Com dificuldades, fiéis mantêm viva tradição das capelinhas em Ponta Grossa

Sem as antigas procissões, o movimento se adapta a rotina dos moradores e continua presente em centenas de lares da cidade. Foto: Eder Carlos

 

Final de tarde, pouco antes das 18 horas, uma movimentação diferente acontece em algumas das ruas dos bairros de Ponta Grossa. As capelinhas com a imagem de Nossa Senhora deixam a casa em que permaneceram por 24 horas e seguem para outra residência, onde ficarão pelo mesmo período. O horário, embora não seja obrigatório, coincide com a última hora do Angelus em que, tradicionalmente, se reza a Ave Maria em louvor à mãe de Jesus, como forma de agradecimento pelos cuidados recebidos ao longo do dia.

O movimento pode passar despercebido, pois já perdeu muito da visibilidade que tinha em anos anteriores. Maria Sprankoski, de 76 anos, coordena o movimento das capelinhas da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no bairro Órfãs. Ela lembra que, nas décadas de 1970 e 1980,  era comum o costume de uma pequena procissão acompanhar a imagem de uma casa para outra. As pessoas carregavam velas e rezavam ou cantavam durante o lento trajeto. A tradição foi se perdendo com o tempo. Hoje o translado ocorre de forma mais rápida e discreta, muitas vezes dentro de um carro, sem que ninguém perceba.

O movimento das capelinhas é antigo. Sua origem, conforme conta a história, foi em 1888, no Equador. Surgiu com o objetivo de levar a imagem de Nossa Senhora aos lares dos fiéis, incentivar a devoção à santa e despertar vocações sacerdotais. No Brasil, a tradição chegou cerca de 30 anos mais tarde, durante a Primeira Guerra Mundial. Em Curitiba, o movimento está completando 88 anos. Já em Ponta Grossa, não há registro exato de quando a prática foi instituída, mas fiéis recordam que já acontecia nos anos 1950 ou até antes, podendo ter a mesma idade que o movimento da capital paranaense.

A tradição é simples: uma pequena capela de madeira, com a imagem de Nossa Senhora, peregrina entre os lares dos fiéis e retorna a cada casa num período aproximado de 30 dias. Existe um conjunto de condutas religiosas, chamado liturgia, que orienta os devotos nos procedimentos de recepção, permanência e despedida da capelinha de cada lar. Ela deve permanecer aberta, com a imagem da santa exposta e com uma vela acesa diante dela. Os moradores devem manter um clima de culto e respeito à santa. Mas também existe liberdade para que outros momentos de devoção sejam realizados. Segundo Joelma Karpstein, zeladora da capelinha da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a liturgia é apenas uma orientação, não uma imposição.

Para Franciele da Silva Ribeiro, receber a capela em sua casa é uma grande honra. Recebendo há cerca de três anos, ela define a visita da santa como uma bênção para o lar. Ela afirma que a expectativa pelo retorno da imagem ao seu lar é grande e, quando a data da visita se aproxima, começam os preparativos. Franciele conta que quando a imagem chega, todos os presentes fazem o sinal da cruz e acendem uma vela. Quando estabelecida dentro de casa, ela e suas filhas fazem uma oração pedindo a bênção de Nossa Senhora para o lar.

Na congregação do bairro Órfãs, ao todo, são 27 capelinhas, que atendem grupos de 16 a 30 casas, o que significa que quase 700 famílias recebem a visita da santa uma vez por mês. Mas já não é fácil como antes encontrar quem quer receber a imagem, diz Maria Sprankoski. Segundo ela, casais mais novos descrevem dificuldades em participar do movimento, principalmente em função da falta de tempo e dos horários de trabalho. “Hoje não é como antes, quando se trabalhava apenas durante o dia e no fim da tarde todos já estavam em casa”, recorda Maria.

A falta de tempo e de sincronia de horários também explica, segundo Maria, a ausência das tradicionais procissões que acompanhavam as capelas de uma residência a outra. Ela conta que hoje existem capelinhas que circulam apenas dentro de edifícios ou condomínios, o que também explica a pouca visibilidade do movimento nas ruas.

Para Solange Canuto, responsável pelo movimento na Paróquia Santo Antônio, no Jardim Carvalho, a tradição das capelinhas não está se perdendo, mas se readequando à realidade que vivemos. Como tudo se transforma, a devoção também recebeu mudanças para continuar existindo. Ela descreve a dificuldade em colocar a visita da imagem nos novos lares que se formam, mas lembra que também há muitos que permanecem fiéis e que, se não conseguem ter a santa em sua casa, vão realizar o  culto na residência de familiares ou amigos.

Solange também enfatiza o esforço que as coordenadoras e zeladoras do movimento empreendem para manter viva a tradição. Com isso, nem todos os grupos conseguem completar o mês, ou seja, 30 famílias envolvidas com uma das capelas. Mais que uma tradição, é um momento de culto e oração pelas vocações sacerdotais, destaca a coordenadora.

As duas zeladoras são unânimes em dizer que há um grande esforço  no intuito de conseguir que novos lares participem da devoção. Por outro lado, elas também concordam que a Igreja Católica vem perdendo fiéis para as igrejas evangélicas e isso reduz o número de lares disponíveis. A coordenadora da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro conta que, neste ano, cerca de dez famílias deixaram o catolicismo e migraram para denominações protestantes e, com isso, abandonaram o hábito de receber a capela.

Maria relata que outra dificuldade é conseguir novas coordenadoras e zeladoras. Segundo ela, este é um trabalho que normalmente é feito por pessoas de mais idade, como ela. “As pessoas mais novas geralmente estão envolvidas com estudo, trabalho e filhos pequenos, e não querem assumir mais este compromisso”, diz. Por outro lado, idosos também têm suas particularidades, como problemas de saúde ou dificuldade de locomoção. Com isso, visitas aos lares se tornam difíceis de realizar com a regularidade em que deveriam acontecer, o que também leva famílias a se afastar do movimento. Ainda assim, destaca Maria, a equipe vai continuar trabalhando para que a devoção a Nossa Senhora e a oração pelas vocações não deixem de existir.

 

Ficha técnica

Produção: Eder Carlos

Edição e publicação: Eduarda Gomes

Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado

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