Novo ensino médio compromete preparação para vestibulares

Crédito: Gabriele Proença

Nas escolas, os alunos aprendem sobre projeto de vida e o mundo de trabalho. Nos vestibulares, eles precisam saber das fórmulas, interpretações, tabela periódica e guerras mundiais. Como seguir o sonho de entrar em uma universidade pública sem aprender o conteúdo necessário para passar nos vestibulares? Esse é o dilema enfrentado pelos adolescentes brasileiros, que cursam o novo ensino médio.

Os alunos têm procurado  cursinhos pré-vestibulares porque a grade curricular do novo ensino médio não garante o estudo dos conteúdos das provas usadas para a entrada em universidades públicas. A nova proposta educacional busca tornar a educação mais flexível e conectada aos interesses dos estudantes. No entanto, reduziu a carga horária destinada às disciplinas tradicionais, como Matemática, História, Física, Química e Biologia, matérias da Formação Geral Básica (FGB). Essas são as matérias mais cobradas nos vestibulares e em provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a principal  forma de entrada dos estudantes no ensino superior atualmente.

No lugar das matérias da FBG surgiram módulos que, embora relevantes para a formação cidadã, não dialogam diretamente com a lógica dos vestibulares. E, nesse jogo, quem pode paga cursinho. Quem não pode, torce para aprender o máximo possível nas poucas aulas restantes. 

Tayla Gabrieli de Lima, estudante do terceiro ano do ensino médio no Colégio Estadual Rio d’Areia, localizado na região rural de Teixeira Soares, sempre teve o sonho de cursar ensino superior e vai fazer os vestibulares esse ano. Para ela, o impacto na hora de fazer a prova que vai decidir seu futuro acadêmico é grande. “vou ter que estudar por fora as matérias que não são ofertadas na escola”, desabafa. Na realidade de muitos dos alunos, pagar um cursinho pré-vestibular para estudar por fora não é uma opção. Para aqueles que conseguem, talvez, uma bolsa de estudos em algum curso ou programa apoiado pelo governo, é trabalhoso conciliar a rotina de estudos do colégio e para o vestibular.

Foto: Amanda Stafin

Em 2025, o Ministério da Educação (MEC), lançou a Rede Nacional de Cursinhos Populares (CPOP), para apoiar instituiçõespré-vestibulares no país. A CPOP foi regulamentada em março de 2025, por meio do decreto nº 12.410/2025, e promete beneficiar 5,2 mil jovens ainda este ano. O programa investe em cursinhos pré-vestibulares populares e comunitários, com o objetivo de ampliar o acesso à educação para alunos da rede pública.

De acordo com o professor de Filosofia do Colégio Estadual Meneleu de Almeida Torres, John Endrew Gomes, o novo ensino médio restringe as possibilidades dos alunos. “No vestibular tem uma parte específica e uma geral. Se o aluno não tem contato de uma forma geral com as disciplinas de todas as áreas, ele vai ser prejudicado na hora de fazer a prova”, analisa o professor. 

No primeiro ano do ensino médio, os estudantes decidem qual dos itinerários formativos querem cursar entre as áreas de Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens ou Matemática, como contamos no primeiro capítulo dessa série de reportagens. A legislação não impede a mudança de itinerário formativo durante o ensino médio, porém não assegura que isso seja viável em todas as escolas. A possibilidade do estudante mudar a escolha do itinerário depende da estrutura de cada instituição, da disponibilidade dos professores e de questões logísticas, como o transporte escolar. 

Educadores alertam que o modelo, ao ser aplicado de forma desigual, penaliza alunos que precisam de apoio para descobrir seus interesses. Para John Endrew, os alunos ainda não estão preparados para tomar a decisão sobre qual área querem seguir. Outro problema é a falta de estrutura das escolas. “Às vezes, eles nem têm a possibilidade de ter uma ampla oferta dos quatro itinerários formativos e ficam restritos ao que a escola oferece”. O professor também ressalta que, em algumas ocasiões, o estudante tem que trocar de turno para fazer outro itinerário formativo, que é algo que pode ser inviável.

Para João Paulo Camargo, que é professor de Geografia no Colégio Estadual Meneleu de Almeida Torres, em Ponta Grossa, muitos professores realizam ações pedagógicas para suprir as dificuldades e melhorar o desempenho dos estudantes nas avaliações externas, como processo seletivo seriados, vestibulares e Enem. “O novo modelo de ensino médio enfatiza mais a preparação para o mercado de trabalho do que para a continuidade dos estudos no ensino superior”. O professor também aponta que é importante que toda escola se comprometa com as duas dimensões, o ensino superior e o mercado de trabalho.

Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata das dificuldades na preparação dos estudantes para os vestibulares. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.

Ficha técnica

Produção: Gabriele Proença

Edição e publicação: Amanda Stafin, Gabriela Denkwiski, Rafaela Conrado

Supervisão de produção: Hendryo André

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar

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