Família luta há quatro anos por esclarecimentos sobre morte de Willian Lucas

Legenda: Willian tinha 25 anos e foi morto durante uma ação policial na Vila Francelina. Arquivo: Claudimir Ferreira Nascimento

Willian tinha 25 anos e foi morto durante uma ação policial na Vila Francelina. Arquivo: Claudimir Ferreira Nascimento

Em 2023, quase 90% das pessoas mortas por policiais no Brasil eram negras, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O relatório da Rede de Observatórios da Segurança reforça essa desigualdade ao revelar que, em média, sete pessoas negras foram assassinadas por dia no país. Esses números escancaram a profunda disparidade racial presente nas ações policiais e ajudam a contextualizar casos emblemáticos, como o de Willian Lucas Souza Nascimento.

No dia 17 de abril de 2021, a vida do jovem, de 25 anos, foi interrompida de forma trágica. Willian era morador da Vila Francelina, no bairro Uvaranas, onde foi morto por policiais militares a poucos metros de sua casa. Quatro anos se passaram e, até hoje, a família aguarda respostas. Willian era montador de estruturas metálicas, pai de um menino de três anos, e estava construindo planos ao lado da esposa. Segundo os familiares, ele era um filho amoroso, sincero e responsável. “Ele era simples, mas de grande caráter. Nunca mentia, mesmo quando estava errado“, lembra seu pai, Claudimir Ferreira Nascimento.

Na noite do ocorrido, Willian foi revistado por policiais enquanto estava em um bar, mas liberado logo em seguida. Horas depois, foi encontrado morto. A versão oficial alega que ele teria trocado tiros com a polícia de cima de um muro pontiagudo e com uma arma defeituosa. O laudo oficial, assinado pela perita criminal Valéria Cardoso Pereira, descreve múltiplas feridas por arma de fogo no corpo de Willian, sem indicar disparos à queima-roupa. Já um laudo particular, encomendado pela família, aponta execução com tiro à curta distância, contrariando a versão de confronto.

Para a página Rede Nenhuma Vida a Menos, que acompanha e denuncia casos de violência policial no Paraná, o silêncio das instituições diante da morte de Willian representa um padrão. “A gente vive em um estado que autoriza a polícia a matar, principalmente quando é um corpo preto, periférico. O Willian teve a história dele contada pela versão de quem o matou. E a imprensa, na maioria das vezes, só replica isso. Nossa luta é para que essas vidas não sejam esquecidas nem apagadas pela narrativa policial”, afirma Patrícia Herman, integrante da iniciativa.

A dor dos familiares não se restringe à perda, mas também à ausência de respostas concretas. Eles afirmam que, mesmo após quatro anos, ainda aguardam por justiça. Relatam ainda que o sentimento de indignação se agravou pela forma como o caso foi noticiado na imprensa, uma vez que, segundo eles, apenas a versão da polícia foi publicada, sem que a família fosse ouvida. Claudimir, parente da vítima, ressalta que essa falta de espaço na mídia “machuca muito”.

A violência letal nas periferias 

O caso de Willian é mais um entre tantos que escancaram a violência letal da polícia contra jovens das periferias no Paraná, especialmente homens negros. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a população negra no estado é responsável por uma proporção significativa das vítimas de homicídios, representando 75% do total, o que destaca uma disparidade racial preocupante também observada em outras partes do Brasil.

Willian portava o celular de sua mãe e, ao começar a filmar a atuação policial, entrou em discussão com um dos agentes. Apesar do desentendimento, ele foi liberado logo em seguida. Minutos depois, Willian deixou o bar e seguiu em direção à sua casa. Durante o trajeto, foi visto correndo por testemunhas. Pouco tempo depois, foi surpreendido em um terreno da região e alvejado com pelo menos oito disparos, concentrados nos braços e nas costas. Um dos tiros foi efetuado à queima-roupa. O laudo da necropsia não identificou sinais de troca de tiros. A polícia afirma que Willian não obedeceu a uma ordem de parada, mas a versão entra em conflito com os relatos de moradores da região e com os próprios documentos da investigação.

Legenda: Ao lado de seus pais. Caso de jovem morto pela PM há quatro anos em Ponta Grossa. Arquivo: Claudimir Ferreira Nascimento

Além de Willian, outro homem com o mesmo nome foi detido na mesma operação, portando uma arma. A relação entre os dois casos não foi oficialmente estabelecida, mas os inquéritos foram posteriormente reunidos.

A advogada da família entrou com uma petição para esclarecer o paradeiro do celular usado por Willian. A polícia afirma que não apreendeu o aparelho, mas uma matéria publicada na época traz uma foto que mostra quatro celulares recolhidos na operação. A petição foi protocolada ainda em fevereiro de 2024, e, no dia 29 de outubro, os inquéritos constam que, apesar de ter sido fotografado com outros objetos recolhidos na cena, o aparelho não consta entre os materiais apreendidos oficialmente.

Relatos de moradores da região também indicam que o jovem foi visto correndo e ajudando uma pessoa ferida pouco antes de ser morto. Depois dos disparos, teria havido movimentação do corpo, como apontam marcas de sangue em dois locais diferentes. O processo está sob segredo de justiça. Os policiais envolvidos já respondem a processos e, até o momento, apenas apresentaram suas versões de forma individual e a determinação segue de forma pessoal.

O caso que exige respostas

Na data do crime, o jovem passou o dia trabalhando com o pai. À noite, saiu para encontrar amigos e esteve em um bar da região, onde acontecia uma operação policial. Testemunhas afirmam que houve agressões físicas e verbais por parte dos policiais. O jovem foi revistado e liberado, mas usou o celular da mãe para filmar a abordagem, o que teria motivado novas ameaças. Cerca de 30 minutos depois ele foi encontrado morto.

Os laudos apontam que ele foi atingido por diversos disparos nas costas, pernas e glúteos, um deles à queima-roupa, indicando que não houve confronto direto. Fragmentos de projéteis retirados do corpo são compatíveis com armamento da polícia, como fuzis calibre 5.56 milímetros. A arma atribuída à vítima, uma pistola 9 milímetros com carregador de calibre diferente, não corresponde aos disparos identificados, e a retirada desse armamento do corpo, antes da perícia, comprometeu a cadeia de custódia. A forma como os disparos foram distribuídos sugere que Willian pode ter sido atingido por mais de um atirador ou que os tiros partiram de diferentes posições.

Em meio aos dados alarmantes que revelam a elevada mortalidade de jovens negros em confrontos policiais no Brasil, o pesquisador Paulo César Ramos, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo e coordenador de pesquisas no Afro, destaca a ligação direta entre essas mortes e o racismo estrutural. Segundo Ramos, em seu estudo, “As mortes de pessoas negras em confrontos policiais são a face mais cruel do racismo estrutural no Brasil”.

“Não estamos falando de excessos isolados, mas de um padrão que se repete ano após ano, com vítimas que têm cor, idade e endereço bem definidos. A juventude negra é tratada como inimiga, e isso se reflete na forma como o Estado age nos territórios periféricos. Quando a polícia entra, muitas vezes não entra para proteger, entra para eliminar. E isso só é possível porque a sociedade ainda naturaliza a ideia de que a vida negra vale menos“, explica.

Segundo o pai de Willian, a esposa vive há quatro anos com dores crônicas constantes. “Ela já procurou diversos médicos, exames e especialistas, mas nenhum conseguiu dar um diagnóstico ou alívio definitivo para essa dor que, para ela, só aumenta com a sensação de impunidade”, desabafa o pai. Para a família, a dor física e emocional se entrelaçam na espera por justiça.

Há quatro anos, a investigação sobre a morte de Willian segue sem conclusão. O caso permanece sem desfecho claro, enquanto a família lida diariamente com a ausência e o sentimento de impunidade.

Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo resgata dados e introduz a história de Willian Lucas, jovem morto pela polícia em 2021. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.

Ficha técnica

Produção: Gabrieli Mendes

Edição e publicação: Amanda Stafin, Gabriela Denkwiski e Juliana Emelly

Supervisão de produção: Hendryo Anderson André

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado

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