Falta de diálogo entre professores e governador é motivo de embate
A relação entre docentes e o governo do Paraná está cada vez mais difícil. A falta de autonomia que os professores enfrentam, em decorrência da implementação de plataformas digitais obrigatórias nos colégios estaduais, é um dos problemas. A efetivação do uso dos recursos na rede estadual de ensino começou em 2022. As plataformas são: Leia Paraná, Redação Paraná, Desafio Paraná, Matific, Khan Academy, Inglês Aluno e Inglês Professor, Quizizz. Segundo o governo, elas atuam no desenvolvimento de leitura, escrita de redações, aprendizados em matemática, ensino da língua inglesa e realização de lições domiciliares.
Para os especialistas entrevistados, a plataformização da educação não dialoga com as necessidades da educação pública e serve, apenas, aos interesses mercadológicos do setor privado. A responsabilidade é transferida do Estado para empresas privadas, o que dificulta o diálogo entre sociedade, comunidade escolar, professores e alunos na elaboração de políticas públicas para a educação.
A doutora em Educação Gisele Masson protesta que os governantes do Paraná tendem a considerar professores como uma ameaça, o que se revela em imposições no trabalho dos educadores. “Governos que são conservadores tendem a considerar o professor como um opositor e não estão interessados em dialogar sobre os melhores caminhos para uma educação de qualidade. A relação é de oposição”. Ela ainda destaca que existe controle sobre a forma de ensinar, com ênfase na quantidade e não necessariamente na qualidade das atividades que são desenvolvidas através das tecnologias.
Masson destaca que o debate sobre a inovação na educação tem desconsiderado os problemas enfrentados pelos estudantes. “Os processos de precarização são muito evidentes. Ao mesmo tempo que se fala da inovação, não há condições de um inovador nas universidades e nas escolas. As instituições não têm nem tomadas e internet funcionando adequadamente”. A pesquisadora reflete que alguns estudantes não têm computadores, celulares e rede de internet própria para realizarem atividades em casa.
O presidente do Núcleo Sindical da APP-Sindicato em Ponta Grossa, Tércio Alves, está preocupado com a obrigatoriedade das plataformas na educação estadual. “O sistema não é o problema, mas a exigência do governo por resultados, o que tem nos deixado apreensivos”.
A Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (SEED) costuma publicar indicadores sempre positivos, como no caso deste texto: “[no] primeiro semestre [de 2024], mais de 9 milhões de atividades foram realizadas por estudantes da rede estadual de todo o Paraná na Matific. O número é 12% maior na comparação a 2023, quando 8 milhões de atividades foram finalizadas. Em acessos, a plataforma – nestes seis meses – registrou mais de 240 mil logins, superando os 237 mil realizados no mesmo período do ano anterior”.
Uma professora da rede estadual, que pediu para não ser identificada, afirma que a falta de diálogo entre os governantes e professores é o problema. “Nós não estamos questionando a utilização de recursos digitais na educação, mas a forma autoritária e abusiva como o Estado impõe as plataformas digitais sem sequer dialogar com o corpo docente e tampouco solicitar nosso feedback”. A professora entende que o governo estadual avalia apenas o número de acessos e tempo de login. “O aprendizado real não é medido assim”, desabafa.
A professora trabalhou com as plataformas Leia Paraná e Redação Paraná, e afirma ter sido angustiante. “Eram tantas metas a cumprir que parecia um ambiente empresarial. Não havia tempo para uma leitura prazerosa, para soltar a imaginação e escrever. Afinal, quem consegue fazer isso em 50 minutos de aula?”. A educadora afirma que, no mínimo, 15 minutos são gastos para fazer a chamada com reconhecimento facial e para levar os alunos até o laboratório de informática. “Ainda precisamos torcer para a internet funcionar. É caótico e insalubre”, expõe.
A educadora critica o ritmo de produção exigido. Segundo ela, os alunos não têm tempo suficiente para aprender os gêneros textuais solicitados e nem os professores para corrigirem todas as redações. “É uma eterna corrida contra os prazos”. Para ela, o aprendizado fica em segundo plano. “Os índices são apresentados com orgulho para manter a fachada de melhor educação do Brasil”, manifesta.
Entramos em contato com a SEED, mas não tivemos resposta até a conclusão da reportagem.
Você conhece a relação da comunidade docente e governantes?
No estado do Paraná, a relação entre os governantes e os professores é marcada por tensões e conflitos. Em 1988, no governo Álvaro Dias, os professores reuniram-se no Centro Cívico de Curitiba para reivindicar salários, melhores condições de trabalho, investimentos para escolas e contra as formas de violência praticadas pelos governos. Os docentes foram recebidos por cavalos, cães e bombas pelos policiais militares. O mesmo aconteceu em 2015, quando professores do estado foram ao Centro Cívico para reivindicar um projeto de lei que alterava a forma de custeio do sistema previdenciário estadual. O então governador, Beto Richa, liberou a ação de policiais militares contra os manifestantes com balas de borracha, spray de pimenta, cães e golpes de cassetetes.
O atual governo, de Ratinho Junior, é marcado pela falta de diálogo com a categoria.
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata da plataformização na educação do Paraná. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Texto: Amanda Grzebielucka
Edição e publicação: João Bobato e Yasmin Taques
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado
