O local é espaço de grandes graças testemunhadas pelos frequentadores. Foto: Larissa Oliveira
A Casa do Divino, como é tradicionalmente conhecida pelos cidadãos pontagrossenses, é um espaço de cultos leigos na cidade, ou seja, sem religião específica. A construção, com marcantes cores em vermelho e branco, é um importante símbolo de devoção e fé que marca, em 31 de outubro de 2025, 143 anos de história.
Localizada na região central da cidade, o espaço é um patrimônio familiar, passado de geração a geração. Trata-se de uma propriedade particular de culto ao Divino Espírito Santo. Fundado em 1882, o espaço é palco de novenas, orações, promessas e até realização de bingos, bailes, barracas com comidas e bebidas e partilha de alimentos. O culto ao Divino Espírito Santo já era registrado na cidade desde a metade do século XIX. A casa foi tombada em 2004 como patrimônio material do Município.

Tradicional fachada da Casa do Divino repintada recentemente. Foto: Larissa Oliveira
Vanderley de Paula, doutor em história pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), conta como o espaço representa o imobiliário cultural e religioso da cidade. Quando a devoção tem início em Ponta Grossa, em 1882 segundo registros, passa-se a ter “um ‘território fértil’’ para práticas de religiosidade popular. Ou seja, temos “pouquíssima representação institucional religiosa desse tipo no município. E esse espaço, tornou-se um lugar onde leigos se reuniam para manifestar a sua fé; mais do que isso, para serem protagonistas de suas práticas religiosas”, explica de Paula.
Ele observa ainda que uma característica peculiar do espaço eram as manifestações ali desenvolvidas, lideradas por mulheres, aspecto diferenciado do que é previsto na institucionalidade católica, a qual defende práticas religiosas desenvolvidas na perspectiva dos dogmas romanos, comandadas exclusivamente por homens. E, mesmo com a chegada da institucionalidade católica (oficialmente em 1926, quando Ponta Grossa se torna Diocese e recebe o seu primeiro bispo Dom Antônio Mazzarotto), a Casa do Divino e suas práticas sobreviveram, salienta o professor.

A Casa do Divino também têm uma loja com artigos religiosos que ajuda a manter o espaço. Foto: Larissa Oliveira
História da fundação da instituição
A Casa do Divino foi fundada após um episódio marcante na cidade. Uma matéria publicada no jornal Diário dos Campos (1979) relata que: a moradora D. Maria Selvarina Julio Xavier passou meses vagando desmemoriada pela região dos Campos Gerais, sem lembrar de sua identidade ou origem. Um dia, ao se banhar em um rio, encontrou uma imagem litografada do Divino Espírito Santo em um pedaço de madeira. No mesmo instante, recuperou a memória e lembrou-se de quem era e onde morava. Ao retornar para casa, foi recebida com emoção pelos familiares, que consideraram o acontecimento um milagre. Assim, em agradecimento, ‘Nhá Maria do Divino’, como passou a ser conhecida, decidiu montar um altar dentro de sua casa para expor a imagem e agradecer diariamente pela graça recebida. A notícia do milagre se espalhou rapidamente entre cidades distantes. Muitas pessoas começaram a visitar a casa dessa senhora em busca de graças. Para atender o crescente número de visitantes, ela passou a abrir as portas de sua residência, que ficou conhecida como a Casa do Divino.

No início da novena, a bandeira do Divino Espírito Santo é passada entre as pessoas para realização de pedidos, orações e agradecimentos. Foto: Larissa Oliveira
Casa de diferentes religiões e espiritualidades
Coordenadora do espaço há 30 anos, a turismóloga Lídia Hoffmann relata que a casa acolhe diferentes manifestações religiosas e espirituais. “Somente na segunda-feira temos novena, mas todos podem participar independente do credo ou religião. A casa […] não é só patrimônio religioso, mas também cultural”, pontua Hoffmann.
Iria Portela frequenta a Casa há mais de 7 anos. Ela explica a sua vivência espiritual no espaço. “Aqui dentro, eu percebi que a devoção não é imposta, é o Espírito Santo que chama. Se eu estou aqui hoje é porque fui chamada por Deus, através do Espírito Santo. Foi ele que fortaleceu a minha fé”, declara. Além de frequentadora, Iria também se integra aos músicos do local com seu violão.

Ensaio de uma das integrantes do grupo de músicos, dona Iria Portela. Foto: Larissa Oliveira
Festa tradicional da Casa do Divino
A celebração acontece todos os anos, de acordo com o calendário litúrgico de pentecostes. Ela ocorre entre os meses de maio ou junho, mas não existe data fixa. Em 2024, a tradicional Festa do Divino foi tombada como patrimônio cultural pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Ponta Grossa (Compac). Em 2025, a 24º edição da celebração aconteceu no dia 8 de junho, marcada pelo reconhecimento do patrimônio. A festa existe na cidade antes mesmo da fundação da Casa, promovida pelas intituladas festeiras do divino, tradição que acabou se perdendo no município. Mas, felizmente, a atual coordenadora do espaço tem procurado resgatar a tradição, esforço que vem empreendendo desde 2001.
Informações
A Casa do Divino está localizada na Rua Santos Dumont, 524, e funciona de segunda à sexta, das 13:30 às 17:00. A novena do Divino acontece nas segundas-feiras, a partir das 15h. Nas terças são realizadas aulas de violão gratuitas para toda a comunidade. O resto da semana a casa fica livre para visitação até as 17h da tarde.

Novena reúne pessoas da cidade inteira com cantos e orações. Foto: Larissa Oliveira
Ficha técnica
Produção: Larissa Oliveira
Edição e publicação: Eduarda Gomes
Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado
