
Demora cerca de 4 a 10 anos para mulheres serem diagnosticadas após o início dos sintomas
Ser mulher com endometriose é enfrentar uma dor persistente, muitas vezes invisível e incompreendida, e ainda assim se manter firme. A fase mais difícil dessa jornada é o diagnóstico, marcado por incertezas, exames invasivos e a frustração de tentar explicar uma dor profunda que, na maioria das vezes, é minimizada ou desacreditada.
Marilia Rodrigues, maquiadora de 33 anos, convive com a endometriose desde os 24. Já são nove anos enfrentando dores constantes, passando por diversos exames e tratamentos em busca de um diagnóstico definitivo. Entre os procedimentos realizados estão o ultrassom transvaginal com preparo intestinal, a ressonância magnética da pelve e a histerossalpingografia. Marilia relata que, apesar da invasividade de cada exame e da dor, acabou se acostumando com eles , o que reflete a rotina desgastante que as mulheres com endometriose enfrentam para receber o diagnóstico.
A professora Thaiury Cristina de Campos, de 25 anos, foi diagnosticada com endometriose em julho do ano passado, mas acredita conviver com a doença desde os 18, quando os primeiros sintomas começaram a surgir. Em 2021, realizou o mapeamento da endometriose por meio de um ultrassom transvaginal, mas nenhum foco da doença foi identificado. Na época, a médica que a acompanhava descartou a possibilidade de endometriose, o que adiou o diagnóstico. Apenas anos depois, com a persistência dos sintomas e uma nova abordagem, Thaiury realizou uma ressonância magnética da pelve, ou seja, um exame mais detalhado, o qual confirmou a presença da doença.
Exames não invasivos
O diagnóstico da endometriose pode ser feito por meio de exames físicos (por meio de consultas) e complementares (exames de imagem). Os exames complementares são considerados os mais invasivos.
Entre os exames não invasivos, o mais comum é a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal. É um exame de menor custo, bastante utilizado, que pode identificar cistos nos ovários (chamados endometriomas), aderências pélvicas e casos de endometriose profunda. No entanto, ele nem sempre consegue detectar todas as lesões, especialmente as mais pequenas ou em regiões específicas. Também considerado não invasivo mas importante, é a ressonância magnética da pelve. Apesar de ser mais caro, oferece imagens detalhadas e tem maior sensibilidade na detecção de endometriose profunda e endometriomas.

Exame transvaginal, utilizado para detectar a endometriose
Exames invasivos
Segundo Associação Brasileira de Endometriose, exames são classificados como invasivos quando envolvem instrumentos, cirurgias ou injeção de líquidos, e minimamente invasivos quando causam algum desconforto, mas não exigem cortes ou anestesia. Alguns exames incluem:
- Ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal: Usado para detectar cistos nos ovários e focos de endometriose. Pode causar desconforto e nem sempre encontra todas as lesões.
- Histerossalpingografia: Exame invasivo, introduz contraste no útero para verificar obstruções nas trompas. Usado em casos de infertilidade, pode mostrar sinais indiretos de endometriose e causar dor.
- Laparoscopia: Procedimento cirúrgico com pequenas incisões, usado para ver e tratar diretamente a endometriose. Tem recuperação mais rápida que cirurgias tradicionais.
- Laparotomia: Cirurgia mais invasiva, com um corte maior no abdômen, indicada em casos específicos. A recuperação é mais lenta e exige mais tempo de internação.
Relatos Marilia Rodrigues
Marília compartilha que, no início, sentia desconforto, ela percebeu uma diferença no atendimento de alguns profissionais. Enquanto muitos explicam detalhadamente o processo de cada exame, houve uma vez em que ela sentiu desconforto. “O médico estava em silêncio, não me explicava nada e mexia a ponteira do ultrassom de forma brusca”, conta.
A maquiadora afirma que realiza todos os tratamentos e exames recomendados, mas destaca que, em nenhum momento, foi cogitada a possibilidade de cirurgia que não foi devidamente explicada. Além da endometriose, ela também enfrenta a dificuldade de engravidar, o que torna ainda mais desafiador o desejo de ser mãe. “É uma doença complicada, que limita muito a nossa vida”, relata. Ela destaca que o acompanhamento psicológico foi essencial para lidar com o impacto da condição. “Só consegui enfrentar tudo isso depois que comecei a fazer terapia.”
Marília precisou passar por cirurgias para retirar um cisto no ovário provocado pela endometriose. O último exame indicou que a doença evoluiu para um estágio mais avançado. Para as mulheres que estão passando pela fase do diagnóstico, Marilia deixou um recado. “É importante entender cada processo dos exames, mas mantenha a cabeça no lugar e não desespere, não acredite em tudo o que falam, mas sim no profissional que está acompanhando”, conclui.
Relato Thaiury Cristina
Thaiury Cristina afirma que não considerou o exame de ultrassonografia transvaginal invasivo, mas que as pacientes não são preparadas para estes exames. “Nem mesmo o ginecologista me preparou, ele apenas me encaminhou para a clínica, onde recebi um papel extenso explicando os processos e preparos, mas como era minha primeira vez eu acabei não entendendo”. Já em relação à ressonância magnética, ela relata ter se sentido desconfortável, tanto pelo preparo prévio quanto por precisar passar por vários profissionais até obter o resultado final.
Ao receber o diagnóstico, sentiu um alívio por finalmente entender o que estava acontecendo e poder iniciar o tratamento. “Foi um misto de incertezas e dúvidas, principalmente porque sonho em ser mãe no futuro, mas também pela minha saúde”. No caso dela, a cirurgia não é uma opção, já que a endometriose está aderida às trompas, uma região mais delicada e de difícil intervenção.
A professora gostaria que os profissionais que a atenderam tivessem ido além, pois, em todas as consultas, ela ouviu apenas que os sintomas não eram normais, mas em nenhum momento foi sugerido um exame mais aprofundado. As soluções propostas foram apenas mudar o anticoncepcional e tomar remédios para a dor. “Talvez se eles tivessem esta posição de investigar melhor e dar mais atenção para a paciente, adiantaria o diagnóstico e o tratamento”, reflete.
Um estudo recente, publicado na revista científica Human Reproduction mostrou que um novo exame de sangue pode ajudar a detectar a endometriose de forma eficaz. A pesquisa analisou 805 mulheres, divididas entre aquelas com diagnóstico confirmado e outras com sintomas parecidos, mas sem a doença. O teste teve 99,7% de precisão nos casos mais graves e mais de 85% de eficácia nos estágios iniciais. Com isso, surge como uma alternativa menos invasiva aos métodos tradicionais.
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo a respeito da endometriose. O segundo capítulo conta a história de duas mulheres que possuem a doença. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha Técnica:
Produção: Yasmin Taques
Edição e publicação: Gabriela Denkwiski e João Fogaça
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado