8.888 professores da rede pública solicitaram licença para tratamento de saúde no ano de 2024
Paulo Sergio Rufino, professor de matemática na rede pública do Paraná, no Colégio Estadual Cívico-Militar Frei Doroteu de Pádua, que dedicou 27 anos à profissão, acordou no dia 21 de maio de 2024 pensando que seria mais um dia normal de trabalho. Porém, no período da tarde, sofreu um infarto em sala de aula. Foi encaminhado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas não resistiu. Segundo pessoas próximas, Paulo estava aborrecido com as novas imposições do Estado sobre a educação.
“Eu via o Sérgio chorar por conta da educação. Por outra coisa ele não chorava, mas por conta da educação, sim. Não conheço ninguém mais comprometido que ele”, desabafa Sibele Schirlo, esposa do educador. Além do amor pelo ensino, Paulo estava irritado com as plataformas educacionais obrigatórias e imposições de metas. “Ele brigava muito, dizia ‘eu não levo [as crianças para o laboratório]’. Eles pressionavam. Até teve uma situação, uns 20 dias antes de ele morrer, em que o núcleo veio e ficaram na sala com ele, duas mulheres do núcleo, duas pedagogas da escola. Então, eles faziam de uma maneira que mexia com o emocional. Mas o Paulo era muito forte, então, ele deixou elas falarem o tanto que queriam, mas depois argumentou e explicou porque ele não levava e não iria levar as crianças para fazer as atividades na plataforma”. Sibele ainda acrescenta que era visível o cansaço do professor por conta das pressões. “Eu acompanhava o adoecimento dele com o passar dos anos, depois que entrou o governo do Richa, depois o governo do Ratinho. Eles foram tirando a autonomia do professor, foi ficando cada vez mais difícil trabalhar. E eu dizia para ele, ‘Sérgio, solte as rédeas, você vai morrer e vai ficar’”.
Cristiano Santos, professor e amigo de Sergio Rufino há 13 anos, conta como o novo modelo de educação tem sido imposto e como a obrigação por metas tem gerado uma cadeia de cobranças. “O professor Paulo defendia a escola e os alunos e, claro, os professores. Morreu porque entrou em embate com a direção do colégio. Podem dizer o que quiserem, mas foi menos de 24 horas após a discussão sobre como estão tirando a autonomia do trabalho do professor. A gestão das escolas do Paraná, os tutores e embaixadores, os NREs estão a todo momento pressionando, mas principalmente ameaçando de todas as formas possíveis. Qualquer semelhança com um regime ditatorial é a mais perfeita colocação”, declara. Santos também resiste à imposição das plataformas no ensino. Ele reclama que os alunos estão sendo empurrados para as séries seguintes e chegam praticamente analfabetos no ensino médio, o que explica os altos índices de aprovação propagandeados pelo governo. “São crianças; se dissermos que elas não precisam se comprometer com os estudos, óbvio que para elas está bom. Mas o preço disso, em um futuro próximo, como bem sabemos, é incalculável”, ressalta.
Um ano após o falecimento de Paulo, outras duas professoras faleceram em colégios da rede pública do Paraná. Silvaneide Monteiro Andrade, 56 anos, professora de Língua Portuguesa no Colégio Cívico-Militar Jayme Canet em Curitiba, faleceu na manhã do dia 30 de maio. O infarte fulminante teria ocorrido após ser cobrada pelo cumprimento de metas na sala da direção. Na seguinte, em 5 de junho, a professora Rosane Maria Bobato passou mal em sala de aula no Colégio Estadual Santa Gemma Galgani, em Curitiba, e veio a falecer.
Segundos dados da Secretaria de Estado da Administração e da Previdência do Paraná, obtidos via requerimento solicitado pelos deputados Ana Júlia Ribeiro, Luciana Rafagnin, Arilson Chiorato, Dr Antenor, Goura, Professor Lemos e Requião Filho, 8.888 professores da rede estadual solicitaram licença para tratamento de saúde.
Igor Veiga, professor da rede estadual em Curitiba, colega da professora Silvaneide, declara que não vê esperança no ensino. “A educação está virando um negócio. O governo vê o investimento como gasto”. Igor declara que a relação da categoria com o atual governo é pior do que nos governos anteriores. “Eu acho que com o governo Ratinho Júnior vivemos uma ditadura velada, é uma violência silenciosa. Uma violência mais violenta até do que no governo Álvaro Dias, do governo Beto Richa, porque agora ela é silenciosa”. O professor afirma que o problema não é a tecnologia, mas sua implementação. “Os professores têm que atingir metas. Somos fiscalizados a todo tempo. Se os alunos não acessam as plataformas, quem é cobrado é o professor. Se os alunos não fazem, não é nossa culpa”.
Igor destaca que as cobranças são constantes e os índices são colocados diariamente nos grupos dos colégios. “Os embaixadores das plataformas que trabalham no núcleo vão às escolas. Eles cobram os professores. Não sei qual é a linguagem que eles dirigem para os professores. Entendendo pelo o que aconteceu sexta-feira [se referindo à morte da professora Silvaneide], eu não acho que seja uma comunicação muito assertiva. Não é uma comunicação não violenta”, desabafa Igor.
A secretária educacional da APP-Sindicato, Margleyse Santos, expõe que é um projeto que acaba com a autonomia dos professores e afirma que as pedagogas também estão sendo cobradas diariamente. “É um projeto neoliberal, que quer metas e índices. Não importa o aprendizado e sim resultado do IDEB. Nós [sindicato] estamos acompanhando, no âmbito jurídico, com as plataformas zero, conversas com a SEED e estamos traçando outras estratégias para enfrentamento desse sistema. A professora Silvaneide foi chamada pela embaixadora que cuida da sua disciplina por cobrança das suas plataformas. Não é culpa das pedagogas e da direção, mas sim de um sistema de metas, índices de um projeto do Ratinho e do secretário Roni”, afirma. A secretária criticou o projeto do governo, que, segundo ela, promove o adoecimento e a sobrecarga dos profissionais da educação. “Nossa expectativa é que o governo recue nesse projeto de adoecimento, cobranças, que as plataformas sejam instrumento de apoio pedagógico e não de cobrança. Estaremos na luta para defender uma escola pública de qualidade e professores e funcionários valorizados”, ressalta. Margleyse ainda informa que o sindicato está acompanhando o caso da professora Silvaneide e está também recebendo denúncias pelo telefone e email da APP e, também, pelos agentes estaduais e regionais.

manifestação dos professores contra as plataformas após morte de professoras em Curitiba. Foto: Lorena Santana
A repórter entrou em contato com membros da secretaria da educação via whatsapp, foi orientada a enviar e-mail para SEED. Mesmo com mais de uma tentativa a SEED não respondeu nenhum dos e-mails. A equipe de reportagem também entrou em contato com o governo, mas até o fechamento desta materia não obtivemos resposta.
Esta é a segunda reportagem que integra uma coletânea do livro-reportagem investigativo. Este capítulo trata da plataformização na educação do Paraná. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Texto: Amanda Grzebielucka
Edição e publicação: Emanuely Almeida e Ester Roloff, Gabrieli Mendes
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado
