
Alunos que terminaram o ensino médio em 2024 passaram os três anos de formação com poucas aulas de Filosofia, Sociologia e Artes
“Tenho poucas aulas das disciplinas básicas, e vários conteúdos que preciso aprender por conta própria para conseguir passar no vestibular”, diz Gustavo Gebeluka, estudante do 3º ano do ensino médio do Colégio Sesi da Indústria.
O novo ensino médio, foi uma reformulação na formação básica dos estudantes. A reforma foi anunciada em 2017 e implementada nas escolas brasileiras em 2022. As principais mudanças foram o aumento da carga horária mínima de 800 para 1000 horas anuais, a formação técnica e a inclusão dos itinerários formativos, nos quais o estudante pode escolher as matérias que prefere cursar.
Principais mudanças
A reforma do ensino médio foi implementada a partir da lei 13.415, de 2017, que regulamentou as mudanças. No novo modelo, apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática eram obrigatórias durante os três anos de ensino. As demais eram escolhidas de acordo com os itinerários formativos.
As opções de itinerários formativos eram Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, e Formação Técnica e Profissional.
Nesse modelo, apenas 60% da carga horária dos três anos era destinada ao ensino da Formação Geral Básica (FGB) dos estudantes (Língua Portuguesa, Literatura, Inglês, Educação Física, Artes, Matemática, Biologia, Física, Química, História, Geografia, Filosofia, Sociologia).
Assim, 1,2 mil horas da carga horária total eram destinadas para as disciplinas dos itinerários formativos, que variavam de acordo com as escolas, como por exemplo matérias como Pensamento Computacional, Empreendedorismo, Projeto de Vida, entre outras.

Crédito: Gabriele Proença
Visão utilitarista do ensino preocupa especialistas
O professor da Universidade Fronteira Sul e doutor em Educação, Regis Clemente, ressalta que a mudança foi feita de forma autoritária, através de uma lei provisória de 2017. “Quando se toma essa decisão por meio de medida provisória, ele fere um princípio básico, que seria fazer uma consulta, fazer audiências para ver o que mudar, como mudar”, explica.
Segundo ele, o que fundamentou a reforma do ensino médio foi uma visão empresarial. Por isso, o ensino de disciplinas utilitaristas foi priorizado. “Disciplinas de humanas são tratadas como conhecimentos secundários, às vezes desnecessários, por uma sociedade que preza por conhecimentos utilitaristas”, avalia.
Clemente também comenta que matérias como Filosofia e Sociologia geram uma capacidade de formação do pensamento e de compreensão da realidade. “Por que eles vão querer que esses jovens estudem Filosofia, Sociologia e Artes, se a finalidade é formar os jovens como mão de obra para o mercado”, questiona.

Crédito: Gabriele Proença
Secretaria de Educação do Paraná defende proposta como avanço
Para Amanda Edimundo, assessora da Coordenadoria do Departamento de Desenvolvimento Curricular da Secretaria de Educação do Paraná, o novo ensino médio trouxe uma organização curricular mais flexível e voltada para a formação integral dos estudantes. “A ampliação da carga horária e a introdução dos itinerários formativos possibilitam uma abordagem mais contextualizada, promovendo maior engajamento e conexão com o mundo do trabalho, a ciência e a sociedade”, aponta. Segundo ela, as mudanças visam atender melhor às demandas contemporâneas da educação.
Reforma ambiciosa, estrutura precária
João Paulo Camargo é mestre em Educação e professor de Geografia no Colégio Estadual Meneleu de Almeida, em Ponta Grossa. Ele destaca que o maior problema da educação no estado é a estrutura física e pedagógica ofertada pelos gestores públicos para a implementação do modelo, seja ele qual for. “É óbvio que o modelo adequado às demandas contemporâneas é importante, mas se não tiver as condições estruturais necessárias e adequadas, os modelos não se efetivam com os resultados esperados, que é a melhoria do conhecimento científico e técnico”, ressalta.
O professor ainda salienta que as salas de aulas seguem modelos antigos, com as carteiras enfileiradas, número grande de alunos, sem climatização e defasadas tecnologicamente.

Estudantes estão preocupados por não aprenderem todos os conteúdos dos vestibulares. Foto: Gabriele Proença
“Formar ou treinar? Os caminhos do novo ensino médio”
Esta matéria é o primeiro capítulo de uma série de reportagens sobre a reforma do novo ensino médio em 2022. Nas próximas reportagens, investigaremos as diferenças entre o ensino médio antigo, a visão dos estudantes e a análise dos especialistas sobre esse novo modelo de ensino.
Ficha técnica
Produção: Gabriele Proença
Edição e publicação: Amanda Grzebielucka, Maria Cecília Mascarenhas e Eduarda Gomes
Supervisão e produção: Hendryo Anderson André
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado