Paraná gasta mais de R$150 milhões de reais com plataformas privadas na educação

Estudo aponta neoliberalismo digital na educação como extração de dados e controle algorítmico 

Na educação pública, especialmente no Paraná, o ensino está cada vez mais alinhado com a plataformização e à lógica de mercado. Empresas privadas têm o controle de informações dos alunos por meio das plataformas educacionais, é o que revela o estudo de autoria da geógrafa Carolina Batista Israel, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), intitulado  “Do trabalho digital ao ensino plataformizado: reflexões sobre os impactos do neoliberalismo digital” publicado na revista Terra Livre (2024)

O  levantamento aponta que, entre 2021 a 2024, o governo do Paraná destinou R$153.355.514,98 na contratação de plataformas educacionais privadas. De origem estrangeira, o Google Classroom (EUA), conhecido como “Sala Virtual Paraná”, soma três contratos que totalizam R$8.663.283,36. O contrato com a Education First (Suíça), plataforma “Inglês Paraná”, chega a R$31.479.168. Edutech (Brasil) possui quatro contratos que totalizam R$35.028.187,91; Leia Paraná (Espanha), R$16.555.563,63; Matific (Austrália), R$25.344.00; Quizizz (EUA), plataforma “Desafio Paraná” R$6.228.000; Power BI – Microsoft (EUA) R$5.261.472, 35. Existem, também, plataformas sem custo direto ao governo, como a Khan Academy, que tem laços estreitos com fundações empresariais como a Fundação Lemann, envolvida em parcerias educacionais e privatizações no estado. 

Créditos: Daniel Klemba

Tabela: Contratos com plataformas educacionais – Paraná (2021-2024)

Contrato Nº/ Ano Nome governamental Nome proprietário País sede Data Inicial Data Final Valor Contratado
757/2024 Sala Virtual Paraná Google Classroom EUA 13/02/2024 11/06/2024 R$ 5.065.993,44
598/2024 Edutech Alura Brasil 04/02/2024 03/02/2025 R$ 12.437.500
229/2024 Power BI – Microsoft Power BI – Microsoft EUA 24/01/2024 23/03/2024 R$ 4.118.132,35
Acordo de Cooperação n.º 2023000442  

Matemática Paraná

 

Khan Academy

 

EUA

 

29/01/2024

 

24 meses

 

Não se aplica

4900/2023 Sala Virtual Paraná Google Classroom EUA 27/09/2023 27/01/2024 R$ 2.597.339,52
1271/2023 Sala Virtual Paraná Google Classroom EUA 07/04/2023 05/08/2023 R$ 999.950,4
439/2023 Edutech Alura Brasil 03/02/2023 15/03/24 R$ 10.414.527,91
380/2023 Inglês Professor EnglishCentral EUA 24/01/2023 23/01/25 R$ 24.795.840
376/2023 Matemática Paraná Matific Austrália 24/01/2023 23/01/2025 R$ 10.368.000
19.467.575-

5/ 2022

Desafio Paraná Quizizz EUA 08/02/23 24 meses R$ 6.228.000
Acordo de Cooperação n.º 202200017 Matemática Paraná Khan Academy EUA 13/01/2023 12/2023 Não se aplica
5671/2022 Leia Paraná Odilo Espanha 21/11/2022 21/11/2025 R$ 16.555.563,36
2733/2021 Matemática Paraná Matific Austrália 13/07/2021 12/07/2025 R$ 14.976.000
2196/2021 Inglês Paraná EF Education First Suiça 28/06/2021 27/06/2025 R$ 31.479.168
358/2022 (005/2022

interno)

 

Edutech

 

Alura

 

Brasil

 

07/02/22

 

03/02/23

 

R$ 8.021.160

1687/2021 Edutech Alura Brasil 18/02/21 18/12/21 R$ 4.155.000
210/2021 (007/2021

interno)

Power BI – Microsoft Power BI – Microsoft EUA 28/01/2021 27/01/2023 R$ 1.143.340
          Total R$153.355.514,98

Fonte: Israel (org.), com dados do Portal da Transparência do Paraná, 2024.

Professora da UFPR e autora do artigo, Caroline Batista Israel denuncia que tais medidas impõem uma lógica empresarial à educação pública e promovem um modelo de ensino  baseado em metas, no qual o desempenho digital vale mais que o processo pedagógico. A pesquisadora alerta ainda para o colonialismo digital. Enquanto países do Sul Global consomem plataformas e tecnologias produzidas no Norte Global, seus dados e suas práticas educacionais passam a ser protegidas por empresas e fundações privadas.

A docente conta que começou a pesquisar as plataformas educacionais por conta de denúncias de professores da rede,  que estavam sendo impactados em 2022 pelo uso obrigatório das plataformas. Um dos exemplos é o kit Educatron, composto por TV e computador, usado para garantir que professores acessem as plataformas em sala s. “O próprio uso do kit Educatron é estimulado de forma mais incisiva pela Secretaria de Educação.Eles sabem se os professores ligam a TV, se acessam as plataformas durante as suas aulas. Tudo isso aparece para eles pelo  Power BI, uma interface que gera os gráficos de uso das plataformas e os gráficos de acerto dos alunos”. A pesquisadora enfatiza que a proposta é uma maneira de privatizar a sala de aula, na medida em que empresas privadas recebem dinheiro público.

A doutora em Educação, Gisele Masson, já entrevistada em outra reportagem desta série, destaca que a tecnologia, numa sociedade que se organiza a partir da desigualdade social,, tem sido empregada cada vez mais com uma forma para diminuir postos de trabalho em vez de reduzir o tempo de trabalho. “Existe uma humanização da tecnologia e uma coisificação humana, na medida em que nós somos os profissionais da educação, tornamos-nos meros reprodutores de uma lógica planejada por um grupo muito restrito de pessoas, que defende um projeto educativo que não está em consonância com uma formação humana, integral, das múltiplas potencialidades humanas”, completa a educadora. 

O professor da rede estadual do Paraná, Igor Veiga, reforça a privatização da educação por meio da plataformização: “É um projeto empresarial, que visa apenas realmente lucro de empresas”. Veiga acentua que os professores não são contra a tecnologia, mas sim críticos à maneira como está sendo implementada. 

Dados obtidos pelo APP Sindicato mostram que, em 2023, o Paraná tinha 27.464 professores admitidos via Processo Seletivo Simplificado (PSS). A pesquisadora Carolina Israel realça a instabilidade que professores não concursados sofrem e entende que o dinheiro destinado às plataformas poderia ser realocado para uma melhor condição de trabalho desses professores. “Temos uma condição precarizada dentro das escolas, qualquer valor que é destinado para plataformas, para empresas privadas, é um gasto desnecessário e supérfluo. Nós precisamos fortalecer, investir nos recursos públicos e no trabalho docente como um bem público, um trabalho público, antes de pensar em qualquer parceria privada”, conclui Israel.

Esta reportagem é o terceiro capítulo da série produzida durante o ano, sobre a plataformização na educação do Paraná. 

Produção: Amanda Grzebielucka

Edição e publicação: Daniel Klemba, Gabrieli Mendes, João Bobato, Rafaela Tzaskos e Yasmin Taques

Supervisão de produção: Hendryo André

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado

 

 

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