Até 14 horas ao volante: exaustão como parte da rotina. Foto: João Bobato
Embora a profissão de motorista de aplicativo seja vista por muitas pessoas como uma alternativa financeira, atualmente quem depende exclusivamente dessa renda relata dificuldades para garantir o sustento familiar. Motoristas de Ponta Grossa afirmam conviver com rotinas de até 14 horas diárias de trabalho marcadas por exaustão, riscos à segurança, baixa remuneração e regulamentação da atividade, que resulta na ausência de direitos, como licença médica, aposentadoria e férias.
Motorista de aplicativo há cinco anos, David Edson conta que começou a trabalhar na área por acreditar em melhores condições de vida. “Eu caí na ilusão que iria ganhar muito melhor”. Para ele, a profissão entrega uma “falsa liberdade”, pois permite fazer o próprio horário de trabalho, mas exige dedicação intensiva. Outra frustração para ele é a maneira como a sociedade encara a atividade:“as pessoas não veem como profissão, mas como bico”.
Com nove anos de atuação na área, Tânia Mara, já trabalhou como CLT ehoje sobrevive exclusivamente como motorista de aplicativo. Ela define a profissão como fonte de “renda e paixão”, mas entende que, cada vez mais , é financeiramente insuficiente. “Tenho que pagar o financiamento e manutenção do carro e, com aquilo que ganho, empurro as contas com a barriga”. Ela trabalha cerca de 14 horas por dia e afirma que o tempo fora de casa afeta o relacionamento familiar. “Ninguém suporta conviver com quem trabalha todos os dias e o dia todo, inclusive aos finais de semana e feriados”.
Os motoristas relatam que as plataformas recebem entre 50% a 60% do valor pago pela corrida, enquanto o restante permanece com o motorista. Eles afirmam que a renda diária varia entre 200 a 300 reais, desconsiderando os gastos com combustível e manutenções.
Alternativas
Na tentativa de se fortalecer como categoria profissional, os motoristas de aplicativo se organizam em grupos, como é o caso do Caveiras. Atualmente, há cerca de 250 membros em Ponta Grossa e 8 mil em todo o sul do Brasil. O coletivo atua principalmente no auxílio aos motoristas em várias situações, por exemplo, dando suporte quando pneu do carro fura e ocorrências de violência, envolvendo passageiros. Além da segurança pessoal, o Caveiras tem como objetivo orientar sobre o funcionamento das plataformas. “Nós ensinamos para que os motoristas, especialmente os mais novos, não sofram tanto”, explica David Edson que, também, é diretor do Caveiras em Ponta Grossa.
O motorista Alzuguir Ferreira integra o Caveiras há cerca de um ano. Ele afirma que encontrou no grupo um espaço de apoio e pertencimento. Para Ferreira, a troca de informações e a rede de proteção entre os colegas fazem diferença no dia a dia. “Os nossos problemas são iguais”. A sensação de união e segurança foi o que o motivou a se juntar ao coletivo.
A rede de apoio do Caveiras busca auxiliar também em casos de violência e assédio. Tânia Mara relata que, em uma corrida, na saída de uma festa, foi vítima de assédio. A motorista afirma que o passageiro, que parecia alcoolizado, dirigiu palavras de conotação sexual e expôs o órgão genital. Ela parou o carro em um posto de combustível para pedir ajuda. O homem aproveitou a oportunidade e fugiu do veículo. Apesar do episódio traumático, Tânia decidiu não registrar ocorrência policial. Logo após o acontecimento, companheiros do Caveiras chegaram ao local e forneceram apoio necessário.

Sede do Caveiras está localizada na rua João Batista França e Silva, ao lado do posto F1. Foto: João Bobato
Regulamentação
Em março de 2024, o Governo Federal apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2024, conhecido como “PL do Uber”. O objetivo da proposta era regulamentar a relação entre motoristas de aplicativo e plataformas. O PLP propõe remuneração de, ao menos, R$32,10 por hora efetivamente trabalhada e a contribuição de 27% à Previdência. O projeto não foi aceito pela categoria e nem votado na Câmara dos Deputados. Atualmente, a medida encontra-se na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços do Legislativo, mas sem previsão de ir a votação.
Recentemente, o deputado Luis Gastão (PSD-CE) apresentou o PLP 152/2025 que tem como objetivo regulamentar não apenas os motoristas de aplicativo, mas também plataformas de coleta e entregas de bens. O PLP prevê que as plataformas devem repassar integralmente as gorjetas aos trabalhadores e limitar taxas de serviço a 30% sobre o valor pago pelo usuário. A proposta também exige que as empresas forneçam informações sobre os dados utilizados, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Atualmente, o PLP 152/2025 tramita nas comissões parlamentares e está sujeito à análise no plenário da Câmara dos Deputados.
“A regulamentação é necessária, mas precisa ser justa”, defende Alzuguir. Entende-se que uma proposta de regulamentação aumentaria o preço das corridas e implicaria pagamento de impostos, mas garantia direitos e benefícios que a profissão ainda não tem. Ele lembra que, embora os motoristas arquem com impostos e taxas indiretas, não têm acesso a direitos ou quaisquer benefícios sociais.
Segundo os motoristas consultados, o valor mínimo deveria ser entre R$2 e R$3 por quilômetro rodado com taxa mínima de 10 reais em cada corrida. Para Tânia Mara, essas condições permitiriam um “trabalho digno e convivência familiar adequada”, finaliza.
Ficha técnica
Produção: João Bobato
Edição e publicação: João Fogaça
Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado
