Família de João Pedro aguarda justiça quatro anos após morte do jovem em operação

Caso ganhou repercussão nacional e expôs  violência policial e a crise da segurança pública que atinge, principalmente, jovens negros das periferias

Na tarde de 18 de maio de 2020, João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, foi baleado dentro da casa de um primo durante uma operação policial conjunta das Polícias Federal e Civil, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O adolescente estava com primos e amigos quando agentes entraram na residência atirando. João foi atingido por um tiro de fuzil. Sem qualquer aviso à família, o corpo foi retirado do local e desapareceu por mais de 24 horas.

O dia havia começado como outro qualquer. Pela manhã, Neilton Pinto, pai de João, saiu comprar uma cama para o filho, que até então dormia no mesmo quarto da irmã mais nova, de 4 anos. João recebeu uma mensagem do primo o convidando para passar o dia em sua casa, onde havia jogos e piscina. Com a pandemia, os encontros eram raros, mas a mãe permitiu..

A última imagem que a família tem de João é dele se despedindo ao chegar na casa do primo. Depois disso, o pai seguiu para o trabalho em um quiosque na Praia da Barra e a mãe ficou em casa com a irmã. Por volta das 13h30, Rafaela Mattos, mãe do adolescente, ouviu o barulho de helicópteros e tiros. Como a região convivia com operações policiais constantes, inicialmente não estranhou, mas se preocupou ao perceber que os sons vinham da direção onde o filho estava. Ligou para a cunhada, que confirmou uma movimentação intensa de agentes, inclusive chegando pelo mar e carros da polícia. Aflita, Rafaela conseguiu falar com João. Ele atendeu o telefone e disse: “mãe, fica tranquila, a gente está dentro de casa”. Minutos depois, mandou uma mensagem contando que estava bem.

Esse foi o último contato com o filho. As horas seguintes foram de agonia. Rafaela tentou manter a calma, orou, ligou  para o filho e para parentes, mas não obteve respostas. Por volta das 16h, o marido chegou em casa, em estado de choque, amparado por um parente. Neilton havia ido até o local e recebeu, de forma indelicada , a informação de que João tinha levado um tiro. “Como vou contar para a Rafaela”, repetia, enquanto chorava. A mãe relata que, desesperada, não compreendia o que havia acontecido.

Os adolescentes que estavam na casa relataram que os policiais invadiram a residência atirando. Depois dos disparos, os jovens foram levados para a calçada, cercados por policiais armados. O pai de João tentou entrar no local  para pegar um copo d’água, porém  foi impedido. A polícia  alegou que uma perícia estava sendo feita. A família acredita que os agentes tentaram modificar a cena do crime. Os policiais informaram que João havia sido socorrido, mas não disseram para qual hospital foi transferido.

Começou, então, uma busca em hospitais e delegacias, mas não conseguiram nenhuma informação. Só no dia seguinte a família descobriu que o corpo de João Pedro havia sido levado ao Instituto Médico Legal (IML). Nenhum policial ou autoridade entrou  em contato com os familiares. “João Pedro foi atingido por um tiro de fuzil” conta parentes de João.

O nosso filho não resistiu, Rafaela”, disse o pai, ao receber a confirmação do óbito. O caso de João se soma ao de centenas de adolescentes negros mortos em operações policiais no Brasil. Rafaela Mattos relembra com emoção os momentos mais marcantes com seu filho. “ O que mais me marca até hoje é ver os amigos dele, que conseguiram concluir os estudos. Quando chegou o dia da formatura e percebi que o João não estava ali, aquilo me doeu profundamente. São lembranças muito marcantes que carrego comigo”.

 

Durante o processo, o Ministério Público apresentou denúncia contra os dois policiais suspeitos. Cerca de sete a oito audiências foram realizadas para ouvir testemunhas de acusação e defesa. Após a instrução processual, familiares da vítima e movimentos sociais aguardavam a decisão da juíza quanto à pronúncia – etapa em que o magistrado decide se o caso deve ou não ser levado a julgamento popular.

A expectativa era de que, por se tratar de um caso repercussão e internacional, a magistrada optasse por levar o caso ao júri. No entanto, os acusados receberam absolvição sumária  A decisão gerou revolta entre familiares, amigos e ativistas, que organizaram  atos e mobilizações em busca de justiça. Eles questionam a argumentação da defesa, já que os relatos são contraditórios. Enquanto os policiais alegam que um suspeito teria pulado o muro da casa onde a vítima estava, os adolescentes que presenciaram a ação afirmam que nenhum criminoso entrou no imóvel.

No dia 20 de maio, iniciou-se o julgamento do recurso que pode levar o caso à apreciação de um júri popular. A sessão contou com a presença das partes envolvidas, que acompanharam a votação dos desembargadores. Dois magistrados votaram a favor do envio do caso ao Tribunal do Júri. No entanto, a sessão foi interrompida após o terceiro desembargador pedir vista do processo. Com isso, o julgamento foi suspenso temporariamente e aguarda a devolução do processo para ser retomado.

“Nós entendemos que o pedido de vista foi para uma melhor análise do conjunto, então, de certa forma, é positivo para o processo. A expectativa é que o caso vá a júri e que os policiais sejam responsabilizados”, interpreta o advogado Pedro Carriello, representante dafamília de João Pedro.

Quem era Elaine da Silva e Matheus Felipe Pereira antes de virarem estatísticas? Como suas histórias foram interrompidas e silenciadas pela violência policial na rodovia-445? No próximo capítulo, você acompanha a invisibilização das vítimas e o impacto devastador que esses crimes têm sobre os familiares.

Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata do caso João Pedro. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.

Ficha técnica

Produção: Gabrieli Mendes

Edição e publicação: Daniel Klemba, João Bobato e Giovana Guarneri

Supervisão de produção: Hendryo André

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado

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