Cidadãos desaprovam novas mudanças no transporte público

Cidade tem enfrentado dificuldade com novas catracas e usuários temem prejuízos com a perda de créditos

Insatisfação. Esta é a palavra que define o sentimento da população de Ponta Grossa em relação ao transporte público. A Viação Campos Gerais (VCG), responsável pelo serviço na cidade, implementou mudanças que afetam diretamente os usuários. Entre elas, a  demissão dos cobradores e a instalação de novos sistemas de catracas nos ônibus, que não aceitam mais as cédulas de dinheiro. Além disso, com a transição para o novo sistema de bilhetagem, os saldos dos cartões anteriores não serão transferidos para o novo modelo e deverão ser utilizados até 31 de dezembro de 2025, segundo informações da Prefeitura Municipal.

Novo sistema Transdata apresenta erro em algumas passagens utilizando cartão de crédito e débito. Foto: Amanda Grzebielucka.

Guilherme Portela, usuário do transporte público no município, tem aproximadamente R$2 mil reais de saldo em seu cartão e expressa seu descontentamento com a atitude da Prefeitura e da Viação Campos Gerais. “Nem sempre conseguimos, nem precisamos, esgotar o saldo mensalmente depositado no cartão. Nosso saldo acumulado não foi brinde, nem benefício, foi um direito descontado a cada folha de pagamento”. 

Na visão dele, o serviço oferecido pela empresa está muito abaixo do nível de qualidade esperado. “As negociações nunca foram feitas com o usuário, são assinadas por quem nunca subiu em um ônibus. Quem sofre, quem é atingido, mas também quem sabe o que é preciso fazer no transporte público da cidade, sempre foi o povo”, observa Portela.

A gerente de comunicação da VCG, Cris Dresch, afirma os créditos não serão transferidos para o outro cartão, porque são mídias  diferentes: “É a mesma coisa eu ter milhas da Smiles [programa de milhagem da companhia aérea Gol] e querer viajar de Azul. São programas de fidelidade diferentes, as coisas não se conversam entre si”, explica.

O advogado e vereador de Ponta Grossa, Geraldo Stocco, está elaborando um projeto de lei para que o crédito no transporte coletivo pertença ao CPF de cada pessoa. O vereador questiona a tecnologia não ser capaz de transferir os saldos para o novo sistema e acredita que a mudança é prejudicial. Além disso, indaga o porquê de o valor não ser transferido. “O Vale Transporte é um direito do trabalhador, é descontado uma porcentagem do salário dele para esse vale e eu acredito que isso deveria ficar com a pessoa. O crédito vai expirar e vai para onde? Para quem que vai esse dinheiro? Vai virar um capital de giro para a empresa? Vai ser usado para abater a tarifa? Eu acredito que não”. O vereador  conclui que o usuário tem o direito de não usar o transporte todos os dias por escolha própria e ainda assim manter o saldo no cartão, uma vez que o valor foi descontado de seu salário. 

Segundo Stocco, uma  das justificativas que a empresa e prefeitura têm dado sobre os saldos acumulados é que “existe uma quadrilha de pessoas que conseguiram fraudar o cartão, colocar dinheiro de forma ilícita, enfim. Eu acredito que são casos isolados. A dona Maria que trabalha no mercado, que tem R$ 600, que está morrendo de medo de perder o dinheiro, ela faz parte dessa quadrilha? Eu acho que estão dando desculpa e a gente precisa saber o porquê dessa desculpa”, finaliza Stocco.  

Em 2024, o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) começou uma operação chamada Passe Livre, que investiga uma organização suspeita de fraudar bilhetes eletrônicos do transporte público de Ponta Grossa desde de 2021. Segundo a investigação, o grupo tinha uma tecnologia que era capaz de burlar os sistemas de segurança e clonar as passagens, o que demonstra uma baixa segurança na criptografia do antigo cartão.

