Crédito: Maria Gallinea
A zoofilia é caracterizada pela atração ou prática sexual do ser humano com animais. Considerada crime no Brasil, a zoofilia suscita debates sobre limites éticos, patologias comportamentais e a necessidade de leis mais eficazes na proteção dos direitos dos animais.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, a zoofilia está classificada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), referência internacional na área, como uma parafilia, mas não necessariamente um transtorno, a menos que cause sofrimento clínico significativo ao indivíduo ou prejuízo social, ocupacional e ou outras áreas importantes da vida. Entretanto, independentemente de como é classificada do ponto de vista clínico, a prática é um crime em diversos países. Além disso, é considerada uma violação dos direitos dos animais e um ato de crueldade.
A psicanalista Henri Luci explica que o isolamento social, histórico de trauma ou negligência na infância, fantasias de dominação ou controle e a presença de outros transtornos mentais são fatores associados ao desenvolvimento da parafilia. A psicanalista destaca que existem três níveis de consciência do transtorno. “A baixa consciência, quando a pessoa não vê problema e racionaliza o comportamento. A consciência parcial, que a pessoa consegue reconhecer que é algo errado, porém não consegue resistir aos impulsos e raramente procura ajuda. Por fim, a alta consciência, em que o indivíduo sabe que é inadequado, sofre com culpa, vergonha, medo e pode até buscar ajuda, mas quase nunca acontece”, finaliza.
Casos
Nos últimos anos, o Brasil se deparou com casos que repercutiram. Em 2022, por exemplo, um homem foi preso em flagrante no interior de São Paulo após ser denunciado por vizinhos que testemunharam o abuso de uma égua, segundo relatório da Polícia Civil do Estado de São Paulo. O animal ferido foi resgatado por uma ONG de proteção animal. O acusado respondeu por maus-tratos, mas o episódio reacendeu o debate sobre penas mais duras e fiscalização. Outro caso que ganhou repercussão foi o de um grupo que promovia encontros com práticas zoófilas e divulgava os vídeos em redes sociais e fóruns da internet. A Polícia Civil de Minas Gerais desmantelou o grupo após meses de investigação. A operação, batizada de Arca de Noé, revelou a existência de uma rede nacional de exploração sexual de animais.
Crueldade histórica
A prática da zoofilia remonta à Antiguidade. Há registros arqueológicos e históricos que apontam representações artísticas de relações sexuais entre seres humanos e animais em civilizações como a grega, a egípcia e a mesopotâmica. Na mitologia grega, por exemplo, o deus Zeus assumia formas de animais para seduzir humanos. Apesar de tais registros históricos, é importante destacar que, na maior parte das culturas, essas práticas sempre estiveram à margem, vistas como tabu, pecado ou crime. No mundo ocidental, durante a Idade Média, a zoofilia era tratada como heresia e pecado capital, sob pena de punições severas tanto para humanos quanto para os animais envolvidos.
No Brasil, a zoofilia é considerada crime de maus-tratos contra animais, conforme previsto na Lei de Crimes Ambientais (lei nº 9.605/98), com pena de três meses a um ano ou multa. Alterada pela lei nº 14.064/2020, ela endurece a pena para quem praticar abuso, maus-tratos ou violência contra cães e gatos, estabelecendo reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda. Embora a legislação seja mais severa para cães e gatos, a proteção contra a zoofilia se estende a todos os animais, silvestres ou domésticos. Além disso, diversos estados brasileiros possuem legislações complementares que proíbem e penalizam a zoofilia especificamente. O debate jurídico, contudo, continua. Alguns especialistas defendem que deveria haver uma tipificação penal específica para a zoofilia, assim como já existe para o estupro de vulneráveis, por exemplo. Isso porque, no caso dos animais, é evidente a ausência de consentimento, configurando violência e abuso.
Os efeitos da zoofilia sobre os animais são devastadores. Além dos traumas físicos, como ferimentos internos, lacerações e infecções, os animais também podem desenvolver traumas psicológicos e comportamentos agressivos ou apáticos. Para os humanos, além das questões legais e éticas, existem riscos sanitários. A prática pode resultar na transmissão de zoonoses, doenças infecciosas que passam dos animais para os seres humanos, como a brucelose, leptospirose e até a raiva. Essas doenças podem ter consequências graves e, em alguns casos, fatais.
O papel das redes sociais e da internet
A internet tem sido usada na divulgação e organização de práticas zoofílicas. Fóruns, grupos fechados e sites hospedam conteúdos ilegais de pornografia zoofílica, que alimentam uma rede mundial de exploração e abuso de animais. Apesar de plataformas possuírem políticas contra esse tipo de conteúdo, o combate é difícil, dada a rapidez com que o material é compartilhado e a dificuldade de rastreamento de seus produtores e consumidores.
Movimentos de proteção animal têm atuado ativamente para denunciar e combater a zoofilia. Entidades como a World Animal Protection e a PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) defendem o reconhecimento universal dos direitos dos animais, incluindo a proteção contra exploração sexual. No Brasil, a Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público têm atuado para garantir a aplicação da lei e a responsabilização dos agressores. Testemunho ou suspeitas de casos de zoofilia podem ser denunciados ao Disque Denúncia (181) ou à Guarda Municipal (153).
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata do crime da zoofilia. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Produção: Rafaela Conrado
Edição e publicação: Fernanda Matos e João Bobato
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão e publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado
