O modelo aumenta a carga horária das disciplinas tradicionais, mas especialistas apontam incertezas na aplicação. Foto: Gabriele Proença
No começo do próximo ano letivo, milhões de estudantes brasileiros vão abrir seus cadernos diante de um currículo refeito, mais uma vez. A reformulação do ensino médio de 2025 é uma proposta cheia de expectativas, discursos oficiais e também dúvidas. Um novo capítulo de uma longa novela da educação brasileira.
Quem atravessar os portões das escolas públicas verá mudanças discretas no quadro de horários: aulas das disciplinas tradicionais, como português, matemática, história, filosofia, e química. Elas estarão mais presentes no dia a dia escolar. Em 2017, a formação geral básica (FGB)que havia diminuído as disciplinas para 1,8 mil horas durante os três anos, agora volta a ocupar espaço: são 2,4 mil horas obrigatórias, quase 80% da jornada. Ainda assim, restam 600 horas para que os jovens escolham suas matérias com os chamados itinerários formativos.A cena parece simples. Mas, na prática, é como se o estudante fosse colocado diante de um cardápio de possibilidades, tendo de escolher entre aprofundar-se em áreas do conhecimento ou em cursos técnicos.
Estela Viante sabe bem o peso que uma reforma pode ter na vida de um estudante. Quando começou o ensino médio no Colégio Cívico-Militar São Judas Tadeu, em Palmeira, no interior do Paraná, estava animada com as possibilidades, que prometiam ajudar no futuro. No primeiro ano, começou a cursar o ensino médio com o técnico em Desenvolvimento de Sistemas. Mas logo percebeu que as aulas pouco dialogavam com o que precisava para passar no vestibular, algo muito importante para ela, então, escolheu mudar para o ensino médio regular.
No segundo ano, a escola ofereceu duas opções de itinerário formativo, que estavam dentro da formulação do novo ensino médio de 2022: humanas ou exatas. Como só havia uma turma, a escolha, que deveria ser de cada estudante, foi feita em votação coletiva. A sala de Estela escolheu o itinerário de humanas, e as matérias tradicionais começaram a sumir do quadro de horários. Química, física e matemática cediam espaço a disciplinas experimentais. “No segundo ano tivemos mais itinerários e menos as básicas, consequentemente no terceiro também, justo quando mais precisávamos delas para o Enem e outros vestibulares”, explica.
Quando chegou a hora de fazer as provas do vestibular, a frustração se confirmou. “Se você não estudasse em casa, sozinho, não iria bem. O vestibular cobra todos os conteúdos e a gente não teve durante os três anos. Com muito estudo, Estela Viante passou no vestibular e atualmente cursa Engenharia de Alimentos na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), e ainda sofre as consequências de um ensino médio que deixou muitos espaços em branco na sua formação. “Muitas matérias básicas que os professores dizem na faculdade que aprendemos no ensino médio… eu nunca tive. Para alguns colegas é só revisão. Para mim, é começar do zero”, desabafa Estela.
As cicatrizes da reforma de 2017
O desenho de 2025 nasce das críticas ao modelo implantado em 2017, quando a carga horária para matérias, principalmente de humanas, como filosofia, sociologia, artes e outras, foi diminuída. À época, o discurso oficial falava em modernização, flexibilidade e aproximação com o mercado de trabalho. O que se viu foi uma onda de protestos: estudantes reclamaram da redução de disciplinas tradicionais, professores denunciaram a falta de estrutura e muitos pais se sentiram perdidos. Em 2023, escolas foram ocupadas em Curitiba (PR), São Paulo (SP), Brasília (DF) e outros municípios brasileiros, com cartazes que pediam a “revogação do novo ensino médio”.

Estudantes se preparam para o vestibular no cursinho popular da UEPG. Foto: Gabriele Proença
O professor da Universidade Fronteira Sul e doutor em Educação, Regis Clemente, explica que a mudança foi feita de forma muito autoritária, e alterou o ensino médio por meio de uma lei provisória. “Quando o governo toma essa decisão em medida provisória, ele fere um princípio básico, que seria fazer uma consulta, fazer audiências para saber como e o que mudar”, afirma. O especialista também ressalta que na primeira versão de 2017 o projeto de lei que o implementou excluía as disciplinas de filosofia, sociologia, artes, educação física e espanhol. Depois, essas matérias não foram excluídas, mas deixaram de ser obrigatórias nos três anos do ensino médio.
A reforma sancionada em 2024 tenta costurar esse descontentamento. Volta-se a valorizar as disciplinas clássicas, a filosofia e a sociologia voltam a ter a carga horária que tinha antes da reforma de 2017, implementada em 2022.
A secretária geral do Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), Andrea Rosane de Souza, afirma que ainda não há informações de como será a matriz curricular ofertada. “De acordo com o projeto, houve o retorno da carga horária para área de humanas”, explica Andrea. Ela também conta que a Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (Seed/PR) fez reuniões em junho deste ano para apresentar o tema. Segundo Andrea, a Seed também fez uma consulta pública “muito vaga” sobre como serão as mudanças. O Conselho Estadual de Educação (CNE) está trabalhando com as Diretrizes e Proposta Curricular até setembro/outubro de 2025.
Entre promessas e desafios
Para o futuro, permanecem as questões práticas: haverá professores formados em quantidade suficiente para atender às exigências da nova lei? Como garantir que escolas em municípios pequenos consigam oferecer mais de uma opção de itinerário? E, talvez a maior interrogação: esse novo formato vai, de fato, preparar os jovens para o Enem, para a universidade, para o mercado de trabalho e para a vida em sociedade?
O Novo Ensino Médio de 2025 chega como promessa de correção de rumos. Mais carga horária, mais disciplinas obrigatórias, menos improviso. Mas também chega como convite à paciência: só em 2027, quando a primeira turma completar o ciclo, será possível avaliar os resultados. Até lá, histórias como a de Estela permanecem como alerta: sem uma escola capaz de sustentar sonhos, o futuro segue sendo uma promessa adiada.
Ficha técnica
Produção: Gabriele Proença
Edição e publicação: Amanda Stafin e Julia Almeida.
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão e publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado
