O trauma invisível dos animais vítimas de maus-tratos e abandono

Estresse contínuo enfraquece a imunidade e aumenta o risco de doenças.

Animais vítimas de abandono e maus-tratos têm maior probabilidade de desenvolver distúrbios psicológicos significativos, que podem ser temporários ou irreversíveis. Segundo o artigo Maus-tratos aos animais: expressão de sinais, carga alostática, consequências psiquiátricas e o direito à existência digna, da doutora em Zoologia Erika Zanoni, publicado na revista Conjecturas, entre os transtornos mais comuns estão ansiedade, depressão,  transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), distúrbios compulsivos e comportamentos agressivos. 

Cristina Goltz, tutora de três cachorros SRD, quais nomes são Tuti, Vini e Bob, sem raça definida, Bob, afirma que depois de adotados, passaram a expressar comportamentos de medo e agressividade. “Se algo cai no chão ou se pegamos o par de chinelos para andar pela casa, a Tuti e o Vini se escondem de medo. Se vamos varrer a casa ou passar pano, o Bob começa a atacar a vassoura e o rodo”, completa.

Tuti antes da adoção. Foto: Rafaela Conrado

A aposentada Célia Amaral adotou um cachorro idoso após ele passar a vida sendo vítima de maus-tratos. “Ele ficava sempre acorrentado em um canto e apanhava com um cabo de vassoura”, relata. Segundo ela, o cão pertencia à vizinha, que decidiu doá-lo por considerá-lo trabalhoso demais. “Quando ela disse que queria doar, na mesma hora pedi para ficar com ele”.

Tuti depois da adoção. Foto: Rafaela Conrado

Depois de resgatado, o cachorro, JJ, passou a demonstrar agressividade com a maioria das pessoas, exceto com a nova tutora. “Uma vez, minha neta estava varrendo a calçada e ele tentou atacá-la. Acho que foi por causa do cabo da vassoura”, conta Célia.

Segundo o Farm Animal Welfare Council, organização independente que dialoga diretamente com o governo do Reino Unido para promover o bem estar animal, existem cinco liberdades essenciais que determinam a qualidade de vida dos animais. Quando não são respeitadas, aumentam as chances de prejuízos à saúde física e mental. As cinco liberdades seriam acesso a água fresca de qualidade e a uma dieta adequada às condições fisiológicas dos animais, fornecimento de um ambiente apropriado, incluindo abrigo e área de descanso confortável, prevenção de doenças, com diagnóstico rápido e tratamento adequado, espaço e instalações adequadas, além de companhia de outros animais da mesma espécie, e condições e manejo que evitem sofrimento mental.

A senciência animal, ou seja, a capacidade de sentir dor e emoções, é reconhecida por documentos como a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada na sede da Unesco, em Bruxelas, em 27 de janeiro de 1978. Assinada por diversos países, inclusive o Brasil, a declaração afirma que o abandono é um ato cruel e degradante. O documento destaca que todo animal tem direito a não sofrer, estabelecendo um princípio geral de direito à saúde e bem-estar. Esse reconhecimento reforça a necessidade de políticas públicas que incentivem a guarda responsável e a prevenção de maus-tratos.

Como identificar transtornos psicológicos nos animais

Segundo o artigo da doutora Erika Zanoni, para prevenir os crimes contra os animais e desenvolver estratégias de tratamento para as doenças geradas por eles, é preciso conhecer quais os transtornos mentais mais comuns, sua etiologia e diagnóstico.

O transtorno depressivo maior, por exemplo, é uma condição debilitante caracterizada por episódios com duração mínima de duas semanas. Os sintomas incluem mudanças de humor, perda de interesse ou prazer, alterações cognitivas e sinais clínicos vegetativos. Esse tipo de transtorno é mais comum em animais submetidos a isolamento, negligência, ausência de comportamentos naturais, traumas precoces, abandono e luto.

A ansiedade, apesar de ser uma emoção natural, pode tornar-se patológica quando os fatores estressores são intensos e prolongados. Isso afeta negativamente a saúde mental e a qualidade de vida dos animais. Eventos imprevisíveis e incontroláveis, como mudanças no ambiente físico, alterações no grupo familiar ou múltiplas trocas de tutores, também podem contribuir para quadros de ansiedade e outros transtornos em animais emocionalmente vulneráveis.

Os primeiros relatos de TEPT em animais surgiram a partir da observação de cães que atuaram em guerras. Para o diagnóstico, o animal deve ter vivido um evento traumático que gerou medo intenso, horror ou impotência. Os sintomas são divididos em três grupos: reestimulação (reviver o trauma), evitação e hiperexcitação. Já o transtorno compulsivo se manifesta por meio de movimentos repetitivos em contextos de frustração, ameaça ou falta de estímulo. Também pode ocorrer em situações de dor, conflitos sociais ou excesso de submissão. 

A identificação precoce dos sinais e a busca por atendimento veterinário especializado são fundamentais para garantir o bem-estar dos animais e prevenir o agravamento dos quadros psicológicos.

Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata de traumas psicológicos em animais ocasionados por maus-tratos. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.

 

Ficha Técnica

Produção: Rafaela Conrado

Edição e publicação: Rafaela Tzaskos

Supervisão de produção: Hendryo Anderson André

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado

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