Paraná lidera casos de cyberbullying no Brasil

Crianças e adolescentes são as principais vítimas do cyberbullying. No Paraná, o problema é grave e a subnotificação dificulta ainda mais o enfrentamento. Foto Julia Almeida

O Paraná foi o estado com o maior número de casos de cyberbullying registrados no Brasil em 2024, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025. Foram 103 ocorrências notificadas formalmente às autoridades, o que representa quase um quarto dos 452 registros feitos em todo o país. Embora os números ainda sejam baixos para a proporção do problema, especialistas alertam que a subnotificação continua sendo um dos principais obstáculos no enfrentamento da violência virtual.

O cyberbullying é uma forma de agressão que ocorre por meio de redes sociais, aplicativos, jogos online ou qualquer outro ambiente digital. Comentários ofensivos, ameaças, disseminação de imagens vexatórias e apelidos pejorativos são algumas das práticas mais frequentes , principalmente entre adolescentes. Apesar de ter características semelhantes ao bullying tradicional, ele se diferencia pela amplitude, velocidade e permanência dos ataques na internet.

A professora Zilda Mara Consalter, especialista em Direito e docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), explica que a legislação brasileira define tanto o bullying quanto o cyberbullying como formas de violência classificadas sob o termo “intimidação sistemática”. Zilda complementa que a principal diferença está no meio em que ocorrem. “Se a conduta for praticada por redes sociais, jogos online ou aplicativos, passa a configurar o cyberbullying, com as mesmas características de crueldade, repetição e ausência de motivo aparente”, afirma.

Além disso, a prática tem sido potencializada pelo uso de tecnologias como a inteligência artificial, que permite a criação de imagens falsas, conhecidas como deep fakes, para humilhar vítimas. Essas novas formas de ataque preocupa juristas, que veem na IA um agravante no cenário da violência digital, ainda pouco regulamentado e de difícil controle.

De acordo com uma pesquisa da Intel Security, feita com 507 crianças e adolescentes brasileiros entre 8 e 16 anos em 2024, 66% disseram já ter presenciado ataques na internet. Entre os entrevistados, 21% afirmaram ter sofrido cyberbullying e 24% admitiram ter praticado algum tipo de agressão digital. As justificativas mais comuns foram a sensação de vingança, o desgosto pela vítima ou o desejo de acompanhar o comportamento de outros colegas.

A professora Zilda destaca que a legislação já prevê punições severas para algumas formas de ciberviolência. Um exemplo é a indução ao suicídio ou à automutilação por meio da internet, que hoje é considerado crime hediondo. Ainda assim, muitas vítimas deixam de denunciar por vergonha, medo de retaliação ou falta de confiança nas instituições. 

Como a restrição dos celulares nas escolas pode impactar nesse cenário? 

No ambiente escolar, a restrição ao uso de celulares, como a determinada pela lei 15.100 sancionada em 2025 no Paraná, pode ajudar a reduzir episódios de cyberbullying durante o horário de aula. No entanto, a professora Zilda alerta que ainda não há dados conclusivos sobre a efetividade da medida. “É uma iniciativa importante, mas não resolve o problema por completo, já que os ataques podem continuar fora da escola”, pontua.

Entre os principais desafios estão a identificação dos agressores, o acolhimento às vítimas e a conscientização da sociedade. Mudanças repentinas no comportamento, isolamento social e medo de usar a internet são alguns dos sinais que pais e professores devem observar, segundo a professora da UEPG. A docente reforça que muitos adultos ainda não compreendem a gravidade da situação. “Há quem diga que é ‘só brincadeira’, mas os impactos são profundos e, muitas vezes, invisíveis”, completa.

Como o bullying afeta a vida dos adolescentes

Em Ponta Grossa, o relato de Rosângela ilustra os efeitos do bullying vivenciado no ambiente escolar. Sua filha, Bruna  (nomes fictícios para preservar a identidade da família), aluna de uma escola privada da cidade, enfrentou uma série de agressões verbais e atitudes discriminatórias por parte de colegas de sala. “Minha filha sempre foi uma criança diferente. Ela foi diagnosticada com autismo nível 1. Apesar de ser loira, tem o cabelo muito crespo e tinha meninos que puxavam o cabelo dela e diziam que era nojento”, conta a mãe.

Segundo Rosângela, os episódios eram recorrentes e sempre comunicados à escola, que não tomava nenhuma providência. “Eles diziam que não viam nada ou que estava fora da alçada deles”, lembra. Aos 14 anos, Bruna era frequentemente excluída. Em uma viagem escolar no 9º ano, foi alvo de deboche por parte de outras alunas. O desconforto foi tão grande que ela decidiu voltar antes do fim da excursão, mesmo assim, o colégio tratou a situação como uma simples “brincadeira” entre colegas.

A mãe relata que o sofrimento da filha foi profundo. “Ela ficou muito fechada. Fiquei com medo de perder minha filha, de verdade. Ela estava muito deprimida e devastada com todas as agressões verbais”. A situação  só começou a mudar após a transferência para uma nova escola, onde Bruna foi bem acolhida, fez amigos e passou a receber acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

Para Rosângela, o que sua filha viveu dentro da escola poderia facilmente ter migrado para o ambiente digital, como ocorre em muitos casos de cyberbullying. “As escolas precisam entender que elas precisam tomar providências  em  relação aos comportamentos discriminatórios, preconceituosos, mas que são tomadas por brincadeiras. Piadas machistas, racistas e homofóbicas não podem ser toleradas.”

A história de Bruna mostra como os limites entre bullying e cyberbullying podem ser difíceis de identificar. A agressão pode começar presencialmente, mas se estender nos ambientes virtuais. O alerta serve para reforçar a importância de ações mais efetivas por parte das instituições de ensino e da sociedade como um todo. Afinal, tanto no mundo físico quanto no digital, o impacto emocional causado às vítimas é real e profundo.

Ficha técnica 

Texto: João Fogaça

Edição e publicação: Julia Almeida

Supervisão de produção: Hendryo André

Supervisão da publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado

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