Criação de animais de raça para procriação pode ser forma de maus-tratos. (Foto: reprodução/arquivo pessoal).
Em muitas casas brasileiras, repete-se o mesmo cenário, cães de raça, machos e fêmeas, são mantidos exclusivamente para reprodução. A prática, esconde sérios problemas éticos, sanitários e sociais. Segundo o Instituto Pet Brasil, o mercado pet nacional movimentou R$ 75,4 bilhões em 2024. A venda de filhotes representa cerca de R$ 8,1 bilhões do total gerado.
A lei nº 15.046/2024 de Cadastro Nacional de Animais Domésticos, sancionada em 18 de dezembro de 2024, autorizou a criação de um cadastro nacional para cães e gatos, com o objetivo de combater maus-tratos, melhorar o controle sanitário e facilitar o acompanhamento da saúde dos animais. O cadastro exige a identificação dos tutores e do animal (raça, idade, vacinas, doenças etc.), e será implementado nos municípios com supervisão estadual e federal.
Ainda assim, boa parte da criação de cães no Brasil é feita de forma informal e sem regulamentação, o que abre espaço para abusos e maus-tratos. Embora existam criadores legalizados que seguem regras de bem-estar animal, a maioria das cruzas ocorre em ambientes amadores, sem acompanhamento veterinário e sem conhecimento técnico. A ausência de fiscalização contribui para problemas graves, como infecções uterinas, complicações no parto e câncer de mama em cadelas submetidas a cruzamentos frequentes, como alertam veterinários e ativistas da causa animal.
Jussara da Silva, dona de casa, afirma ter adotado um cão da raça Schnauzer após o antigo dono oferecer o animal, alegando que ele “não servia mais” por estar velho e não reproduzir. “Quando eu adotei o Melu, ele estava com muito medo, muito magro e apresentava outros sinais de maus-tratos. Adotei também uma cadela da mesma raça, chamada Mia, que tinha um problema na perna, mas nunca recebeu tratamento”, relata.

Mia e Melu (da esquerda para direita) no dia da adoção. (Foto: reprodução/arquivo pessoal).
Estudos científicos apontam que a separação precoce de filhotes da mãe e dos irmãos, entre 30 e 40 dias de vida, pode gerar sérias consequências comportamentais na fase adulta. Uma pesquisa divulgada no Journal of Veterinary Behavior revela que cães submetidos a separação antecipada apresentam, com mais frequência, comportamentos destrutivos, latidos excessivos, possessividade por objetos ou alimentos, medo acentuado durante passeios, busca exagerada por atenção e sensibilidade a ruídos. Já os filhotes que permanecem com a ninhada por um período mais longo, em média até os 60 dias, demonstram menores índices desses distúrbios, o que evidencia a importância do convívio materno e social durante as primeiras semanas de vida. O cenário torna-se ainda mais alarmante diante da superpopulação de animais abandonados. Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem cerca de 30 milhões de cães e gatos em situação de rua, o que evidencia um paradoxo cruel, pois enquanto animais estão nas ruas, seja por abandono ou por terem nascido em ambiente de rua, outros são criados deliberadamente para venda.
Embora o artigo 21 do Código Penal considere crime maus-tratos contra animais, não há uma regulamentação nacional específica sobre a criação e comercialização de filhotes. No Paraná, a Lei Estadual nº 13.331/2001 (Código de Saúde do Estado), estabelece normas gerais, e a legislação específica de cada município, como a lei nº 13.914/2011 de Curitiba, que regulamenta o comércio de animais de estimação, exigindo que seja feito por estabelecimentos comerciais estabelecidos e em conformidade com a legislação federal e estadual. No estado de São Paulo, a lei nº 17.972/2024, sancionada em julho de 2024, passou a exigir registro, vacinação, microchip, castração e nota fiscal para a venda de cães e gatos, além de coibir práticas clandestinas.
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata sobre de maus-tratos animais relacionados à comercialização. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Produção: Rafaela Conrado
Edição e publicação: Emanuely Almeida, Ester Roloff e Julia Almeida
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão e publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado
