Arquitetura hostil delimita acesso a espaços em Ponta Grossa

A região central da cidade apresenta elementos que impedem a permanência de vulneráveis em locais públicos e privados

Estratégias do design urbano procuram restringir o acesso das pessoas a determinados espaços de repouso, que se tornaram comuns em grandes metrópoles e já podem ser vistas em Ponta Grossa. A arquitetura hostil procura dificultar o acesso e a permanência delas nesses locais, especialmente daqueles que vivem nas ruas da cidade.

Objetos pontiagudos, grades e pedras são alguns dos obstáculos colocados para evitar a presença daquelas pessoas em situação de rua. A proposta é impedi-las de dormir em calçadas, bancos e muretas públicas ou particulares. No entanto, essa estratégia urbanística  também traz problemas  às crianças, idosos ou pessoas com deficiência que precisam desses locais para descansar. Em Ponta Grossa, exemplos da arquitetura hostil estão por todos os lados, em locais como instituições bancárias, Correios, lojas e em ou até mesmo em pontos de ônibus instalados sem assentos, o que obriga os usuários do transporte coletivo a esperar o ônibus em pé.

Plataforma pontiaguda impede repouso da população | Foto: Fernanda Matos

Para combater essa prática arquitetônica, foi criada  a  lei Padre Júlio Lancelloti (nº 14.489/2022) regulamentada em 2023, que tem  como objetivo vedar a construção hostil em espaços públicos. A normativa foi criada em São Paulo, mas passou a ser lei federal. Os prédios e espaços privados não são regulamentados por essa lei. A arquiteta e urbanista Gabriela de Lima Barreto, mestranda em Gestão do Território pelo Programa de Pós-graduação em Geografia, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), considera importante que a iniciativa privada seja incluída na lei. “É uma demanda social. O poder público e a iniciativa privada constroem esses espaços que, em sua essência, é desigual’,  e segregado’”, critica.

O desejo por segurança acaba impondo a arquitetura hostil como solução. Entretanto, Gabriela explica que uma cidade segura é aquela que tem espaços de circulação e convivência plural. Segunda a arquiteta, a estratégia hostil cria mais desigualdade a partir das distâncias sociais que impõem. “É uma forma de ignorar a situação das pessoas vulneráveis e colocá-las como não seguras à sociedade e é preciso trabalhar para que os espaços sejam de todos”, salienta. Gabriela também ressalta que a medida urbana não resolve as questões sociais, como , abrigos às pessoas em situação de rua, pois elas saem do local que não podem ficar e ocupam outro espaço.

Confira um trecho da entrevista com a arquiteta Gabriela de Lima Barreto:

Em razão do aumento do número de pessoas em situação de rua, a Fundação de Assistência Social (FASPG) tem acionado os serviços de abordagem com a finalidade direcionar essas pessoas às casas de acolhimento e ao albergue municipal. A coordenadora da Casa da Acolhida dos Vicentinos, Patricia de Freitas Kwiatkoski, observa que nem todos aceitam ser levados a esses lugares, mas que expulsá-los através da arquitetura hostil não é a melhor solução. “A cada barreira construída, eles irão migrar para outro local, pois dormir em uma calçada, estar debaixo de uma marquise, é direito daquele sujeito”, salienta. Ela também esclarece que essas práticas hostis geram impacto à saúde mental das pessoas que vivem em vulnerabilidade, pelo fato dessa “higienização” afastá-los das regiões que costumavam ocupar e que muitas vezes dependem para sobreviver.

A construção de barreiras também delimita a relação do indivíduo com o espaço que deveria ser destinado a todos. A guardadora de carros, Rosilda Aparecida da Silva, vive nas ruas da região central de Ponta Grossa. Além do trabalho de cuidar dos veículos, ela também vende balas ao redor de um banco da cidade. Afirma que a medida adotada pelo banco de colocar pedras e vidros nos espaços vazios afastou muitas pessoas que dormiam em frente ao local e que isso também acarretou em problemas de saúde. “Eu trabalho aqui e não tenho mais lugar para sentar e descansar, sinto muitas dores nas pernas por ter que ficar em pé”, reclama.

Em 2022, ano em que a proposta da lei da arquitetura hostil foi promulgada, a Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR) instituiu uma cartilha referente aos direitos das pessoas em situação de rua. O documento auxilia na defesa dessas pessoas ao observar que tais práticas de exclusão contra vulneráveis fere a integridade física e moral e informa que as ações discriminatórias ou vedação de acesso a lugares públicos são proibidas e devem ser combatidas.

Arquitetura hostil obriga moradores de rua a se realocarem em outras vias públicas | Foto: Fernanda Matos

Ficha técnica

Produção: Fernanda Matos

Edição e publicação: Amanda Stafin e Fabrício Zvir

Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado

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