
Alunos de escolas públicas têm menos itinerários formativos do que de escolas privadas. Foto: Gabriele Proença
“Os alunos que optavam por exatas cursaram a matéria Desenvolvimento Sustentável na minha antiga escola”, conta Bruna Favaro, ex-estudante do Colégio Sant’ana. “Essa matéria, sem dúvidas é importante porém não ajuda no desempenho do vestibular”. Era 2022, ano em que a reforma do ensino médio começava a se espalhar pelas escolas públicas do Brasil. A promessa era ousada: oferecer aos jovens mais liberdade de escolha e prepará-los para os desafios do século XXI. Na prática, no entanto, a distância entre o discurso e a realidade cresceu com rapidez.
A implementação do modelo de ensino médio nas escolas públicas contou com a adição de novas matérias, chamadas de itinerários formativos. Em escolas públicas de Ponta Grossa os itinerários são Projeto de vida, Pensamento computacional, Educação financeira, Empreendedorismo, entre outras.
O tempo destinado ao ensino das matérias da Formação Geral Básica (FGB) durante o ensino médio, como português, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza (biologia, física, química) e ciências humanas (filosofia, geografia, história, sociologia), passou de 800 para 600 horas anuais. Confira as principais mudanças da reforma do ensino médio no primeiro capítulo dessa série de reportagens aqui.
Segundo Bruna Favaro, disciplinas decisivas para os exames de ingresso nas universidades perderam espaço. “Algumas matérias tiveram a carga horária muito reduzida para abrir espaço para os itinerários. E o conteúdo dessas novas aulas, muitas vezes, não acrescenta em nada para os vestibulares.”
Bruna também recorda a disciplina “Projeto de Vida”. Apesar da intenção de estimular o autoconhecimento e o planejamento de futuro, os alunos não davam muita importância para a matéria. “As aulas muitas vezes eram somente um descanso no meio da grade horária exaustiva”, diz.

Matérias de Formação Geral Básica (FGB) diminuíram 25% sua carga horária anual. Foto: Gabriele Proença
Nas escolas privadas é comum encontrar maior variedade de itinerários formativos nas áreas de linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e matemática, além de formações voltadas para o mercado de trabalho e uso de tecnologias. Já nas escolas públicas, oferecem apenas um ou dois itinerários, frequentemente limitados à área de linguagens ou humanas, por falta de professores especializados, estrutura e recursos financeiros. Isso acaba aprofundando a desigualdade de oportunidades entre os dois sistemas.
Os professores que ensinam os itinerários formativos, principalmente nas escolas públicas, muitas vezes não recebem preparo para isso, ou são professores de outras disciplinas. Segundo o professor de filosofia e de projeto de vida do colégio Estadual Meneleu de Almeida Torres, John Endrew Gomes, a diminuição da carga horária é uma falta de respeito com os profissionais dessas áreas: “Você muda a carga horária de disciplinas que estão consolidadas há anos e afeta diretamente a fonte de renda desses professores dessas disciplinas”.
Ele ainda avalia que o novo modelo parte do pressuposto de que é preciso modernizar a escola e tornar o currículo mais atraente para os estudantes, mas que não leva em consideração problemas estruturais que o colégio já enfrenta. “A falta de investimento, de estrutura, de concurso e valorização dos professores e os problemas que a escola enfrenta para evitar a evasão escolar”, são algumas das dificuldades que os colégios têm, aponta John.
O último concurso público para contratação de novos professores e pedagogos no Paraná aconteceu em 2023. De acordo com o portal Secretaria da Educação (Seed) em Números, de 65.391 pedagogos e professores contabilizados em maio de 2023, 42% foram admitidos através de Processo Seletivo Simplificado (PSS). A contratação via PSS é feita por meio de contratos temporários e não assegura direitos que promovem a valorização e incentivo ao docente.
De acordo com o catálogo de escolas do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) existem 54 escolas com oferta de ensino médio na cidade de Ponta Grossa. Destas, 35 são públicas (entre estadual, federal e municipal) e 19 são instituições privadas.
Enquanto muitas instituições privadas conseguiram adaptar rapidamente a estrutura, oferecendo muitos itinerários, professores especializados e infraestrutura adequada, a maioria das escolas públicas enfrentou dificuldades para garantir o mínimo previsto pela reforma. Problemas como falta de recursos, ausência de formação adequada para os docentes e limitações físicas impedem que os alunos da rede pública tenham acesso ao mesmo nível de diversidade e qualidade de ensino oferecido na rede privada.
O pedagogo do Colégio Estadual Regente Feijó, Cassio Ajus da Silveira, explica que, por exemplo, para dar aulas da matéria de projeto de vida não é exigida uma formação específica, o profissional formado em qualquer licenciatura pode ensinar. “Muitos professores que acabaram perdendo aulas que estavam no seu contrato tiveram que migrar para essas outras disciplinas, como a de projeto de vida”, para o pedagogo, essa é uma grande questão da maneira como a reforma do ensino médio de 2022 foi conduzida. “Alguns deram certo, outros não, algumas matérias ficaram apenas para completar a carga horária do professor”. De acordo com Cassio, essa é uma deficiência do novo ensino médio.
“Formar ou treinar? Os caminhos do novo ensino médio”
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata sobre a desigualdade na implementação do novo ensino médio. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha Técnica
Produção: Gabriele Proença
Edição e publicação: Giovana Guarneri, Juliane Goltz, Mariana Krankel, Rafaela Tzaskos e Eduarda Gomes
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado