
Após buscas relacionadas ao tema, o algoritmo das redes sociais identifica o interesse do usuário por apostas online. Em seguida, começam a surgir propagandas com cores chamativas, muitas vezes com ilustradas atrativas, uma estratégia visual que suaviza o conteúdo e disfarça os riscos por trás do jogo. Crédito: Gabriela Denkwiski.
O Brasil, conhecido mundo afora como “país do futebol”, mobiliza a população por meio do entretenimento que é assistir a uma boa partida do esporte. Nos últimos anos, uma nova forma de consumir futebol (e esportes, no geral) foi agregada ao dia a dia da população através das apostas online. As plataformas prometem ganhos rápidos. O apostador vivencia uma imersão ao esporte, uma vez que passa a acompanhar os jogos com mais atenção, analisando quais são as melhores opções para apostar. Ninguém aposta pensando em perder. Porém, cada lance pode gerar prejuízo. A participação do espectador é uma das estratégias de lucro mais eficazes para os sites de apostas, já que o vício e a dependência de apostar podem ocorrer muito facilmente.
Para Maria Priscila Alves, fundadora de uma plataforma de marketing de influência, as casas de apostas online adotam estratégias digitais cada vez mais sofisticadas. “Elas investem pesado em campanhas sedutoras e personalizadas, utilizando gatilhos mentais como urgência, escassez, recompensa imediata e até promessas de ganhos fáceis”, afirma. As publicidades estão inseridas, principalmente, em canais voltados ao público jovem, como redes sociais, plataformas de streaming e transmissão de jogos ao vivo.
Os anúncios direcionam a pessoa para essas plataformas.Possuem cores chamativas, justamente para estimular a mente e os desejos do apostador. A estratégia de comunicação visual mostra ao jogador que não há nada de errado em apostar.
Após buscas relacionadas ao tema, o algoritmo das redes sociais identifica o interesse do usuário por apostas online. Em seguida, começam a surgir propagandas com cores chamativas, muitas vezes com ilustradas atrativas, uma estratégia visual que suaviza o conteúdo e disfarça os riscos por trás do jogo. Crédito: Gabriela Denkwiski.
Maria Alves comenta que a publicidade chama atenção para o uso de bônus de boas-vindas e campanhas de primeira aposta grátis. “Essas ações reduzem a sensação de risco e geram uma falsa ideia de controle. Na prática, o apostador é tratado como um consumidor impulsivo e altamente estimulável”, completa.
Por trás dos anúncios coloridos e da facilidade de gerar lucro, cresce uma preocupação: quem regula esse mercado? Quem lucra de verdade? Há transparência nos resultados e nas promessas feitas ao público?
CPI das Bets
Em novembro de 2024, o Senado Federal instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets. A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) foi a autora do requerimento. A CPI tem o objetivo de investigar a atuação das plataformas de apostas online, bem como as propagandas realizadas por influenciadores digitais. Uma das principais hipóteses é que as casas de apostas possuem ligação com a ilegalidade, como a lavagem de dinheiro.
Além disso, o impacto negativo que o vício em jogos pode causar em famílias de baixa renda também foi um dos pontos discutidos pela CPI das Bets. “Em países como o Brasil, onde a educação financeira é precária, essa propaganda funciona como um ‘atalho para a riqueza’ que nunca se concretiza”, completa Maria Alves. Para ela, é urgente que haja uma regulação mais severa e ética para o setor das apostas digitais.
Para prestar depoimentos à CPI, foram convocados alguns influenciadores digitais para falarem sobre suas relações com as plataformas de apostas: Virginia Fonseca, Daniel Pardim (representante da empresa Peach Blossom) e Deolane Bezerra dos Santos, onde todos compareceram. A comissão possuía, inicialmente, um prazo de 130 dias para concluir o trabalho, prazo que foi prorrogado para 14 de junho de 2025. O parecer da relatora, senadora Soraya Thronicke, foi rejeitado por quatro votos a três. Nenhum influencer foi indiciado.
Maria Alves também destaca que influenciadores e celebridades são usados como um “atalho de confiança”. “Quando alguém que o público admira e acompanha indica uma casa de apostas, cria-se a ideia de que aquilo é seguro, divertido e até aspiracional”, explica.
Com 541 páginas, o relatório final da CPI das Bets mantém a legalidade dos jogos de apostas esportivas, mas sugere uma regulamentação mais rígida.
Página 199 do relatório final da CPI das Bets. O pedido é que a regulamentação seja mais rígida, evitando “brechas” que possam ocasionar consequências negativas para os apostadores. Crédito: Gabriela Denkwiski
De acordo com Maria Alves, muitos criadores de conteúdo apresentam a aposta como uma forma de lazer, algo tão comum quanto assistir a uma série. “Isso é um problema: a percepção pública se torna distorcida. Não se trata mais de jogo de azar, mas de entretenimento, lifestyle e até oportunidade financeira. Isso banaliza o risco, especialmente para jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade financeira”, alerta.
O que diz a psicologia?
Mesmo que as bets sejam legalizadas, ainda há o perigo do vício, que pode ocasionar consequências negativas para quem joga e para a rede familiar do apostador, explica a psicóloga Nathalia Rocha. “O vício em jogos é compreendido como um comportamento aprendido e mantido por reforço, especialmente o reforço intermitente, quando a recompensa ocorre de forma imprevisível”. O apostador sempre fica na expectativa de receber uma recompensa, nesse caso, o dinheiro. Grande parte dos apostadores perde dinheiro ao longo das apostas: perde uma vez, depois tenta recuperar o dinheiro perdido e acaba perdendo mais uma vez.
Como tratado no primeiro capítulo da série de reportagens envolvendo os jogos de azar, as chances de perder são muito maiores do que as de ganhar. Quando o apostador perde, fica na expectativa de recuperar o dinheiro. “Esses pensamentos alimentam o ciclo do vício, gerando impulsos para jogar e dificultando o controle”, afirma Nathalia.
Para Maria Alves, o potencial de dano causado pelo vício em apostas online é alarmante. “Estamos falando de um produto viciante, com um modelo de negócios baseado nas perdas recorrentes do usuário”, afirma. Ela alerta que a publicidade massiva das bets, quando feita sem regulação adequada, contribui para a normalização do jogo e silencia os riscos envolvidos, como endividamento, ansiedade, depressão e até rompimento de laços familiares.
A psicóloga aponta que existem diversos prejuízos e impactos negativos na vida do jogador que possui vício nos jogos de azar, tais como: perda de dinheiro e patrimônio; perda de autoestima, que podem ocasionar crises de ansiedade e depressão; impactos sociais como a falta de interação com outras pessoas e, na maioria dos casos, o isolamento. Além disso, há consequências físicas para uma pessoa que está em constante estado de estresse, como insônia e negligência com a saúde.
As consequências causadas pelo vício em jogos de azar também impactam os familiares e amigos do apostador, que, ao verem a pessoa numa situação deplorável, na maioria das vezes não conseguem fazer nada para ajudar . Conflitos constantes, problemas financeiros compartilhados, perda da confiança e, em casos mais graves, a violência doméstica e o abandono, são algumas das complicações enfrentadas pela rede de apoio do apostador, conforme explica Nathalia.
Como superar o vício em apostas?
A superação do vício pode ser realizada por meio de tratamento e acompanhamento psicológico. Um profissional qualificado pode explicar como o vício funciona, para que o apostador tenha consciência que está viciado em jogar. A prevenção das recaídas e possíveis gatilhos é um dos pilares mais importantes para superar o vício, pois, ao dar-se conta que determinada situação pode desencadear a vontade de apostar, o profissional pode “elaborar estratégias alternativas” para que o apostador não recaía, segundo Nathalia. O apoio dos familiares é essencial para a superação.
Outra alternativa para realizar o tratamento e a superação, é frequentar as reuniões do grupo Jogadores Anônimos (JA). O grupo utiliza parâmetros semelhantes ao grupo Alcoólicos Anônimos, com abordagens de conversas entre os membros, compartilhando histórias de como parar de jogar e superar o vício. No Paraná, há dois grupos de JA, ambos em Curitiba: Grupo Vitória e Grupo Renovação.
Este texto integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata do crescimento do mercado de apostas online e o vício em jogos de azar. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Produção: Gabriela Denkwiski
Edição e publicação: Amanda Stafin
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão e publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado