Modelo de ensino compromete o acesso ao ensino superior ao reduzir disciplinas e restringir o contato dos alunos com áreas fundamentais do conhecimento. | Foto: Gabriele Proença
Desde a implementação do novo ensino médio nas escolas brasileiras, em 2022, uma figura central do processo educacional passou a enfrentar novos desafios sem a devida preparação: o professor. Com a chegada dos chamados itinerários formativos, aumentaram não só as atribuições, mas também a insegurança e a sobrecarga dos docentes, especialmente na rede pública.
Mas, afinal, o que são os itinerários formativos? São conjuntos de disciplinas, projetos, oficinas e núcleos de estudo que os alunos podem escolher dentro da nova organização curricular. Eles fazem parte da proposta do novo ensino médio, que tem como objetivo flexibilizar o currículo e permitir que o estudante aprofunde seus conhecimentos em áreas de maior interesse, como linguagens, Matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou formação técnica e profissional.
Na prática, no entanto, a implementação desses componentes tem ocorrido de forma desigual pelo país. No Paraná, por exemplo, professores da rede estadual passaram a lecionar disciplinas dos itinerários como Educação Financeira, Projeto de Vida, Mídias e Tecnologias e Empreendedorismo, muitas vezes sem terem recebido formação específica sobre os temas ou metodologias adequadas.
“No meu caso, me falaram que eram aulas de Filosofia e fiquei sabendo que era itinerário formativo apenas quando cheguei na escola”, relata o professor de filosofia John Endrew Gomes. O profissional declara que a diminuição da carga horária de disciplinas consolidadas há anos é uma falta de respeito com os profissionais da área, e afeta a fonte de renda dos professores dessa disciplina, mesmo quando responsabilizam-se por disciplinas dos itinerários formativos. “Não quer dizer que esses professores vão conseguir manter a mesma carga horária, ou mesmo que eles estão dispostos a trabalhar com conteúdos que muitas vezes são diferentes do que eles estavam acostumados”, analisa Gomes.
Além da falta de preparo, a sobrecarga também é apontada como uma das principais queixas. Como os itinerários não seguem a lógica tradicional das disciplinas, muitos professores precisam montar suas próprias aulas do zero e conciliar com as demais responsabilidades, como correção de provas, planejamento, reuniões pedagógicas e turmas regulares.
Para Andrea Rosane de Souza, integrante do Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), a sobrecarga e precarização das condições de trabalho dos professores são os maiores problemas enfrentados pelos docentes no novo ensino médio. “Tem colegas que, para manter sua jornada de 30 aulas, assumiram três ou quatro matérias diferentes em até cinco escolas”, afirma. Ela também aponta a perda de carga horária das disciplinas de humanas e o acúmulo de áreas como fatores que afetam a qualidade do ensino. “Outra dificuldade é em relação ao objetivo da educação: nossos estudantes ficaram sem oportunidade de contato e trabalho com todas as áreas do conhecimento, afastando ou prejudicando o acesso deles ao ensino superior”, acrescenta.
De acordo com o relatório final da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), entregue ao Ministério da Educação em junho de 2023, uma das principais fragilidades do novo ensino médio é justamente a falta de preparo docente para lidar com os itinerários formativos. O documento aponta que muitos professores relatam sobrecarga de trabalho e ausência de formação específica, o que compromete a qualidade do ensino.

Professores lecionam novos temas, como Empreendedorismo, sem formação específica. | Foto: Gabriele Proença
Para o pedagogo Cassio Ajus da Silveira, a proposta dos itinerários formativos é interessante, mas na prática gera uma dificuldade para os professores, o que, consequentemente, impacta na qualidade do ensino. “Algumas matérias ficaram meio que para completar a carga horária do professor. É uma deficiência do novo ensino médio”, avalia o pedagogo do Colégio Estadual Regente Feijó. O especialista afirma que muitos professores perderam horas de trabalho que estavam em contrato e precisaram migrar para os itinerários formativos.
Desafios para alcançar a meta do Plano Nacional de Educação
A Taxa Ajustada de Frequência Escolar Líquida (Tafel) do ensino médio brasileiro foi de 75% em 2023, enquanto a evasão escolar atingiu 5,7%, segundo dados da pesquisa Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2024 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses números acendem um alerta diante da Meta 3 do Plano Nacional de Educação (PNE), que tem como objetivo assegurar que, até 2024, 85% da população de 15 a 17 anos esteja matriculada no ensino médio, na etapa adequada à sua faixa etária.
O PNE, instituído pela lei 13.005/2014, estabeleceu esse prazo como uma diretriz fundamental para ampliar o acesso e a permanência dos jovens na escola. A um ano do encerramento do plano, os dados mostram que o país ainda enfrenta grandes desafios para garantir esse direito básico. Ainda segundo a pesquisa do IBGE, até 2023, 9,1 milhões de jovens de 15 a 29 anos não concluíram a educação básica.
O MEC já anunciou ajustes na política do novo ensino médio e prometeu investimentos em formação continuada para docentes. Enquanto as promessas não se concretizam, muitos professores seguem no improviso.
Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem investigativo sobre a reforma do ensino médio. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.
Ficha técnica
Produção: Gabriele Proença
Edição e publicação: Amanda Stafin, Fabrício Zvir, Maria Cecília Mascarenhas e João Bobato.
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão e publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado
