No ano de 1998, às vésperas do fim do milênio, a jovem Letícia de Souza Torres, despediu-se de Maringá para cursar Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). No início, ela não imaginava que essa escolha mudaria a sua trajetória de vida. “Entrei no curso apenas para ‘dar um tempo’, para tentar passar no curso de Medicina. Eu gostava de ler e escrever e imaginei que o jornalismo seria uma forma de esperar até decidir o que eu queria de verdade”, recorda Letícia. Os primeiros meses do curso foram cruciais para que a paixão pela profissão aflorasse.
Na UEPG, Letícia descobriu que aprender não se resumia apenas aos conhecimentos obtidos em sala de aula. Era também experimentar, ousar e criar jornalismo do zero. Foi assim que, junto com os amigos de turma, nasceu o Vitral, um jornal impresso feito com patrocínios conquistados de porta em porta, com textos autorais e um design livre. “No Vitral, tínhamos total liberdade. Podíamos escrever e editar sem depender da aprovação dos professores. Era um espaço nosso, de testes e de descobertas”, relata. O jornal circulava gratuitamente na universidade e abordava temas relevantes para os estudantes. Logo, o exemplar se tornou símbolo da inquietação criativa daquele grupo.
Letícia participou de congressos, cursos, semanas acadêmicas e fez parte da organização de um dos maiores eventos do curso: a Semana de Comunicação. O evento trouxe nomes de destaque nacional no ramo jornalístico, como o filósofo Clóvis de Barros Filho e o escritor Carlos Heitor Cony. “Foi uma experiência incrível. Conseguimos patrocínios e reunimos autores que estudamos em sala de aula. Foi marcante perceber que, mesmo estudantes, podíamos produzir algo tão relevante”, relembra.
Em 2000, Letícia atravessou fronteiras com o projeto Universidade Solidária, algo semelhante ao atual Projeto Rondon. Viajou até a cidade de Ares, no Rio Grande do Norte, e conviveu com famílias em situação de extrema pobreza. Segundo Letícia, essa experiência foi importante para perceber que um dos papéis do jornalismo também é “olhar para além do que nos cerca e entender que nossa profissão pode transformar vidas”.
A vida acadêmica não parava de abrir horizontes. Ao lado da colega Lorena Rodrigues, Letícia mergulhou em uma pesquisa sobre os rumos do jornalismo digital, ainda nos primeiros passos no Brasil. Elas entrevistaram editores da Folha de S. Paulo, do Zero Hora e da Gazeta do Povo, tentando compreender como a internet mudou a rotina das redações.
Os professores, tão importantes para a formação acadêmica, também deixaram marcas. Nomes como Cicélia Pincer, Sérgio Alcides e Sérgio Gadini incentivaram-na a exercitar o pensamento crítico e explorar a comunicação para além do senso comum. Entre as disciplinas favoritas, destacavam-se História da Comunicação, Teoria da Comunicação e Telejornalismo. Entre memórias e desafios, ela recorda-se de momentos curiosos. “A única dificuldade foi cursar a disciplina de Prática Esportiva Obrigatória. Fora isso, cada experiência foi enriquecedora. Do Vitral às viagens, tudo contribuiu para minha formação”.
Ainda estudante, Letícia foi estagiária na TV Bandeirantes, em Curitiba. Logo depois, trabalhou em um jornal de bairro da capital, até mudar-se para Irati, onde encontrou o espaço que se tornaria definitivo em sua carreira. Sua primeira experiência profissional foi na cidade de Irati-PR, no jornal impresso local. “Foram dois anos intensos, de muito aprendizado, até que assumi a comunicação da Prefeitura. Permaneci oito anos nesse cargo, o que me deu uma visão ampla sobre políticas públicas e sobre o impacto da comunicação na gestão pública”, conta.
Em 2013, sua trajetória ganhou novo fôlego. Ao lado do marido, Ciro Ivatiuk, Letícia comprou o Hoje Centro Sul, um jornal impresso tradicional, sediado em Irati, que dirige até os dias de hoje. “Apesar de desafiador, foi a realização de um sonho: ter autonomia para conduzir um jornal, decidir pautas, manter a pluralidade e, ao mesmo tempo, tocar o lado empresarial”, ressalta.

Em agosto de 2025, alunos do curso de Jornalismo da UEPG visitaram o jornal Hoje Centro Sul, propriedade de Letícia Torres e Ciro Ivatiuk. Foto: arquivo jornal Hoje Centro Sul.
Uma das principais características do fazer jornalístico é dar voz aos que mais necessitam. Mesmo empresária, Letícia nunca perdeu o olhar da jornalista que gosta de ouvir histórias. “O que mais me encantou no jornalismo foi escutar as pessoas. Cada entrevistado tinha algo a ensinar, não importava a profissão ou o grau de instrução. Sempre foi fascinante descobrir mundos diferentes a partir das narrativas dos outros”, revela.
Hoje, aos 45 anos, Letícia se define como empresária e jornalista, equilibrando a gestão do jornal Hoje Centro Sul com o compromisso de manter viva a essência da profissão que escolheu: jornalista. Sua trajetória, que começou como uma pausa no sonho da medicina, transformou-se em destino. “Entrei no curso para dar um tempo, mas encontrei o caminho da minha vida. O jornalismo me ensinou a olhar o mundo com atenção, a valorizar histórias e a acreditar que a comunicação pode, sim, transformar a realidade”, afirma.
A trajetória de Letícia é também a história de uma escolha que nasceu do acaso, mas tornou-se uma vocação. Um percurso que mistura curiosidade e coragem, e mostra que, às vezes, é no desvio que se encontra a verdadeira caminhada.
Ficha técnica
Produção: Gabriela Denkwiski
Edição: Fernanda de Matos e Gabriele Proença
Revisão: Rafaela Conrado
Supervisão de produção: Aline Rosso
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar
