha ventos que vão soprar da periferia, do entorno da cidade para dentro da cidade.

Quanto mais vou intensificando isso, maiores vão ser os impactos e mais me aproximo de eventos extremos. Soma-se isso com as dinâmicas climáticas que nós temos aqui, de entradas de massas de ar fria, formação de frentes frias. Tudo isso vai potencializar eventos com ventos fortes, o destelhamento de construções e que não escolhe muito onde. Depende muito mais dos sistemas regionais, dos sistemas de macro escala para que a gente tenha, por exemplo, esses ventos atuando na Nova Rússia ou atuando em Oficinas, ou mais para o lado de Uvaranas. A gente sempre diz que a atmosfera, do ponto de vista climático, é um caos, ela é caótica.

Nesse sentido, quanto mais eu crio condições para alimentar esses sistemas locais, dou munição, eu crio uma condição para que eventos extremos, para desastres naturais, relacionados principalmente com o vento. Mas também tivemos episódios no passado de inundações no Arroio da Ronda, no Madureira, na Palmeirinha. A Palmeirinha ainda tem alguns eventos de cheias que atingem a população, mas no passado atingia muito mais. Com o passar do tempo, as administrações do município foram atuando para minimizar, resolver, retirar o pessoal das áreas de risco. Você consegue conviver com isso, se adaptar a essas condições e ir se preparando cada vez mais, porque a tendência, em termos de futuro, é que esses eventos vão se tornando cada vez mais fortes e mais frequentes. É o que a gente espera do ponto de vista das mudanças climáticas. E a gente dá a contribuição local. A gente vai aumentando esse processo de urbanização, asfaltando mais ruas, ampliando as áreas impermeáveis. Isso só acelera o escoamento superficial, altera os ventos e tudo mais.

 

Como o senhor observa o posicionamento do poder público, seja da Prefeitura local ou do Estado do Paraná, sobre a emergência climática? 

Existem questões dentro da área ambiental que estão muito atreladas às questões políticas. Política de município, política estadual e política nacional também. Às vezes a gente não percebe, mas às vezes deputados, vereadores alteram uma determinada lei e mudam toda a forma com que você vai lidar com a questão ambiental.

A gente vai encontrar hoje uma legislação muito mais frouxa do que foi no passado. A gente começa a ver algumas ações – pode ser discutível se são ações que têm um custo-benefício – que a gente sabe que vão resultar em impacto ambiental, que vão aumentar os impactos ambientais, mas que acabam, muitas vezes, sendo legais por alterações na lei, para que, dentro dessa nova lei, aqueles empreendimentos pudessem ser realizados. Existem coisas positivas que aconteceram ao longo desse tempo. Estou há uns bons anos, atuando na área ambiental e na área climática e não dá para a gente negar que mudanças ocorreram para o bem, inclusive.

Desde, por exemplo, a questão da varrição de rua no centro da cidade, que era uma coisa que não existia há 40 anos atrás. Isso foi se acrescentando a algumas ações, tornar a cidade um pouco mais limpa, diminuir a quantidade de lixo nas ruas, porque todo o lixo que a gente joga na rua, no centro, vai cair no Rio Verde. Toda poluição que acontece na cidade, em termos superficiais, ela acaba indo para um dos arroios ao entorno do centro.

Quando eu fiz o meu TCC de graduação [1987], a gente tinha um lixão a céu aberto. Depois desse lixão a céu aberto, virou um aterro controlado. Hoje não temos aterro. Continuamos produzindo lixo e muito mais hoje do que produzíamos no passado. Mas como encontrar uma outra forma de destino? Qual é o custo de tudo isso,  não só o custo financeiro, mas o custo ambiental? Na verdade, o caminho deveria ter sido, para a sociedade como um todo, reduzir a produção de resíduos. Esse deveria ser o aspecto principal, o ponto principal. Mas a gente não consegue reduzir os resíduos, muito pelo contrário.

Então, os municípios precisam encontrar uma forma de conviver com isso. Ponta Grossa, dentro da opção que fez, conseguiu resolver em partes isso.

A gente sempre foi contra a questão da queima do lixo. Mas nós temos agora uma empresa de biogás, que faz a queima do lixo. Por que a gente sempre foi contra? Porque você resolve um problema e cria outro. Você passa a poluir o ar com gases que nem todos eles têm controle. Por mais que diga que está dentro das normas, está dentro do que é permitido e tudo mais, existem coisas que acontecem no processo de queima que você muitas vezes não consegue controlar.

Tem o lado bom dessa história de queimar o lixo e tem o lado ruim também. Então, depende dos caminhos que isso vai seguir. Existe um outro lado em toda essa questão de resíduos.  Por exemplo, Ponta Grossa também avançou nesse sentido, que é a questão das associações de catadores. Quando eu fiz a primeira pesquisa sobre resíduos em Ponta Grossa, o pessoal catava no lixão. Tinha gente que morava no lixão, em cima do lixão.  E essa realidade foi mudando ao longo do tempo. Virou as primeiras cooperativas, depois viraram associações. Esse modelo das associações existe até hoje porque existem pessoas que dependem da catação para viver.

Pessoas que estão fora do mercado de trabalho, que não têm mais possibilidades de voltar para o mercado de trabalho e dependem da reciclagem. Uma das preocupações quando a gente discutia a questão da queima de resíduos era justamente isso.

Se você resolver queimar tudo que é produzido lixo, inclusive os recicláveis, que é possível, você elimina essa possibilidade de renda dessa parte da população que está excluída do mercado de trabalho. Então, existem questões sociais, ambientais que se entrelaçam em toda essa discussão. 

Eu sempre defendi que Ponta Grossa deveria pagar para os catadores. E isso é feito em alguns municípios até menores, com um orçamento bem menor que Ponta Grossa. A cidade de Ventania paga para os catadores.

Além do catador receber pela comercialização do resíduo, ele recebe um pagamento da prefeitura. Não é um salário, porque ele não é funcionário, mas é uma bolsa, um repasse, que estabiliza a pessoa. A pessoa tem uma renda, independente das oscilações que ocorrem no mercado da reciclagem. Ventania tem, Palmital, na região central do Estado, tem também.

Mas Ponta Grossa não tem. Até tem a lei. Numa discussão que fiz, numa oportunidade, acabei conseguindo fazer com que um vereador colocasse o projeto em votação.

Foi aprovado, sancionado, mas disseram que não tinha verba, não tinha de onde tirar a verba para fazer o pagamento. A lei existe, mas ela não é executada.

Os catadores desenvolvem um trabalho ambiental extremamente importante. A gente não consegue mensurar isso, mas o trabalho deles é muito importante, em qualquer parte da cidade, no centro, na periferia. Deveriam receber por isso, mas não recebem.

Confira a segunda parte no site do Pauta Ambiental

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Por Amanda Grzebielucka, estudante do 3º ano de Jornalismo da UEPG, sob a orientação da professora do Curso de Jornalismo da UEPG, Hebe Gonçalves, coordenadora do Serviço de Extensão Pauta Ambiental.

Foto: Pedro Moro

Esse conteúdo pode ser reproduzido, com devidos créditos da autoria/origem, na forma de incentivo ao projeto e estudantes.  

 

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