
População idosa no Brasil é o principal alvo de estelionatários virtuais.
O Brasil está entre os países com maior número de ataques digitais no mundo, e os idosos são um dos principais alvos dos golpistas. Isso acontece porque eles são os mais vulneráveis, principalmente devido à desigualdade na alfabetização digital que ainda existe no país.
A aposentada, Pastorina Batista Ribeiro Taques, de 75 anos, sofreu um golpe financeiro no dia 12 de julho de 2023, após receber uma mensagem informando sobre um suposto empréstimo que para obter mais informações precisaria ligar para o número de contato disponível na mensagem. Em ligação um golpista que se identificava como gerente do banco Itaú chamado Ricardo, falou que havia diversas movimentações na conta bancária da aposentada, incluindo um empréstimo de 70 mil reais. Assustada, Pastorina confirmou que não reconhecia as operações e acabou acreditando estar resolvendo o problema, seguiu as orientações do falso gerente por cerca de duas horas. Nesse tempo, Pastorina executou algumas transferências e um empréstimo de 70 mil reais em seu nome. “Eu estava tão crente naquela voz e que o problema bancário era real”, relata.
Após a assistência de suas netas, Pastorina desligou a ligação e, em seguida, procurou a agência do Itaú em Telêmaco Borba, onde foi orientada a não atender mais nenhuma ligação dos golpistas. “Durante aquela tarde, noite e madrugada o golpista continuava a enviar mensagens e tentava entrar em contato”, conta a aposentada. No dia seguinte, acompanhada por uma de suas netas, registrou um Boletim de Ocorrência e então levou o documento até a agência bancária. Após relatar todo o ocorrido, o banco ressarciu o valor perdido.
“Eu não tive prejuízo financeiro, mas confesso que fiquei muito abalada e envergonhada. Não tinha mais coragem de sair de casa para enfrentar as pessoas”, desabafa Pastorina. Ela conta que sofreu muitos julgamentos, especialmente por ter trabalhado por 20 anos na área bancária. “Sou uma mulher estudada, mas também sou humana, passível de erro. Mesmo assim, foi muito difícil lidar com tudo isso. Sofri muito com o ocorrido… e ainda sofro”, relata.
Pastorina também compartilha a lição que aprendeu com toda essa experiência, que atualmente é muito mais cuidadosa no mundo digital. “Tudo isso foi um alerta para mim. Hoje, não atendo ligações nem respondo mensagens de desconhecidos, e nunca clico em nada sem saber exatamente do que se trata”, explica.
O caso de Pastorina é mais comum do que se imagina. O Brasil está entre os países com maior número de ataques digitais no mundo, e os idosos são um dos principais alvos dos golpistas. Isso acontece porque esse grupo é também um dos mais vulneráveis, principalmente devido à desigualdade na alfabetização digital que ainda existe no país.
Isabelle Salomão, de 34 anos, é gerente de estratégia e risco e de cibersegurança e explica como essa desigualdade educacional reflete em disparidades econômicas, regionais, sociais e até geracionais. Muitos usuários não têm conhecimento sobre práticas seguras no ambiente digital. “Muitas pessoas não sabem diferenciar uma comunicação legítima de uma tentativa de golpe, como o phishing”, explica Isabelle.
Segundo Isabelle, a sociedade está se digitalizando num ritmo acelerado, mas grande parte da população ainda não tem acesso à educação e ao preparo técnico necessário para usar esse ambiente de forma segura, ética e consciente. O Brasil é um país que se digitalizou mais rápido do que a educação digital conseguiu acompanhar. As escolas geralmente focam no uso técnico das tecnologias — como acessar plataformas, usar apps e navegar na internet —, mas acabam deixando de lado discussões mais profundas sobre o que acontece com os dados: como eles são coletados, usados, compartilhados ou até vendidos. “Com isso, gerações crescem sabendo mexer nos meios digitais, mas sem entender os riscos envolvidos ou os próprios direitos como donos dessas informações.”.
O Brasil tem algumas iniciativas de segurança digital, como campanhas da SaferNet, Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e outros órgãos, mas elas são mais reativas do que preventivas. O que gera a falta uma abordagem mais contínua e integrada para educar de forma eficaz a população.
Isabelle ainda ressalta, que para pessoas físicas no Brasil, proteger os dados começa com boas práticas de segurança digital: usar senhas fortes com autenticação em dois fatores, evitar clicar em links suspeitos, manter sistemas atualizados e ajustar as configurações de privacidade. Também é essencial entender como funcionam golpes e fraudes. Caso os dados sejam comprometidos, é preciso agir rápido: trocar senhas, avisar bancos, registrar boletim de ocorrência e, se necessário, acionar órgãos como a ANPD. “E ainda mais do que reagir, é importante aprender com o incidente.”
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo é sobre educação digital. Leia o capítulo anterior aqui Cibersegurança: Brasil sofre cerca de 3 mil ataques por semana em 2024. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Produção: Rafaela Tzaskos
Edição e publicação: Giovana Guarneri e Rafaela Conrado
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão de publicação: Aline Rosso