Prefeitura recorre para liberar aumento salarial para até R$ 32 mil mesmo com decisão judicial contrária. Foto: Gabriele Proença
Mesmo com a justiça tendo barrado quatro vezes o pedido de aumento salarial para a prefeita, vice e secretários há oito meses, a prefeitura de Ponta Grossa ainda tenta reverter a decisão. A nova solicitação ao judiciário ocorreu em agosto, logo depois que a Câmara de Vereadores aprovou o aumento de tributos como Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), além de decretar corte de gastos (decreto número 22.697/2025) . Essa contradição levanta questionamentos sobre as prioridades da administração pública da cidade.
A nova tentativa de liberar os reajustes nos pagamentos partiu da secretária municipal de Administração, Isabele da Veiga Moro, que entrou com pedido à justiça para derrubar a liminar que suspende os efeitos da lei municipal nº 15.385/2024. A norma, sancionada no final de 2024, previa aumentos salariais de até 100% para secretários municipais e 56% para a prefeita e vice-prefeito. Se aplicada, a medida elevaria os salários da prefeita para R$ 32 mil, dos secretários para R$ 22 mil e do vice-prefeito para R$ 16 mil.
Ação popular contra o aumento
Os professores Sergio Luiz Gadini, Marcelo Engel Bronosky e Carlos Ricardo Grokorriski moveram uma ação popular contra a sanção do reajuste salarial. A proposta de aumento foi então considerada ilegal pela 2ª Vara da Fazenda Pública de Ponta Grossa e teve sua suspensão confirmada pelo Tribunal de Justiça do Paraná. O argumento é de que a lei viola o artigo 21, inciso II, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que proíbe a criação de despesas com pessoal nos 180 dias finais de mandato. Segundo Alisson Alves Pepe, advogado responsável pela ação popular, além do desrespeito à LRF, a prefeitura não apresentou nenhum estudo que mostrasse o quanto o reajuste poderia impactar nos cofres públicos.
De acordo com o professor de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Pedro Miranda, a insistência no pedido de liberação dos aumentos fere não apenas a LRF, mas princípios fundamentais da administração pública. “Segundo o princípio da moralidade, a administração deve agir de forma honesta, transparente e leal, buscando sempre o interesse público e o bem comum. E não me parece que o interesse público de aumentar salários já consideravelmente altos atenda o bem comum de Ponta Grossa”, afirma.
Aumento de impostos gera contradição
No final de julho, mesmo mês em que tenta liberar os reajustes, a Câmara de Ponta Grossa aprovou um pacote fiscal que altera a base de cálculo de diversos tributos. O principal deles é o IPTU, que poderá ter aumento de até 30% em 2026 e reajustes acumulados de até 20% nos anos seguintes. A votação foi feita em uma sessão extraordinária surpresa, fora da ordem do dia.
A alíquota do ITBI também subirá de 2% para 2,5%, e o desconto para pagamento à vista do IPTU foi reduzido de 15% para 5%. As mudanças foram justificadas pelo secretário da Fazenda, Cláudio Grokoviski, como “ajustes necessários” para garantir recursos para áreas como saúde e segurança.
A própria prefeitura estabeleceu cortes de gastos, a partir do decreto nº 22.697/2025, restringindo contratações, gratificações e uso de insumos, sob justificativa de contenção fiscal. No entanto, a administração insiste na tentativa de liberar os reajustes salariais dos altos cargos. Para o advogado da ação popular, a incoerência da gestão é evidente. “Para o contribuinte e para os servidores, o discurso é de sacrifício e aperto; mas para os cargos políticos do alto escalão, a prioridade continua sendo tentar viabilizar um reajuste já suspenso pela justiça”, ressalta.
Segundo Miranda, embora a necessidade no aumento da arrecadação possa ser legítimo, a contradição está na forma como os recursos públicos são priorizados. “Cobrar mais tributos, principalmente dos mais pobres, aumenta a desigualdade socioeconômica de um regime tributário já bastante regressivo”, destaca.
Posicionamento da prefeitura
A reportagem entrou em contato com a prefeitura de Ponta Grossa, por e-mail, em 29 de julho, solicitando entrevista ou posicionamento oficial sobre o pedido de liberação dos reajustes salariais feito pela secretária de Administração, as críticas sobre a violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e a relação entre o pacote de aumento de tributos e a política de gastos com pessoal. As perguntas enviadas trataram de temas técnicos e orçamentários, questionando, por exemplo, a existência de estudo de impacto financeiro dos reajustes e os objetivos da arrecadação com os novos tributos. Até o fechamento desta reportagem, no entanto, não houve qualquer retorno da prefeitura.
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata das contradições na política fiscal da prefeitura de Ponta Grossa. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Texto: Eduarda Gomes
Edição e publicação: Gabriele Proença
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão da publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado
