“Nunca imaginei que seria amarrada no parto”, relata jovem que sofreu violência obstétrica em maternidade pública

A violência obstétrica é qualquer ato realizado pelo profissional da saúde que desrespeite os direitos da mulher durante a gestação, pré-parto, parto, pós-parto e período puerperal. Foto: Isabele Machado

Os maus-tratos obstétricos são caracterizados por qualquer ação que cause constrangimento a pessoa que gesta

Aos 16 anos, Ana Luiza da Costa entrou em uma maternidade pública de Manaus para dar à luz a filha. Saiu de lá oito dias depois com marcas físicas e emocionais que ainda carrega, pois foi submetida a procedimentos sem consentimento, teve seu pedido de acompanhante negado e foi imobilizada durante a cesariana sem explicações.

Na noite de 22 de abril de 2024, Ana Luiza chegou ao Instituto da Mulher acompanhada da mãe. Sem sentir dores, buscava orientação sobre a possibilidade de parto normal. A adolescente já havia deixado claro que não queria a presença do tio, um enfermeiro obstetra da instituição, devido ao histórico de comentários desrespeitosos sobre pacientes. Mesmo assim, ela alega que ele entrou no quarto sem autorização.

No início, foi bem tratada, mas em decorrência da troca de turno, foi atendida por uma profissional da saúde que a tratava de forma grosseira. “Ela não esperou eu me preparar para o exame de toque, foi com tudo. Meu tio estava no quarto mesmo eu não querendo, me viu de pernas abertas mesmo eu pedindo para ele sair”, relata.

Após passar a noite em claro, foi liberada para a sala de cirurgiaàs 10 horas da manhã, a fim de realizar a cesárea. Nesse período, seu namorado foi impedido de entrar na sala, porque o tio de Luiza não permitiu. De acordo com a doula e educadora perinatal Juliane Carrico, a decisão de quem será o acompanhante durante o parto é sempre a parturiente. “Só pelo fato do namorado dela não poder ter entrado com ela, já é considerado violência obstétrica e descumprimento de uma Lei Federal”, afirma Carrico.

Luiza passou por outra situação desagradável, quando a roupa hospitalar caiu e expôs seus seios à equipe médica, composta exclusivamente  por homens, de acordo com ela, quando tentou ajeitar, a mandaram deixar daquele jeito. Aos poucos, várias pessoas entraram na sala, primeiro sua mãe, depois  outros médicos, dois estudantes e por fim seu tio, o qual ela já tinha deixado claro que não queria que participasse do trabalho de parto.

O momento mais traumático veio logo depois, quando seus braços foram amarrados. “Eu não tinha percebido que eles tinham me amarrado, só notei quando fui coçar o rosto, então comecei a ter crise de ansiedade, mas tentei manter a calma”, relembra.

Segundo Luiza, durante sua gestação, chegou a pesquisar sobre violência obstétrica, mas nunca tinha ouvido falar da possibilidade de ser amarrada durante o parto. Enquanto a cirurgia ocorria, ouviu comentários desagradáveis sobre o seu parceiro, vindo do próprio tio e outro médico. Juliane afirma que conversas paralelas no centro cirúrgico são consideradas violência obstétrica. Além disso, após o nascimento da criança, Luiza foi impedida de segurar a filha no colo, com a justificativa de que o bebê não havia chorado. A doula explica que quando o procedimento é justificado e comunicado à mãe, a ação não é caracterizada como violência obstétrica.

O sofrimento continuou depois da cesárea, pois a mãe permaneceu por oito dias internada, ou seja, cinco dias a mais do que o previsto. Ela sofreu de uma forte enxaqueca chamada “cefaleia pós-raque”, causada pela anestesia: “o tempo todo eu informava a enfermeira que estava com dor e elas só me davam dipirona. Depois de três dias, comuniquei à médica, que finalmente me passou o remédio certo, e assim melhorei”. Além de tudo, a adolescente relata que passou três dias sem lençol porque sua filha havia sujado, mesmo pedindo não recebeu um lençol limpo novamente.“Como é sobre a experiência dela, e em todo esse relato ela se sentiu violentada de alguma forma, pode sim ser tratada como violência obstétrica”, reforça Carrico.

Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem. Este capítulo traz a experiência de mulheres que tiveram seus direitos violados durante o parto. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.

 

Ficha técnica

Produção: Isabele Machado

Edição e publicação: Rafaela Tzaskos, Sabrina Waselcoski e Yasmin Taques

Supervisão de produção: Hendryo André

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar

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