O constrangimento gerado com o novo sistema 

Eduarda Cella mora em Ponta Grossa e começou a utilizar o novo sistema de catracas. Ela está entre os usuários que acreditam que a mudança de sistema não justifica as falhas da nova catraca que permite a utilização de cartão de crédito e débito, “Utilizei por cinco dias meu cartão de débito para ir trabalhar e em um dia eu estava voltando do serviço e meu cartão não passou. Me senti constrangida, com vergonha, pois sabia que tinha dinheiro nele. Só consegui voltar pra casa porque outra usuária pagou pra mim, caso contrário teria que descer do ônibus e não ia ter como voltar pra casa”, desabafa. 

Segundo a gerente de comunicação da VCG, Cris Dresch, alguns cartões têm uma trava de segurança que acaba bloqueando com facilidade a passagem. Outra situação é quando o cartão passa, mas só vai debitar no outro dia, o que impede a próxima passagem. 

“Nós recomendamos entrar em contato no 08000 4210 70, por WhatsApp, ou mesmo ligar, para que a gente possa fazer esse desbloqueio. Tem algumas questões que dependem exclusivamente de um desbloqueio do banco. Algumas às vezes, o banco entende como fraude, já que é um valor  pequeno e passa várias vezes ao dia.”, explica a gerente ao afirmar que esses problemas acontecem devido às adaptações ao sistema novo de bilhetagem.

Ela explica ainda que com o novo sistema de catracas eletrônicas, o cartão Conecta, será possível a integração temporal, “Por exemplo: o Conecta permite que você saia da Vila Estrela, desembarque no Centro, vá ao mercado, dê uma voltinha e embarque no ônibus com destino à casa, pagando a mesma tarifa na janela de uma hora e meia, 90 minutos”. No entanto, ela salienta, existe uma restrição: o passageiro não poderá utilizar a mesma linha dentro desses 90 minutos, caso contrário uma nova tarifa será cobrada. 

Com o novo cartão Conecta os usuários do transporte público poderão utilizar a mesma passagem em 90 minutos. Foto: Amanda Grzebielucka.

E afinal, como foi o processo de demissão dos cobradores em 2024?  

Tudo começou em 2024. A  população precisou se adaptar às mudanças que a Viação Campos Gerais (VCG) estabeleceu para o transporte de passageiros e que incluía a  demissão dos cobradores. Isso causou agitação na comunidade, que precisou enfrentar atrasos de ônibus por alguns meses. Além do estresse suportado pelos motoristas que precisaram, a partir daquele momento, exercer duas funções nos ônibus de Ponta Grossa. 

O município precisou trabalhar pela realocação desses cobradores ao mercado de trabalho. A ex-cobradora Elza Paquita trabalhou por 11 anos na empresa e relata ter dificuldades para se reinserir no mercado de trabalho. “Está difícil para a maioria conseguir um novo emprego, as empresas exigem estudos e experiências no mercado. Muito triste a situação da demissão, doeu muito mesmo o que a prefeitura, o sindicato e a VCG fizeram conosco”, desabafa.

De acordo com a assessora de comunicação da VCG, a empresa noticiou antecipadamente as demissões aos funcionários. Outra ação foi elaborar um questionário para saber se os cobradores queriam ser realocados no mercado de trabalho ou até mesmo na própria empresa, mas em outra função: “Uma empresa e nós mandamos a lista de todos os colaboradores que foram demitidos e que queriam voltar para o mercado de trabalho. Essa empresa entrou em contato com todos os colaboradores, eram 27. Quantos você acha que foram para a entrevista? Nenhum. Nós demos o suporte também orientando o próprio mercado”, afirma. 

Porém, a também agente de bordo Edilmara Dias conta que a empresa não auxiliou todos os ex-funcionários para o mercado de trabalho. “Eles abriram algumas vagas no lava car da instituição. Alguns funcionários foram convidados a voltar para a empresa para exercer outro papel, mas as vagas oferecidas não chegaram nem a dois por cento”, critica.

 

Ficha técnica

Produção: Amanda Grzebielucka

Edição e publicação: João Fogaça e Gabriela Denkwiski

Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado

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