
O que parecia um dia comum no interior transformou-se em um marco de dor e desconfiança. Foto: Amanda Stafin
Era 22 de novembro de 1988. Em Colônia Maciel, comunidade rural de Palmeira, no Paraná, o dia amanheceu como qualquer outro. “Era um dia normal, como todos os outros”, relembra Jaci Pires, irmã de Sirlene. Naquela manhã, Sirlene Pires, de apenas 20 anos, acordou cedo como de costume. Planejava ir até o centro da cidade resolver pendências: faria um financiamento no banco e aproveitaria para fazer compras. Vestiu-se com uma calça e uma camisa de algodão azul e seguiu a pé até o ponto da linha Estrela do Sul – ônibus que ligava as comunidades rurais à área urbana.
“Ela disse que voltava no mesmo horário de sempre”, conta Jaci. Era uma rotina . Muitas vezes com a ausência de transporte próprio, as pessoas do interior dependiam mais dos ônibus intermunicipais. “Tanto a Sirlene como todos os irmãos sempre nos viramos sozinhos, não tinha outro jeito”, reforça a irmã. A vida da família exigia autonomia desde cedo. Ir até a cidade era tarefa habitual e Sirlene sabia o caminho de cor.
Erlei Tadeu Zaleski, lavrador de 32 anos, segundo depoimento para a polícia, saiu de casa por volta das 16h40 pilotando uma moto com destino à lavoura de feijão. Segundo relato, foi encontrar seu sócio, que não estava no local, então, Erlei, por volta das 17h iria até a casa de seu irmão e vizinho, Sérgio Zaleski, a fim de emprestar uma carpideira – um implemento de tração animal para limpar terrenos. Mas, no caminho parou próximo a uma jabuticabeira.
Enquanto isso, Sirlene retornava com suas duas primas Maria Marlene Puchalski e Judite Puchalski, as quais desembarcaram a cerca de três quilômetros do local em que a jovem desceria. Às 17h, o ônibus deixou Sirlene na estrada de terra que liga a BR-277 à sua comunidade, ela seguiu a pé, em um caminho de aproximadamente 1 km até sua casa, carregando um pacote com compras. O percurso era rodeado por mata fechada em alguns trechos. Caminhar sozinha por ali nunca foi motivo de medo. Era o comum e cotidiano. “Ela nem imaginava que alguém podia estar esperando”, diz Jaci.

A estrada que liga a BR-277 à comunidade onde o crime ocorreu, permanece preservada, lembrando o caminho trágico da tarde de novembro de 1988. Foto: Amanda Stafin
Segundo relato em depoimento oficial, Erlei estava “chupando jabuticaba” quando viu Sirlene na estrada. Ele se aproximou e a jovem não recuou. “Ela o conhecia, ele era vizinho, por qual motivo ela iria fugir? Ninguém fazia ideia do que ele seria capaz”, relata a irmã. Ao se aproximar, Erlei abordou Sirlene e questionou sobre um boato que, segundo ele, teria chegado ao seus ouvidos: a jovem estaria dizendo que ele havia roubado uma cachorra da família. Sirlene teria confirmado a acusação e, segundo o próprio relato de Erlei, o provocou ao arremessar um pacote de compras em sua direção, antes de sair correndo. Ele reagiu imediatamente: correu atrás dela, agarrou-a pela roupa e a derrubou nas margens da estrada, próximo a um barranco. Foi nesse momento que, segundo a investigação, Erlei iniciou a agressão física contra a jovem.

Atualmente o local do crime se encontra dividido por uma cerca. Porém, a jabuticabeira ainda pode ser vista por quem passa na região. Foto: Amanda Stafin
De acordo com documento oficial, ele a atingiu inicialmente com socos. A jovem segurou sua camisa de cor rosa clara, fazendo três botões se soltarem. Ele continuou a golpeá-la até que ela desmaiasse. Então, puxando-a pelos braços, arrastou a vítima cerca de 10 metros para o mato, jogando seu corpo entre folhas secas e galhos quebrados. Quando percebeu que ela ainda se mexia, pegou uma tora de madeira de aproximadamente 60 cm – encontrada depois pela perícia com manchas de sangue – e, com ela, desferiu violentos golpes na cabeça e no corpo. Segundo comentários da época, Erlei a jogaria dentro de um poço próximo, mas mesmo percebendo que ela ainda respirava, preferiu fugir. Deixou Sirlene sangrando no local até a morte. Voltou para casa, onde lavou a camisa suja de sangue, numa tentativa de apagar os rastros de seu crime.
Por volta das 18h, tempo suficiente para ter cometido o crime e retornado, Erlei pegou a moto e seguiu até a casa de Sérgio, seu irmão, onde era o seu destino inicial, para buscar a carpideira, e retornou às 19h30. No caminho, encontrou com Antônio Marcovicz, seu vizinho, que contou que Sirlene havia sido encontrada morta.
Mas, se a morte de Sirlene parece, à primeira vista, um descontrole por parte de um homem tomado pela raiva, o desdobramento revela outra dimensão. O mesmo homem, que diante da polícia relata que “não teve intenção de matar Sirlene” se contradiz em seu próprio depoimento ao relatar ações tomadas após o crime: são marcas de frieza e planejamento de um agressor que, ao ter conhecimento que está sendo investigado, esconde a espingarda e simula um furto em sua própria residência. Inventou uma versão dos fatos, tentou confundir os investigadores e desviou o foco da apuração. Durante esta investigação, tive acesso aos autos do processo criminal e pude constatar: não se trata de um crime ocasional, mas de uma tentativa de manter as aparências. O processo não revela apenas a violência de um ato, mas o cálculo de quem, mesmo depois do ocorrido, optou por encobrir sua responsabilidade. De quem teve a calma de voltar para casa, tomar banho, vestir-se, e seguir para o velório da sua própria vítima. No capítulo seguinte esta repórter relata a sequência dos seus atos.
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata da história do assassinato de Sirlene Pires. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Produção: Amanda Stafin
Edição e publicação: Eduarda Gomes
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado