O movimento é uma forma de manifestação artística e expressa a pluralidade das relações de identidade e pertencimento
Ele é resistência, cultura, música, mas também é dança. O samba é grande demais para ser considerado apenas uma coisa. É expressão cultural daquilo que agita a alma do povo brasileiro, enraizado nas histórias mais antigas do país. De geração em geração, é um tipo de resistência e de identidade daqueles que sentem o calor dessa arte correr pelas veias.

Escola de samba Unidos da Furiosa representam parte do legado carnavalesco de Ponta Grossa. Foto: Fernanda Matos
Nas diversas formas em que se manifesta, o samba está presente em todo canto, nos palcos, na magia do carnaval ou até mesmo nas rodas de conversas. Os bares são responsáveis por valorizá-lo. Em Ponta Grossa, por exemplo, o Botequim da XV, o Tabacabeça, o Engenho 227 Cachaçaria, o Bonni Quintal, o Boteco da Estação ou o Olga Botequim são alguns dos lugares que levam essa cultura adiante. O músico, Marcos Teixeira, entrega ritmo e samba nesses espaços. Nascido em uma família de sambistas, teve contato com isso muito cedo, com os avós que eram da escola de samba chamada Estação Primeira de Mangueira, do Rio de Janeiro. Para ele, o samba é cultura. “Por mais que tenha havido modificações, é genuinamente brasileiro. Expressa a alegria de um povo que faz da vida uma arte.”

Marcos Teixeira é cantor e reconhece o samba como amor e algo que faz parte da rotina de sua vida. Foto: Fernanda Matos
Histórias do samba na cidade não faltam. Em 2004, o professor de português André Rosa e mais quatro amigos formaram o grupo Cabide de Mulambo. A última vez que eles tocaram foi em 2008, mas segundo ele, através das canções, conseguiram reviver o samba na cidade. E com a vivência no movimento sambista, ele relembra as histórias que seu pai contava sobre isso. “Na década de 60 existiam muitos bailes na cidade. As pessoas iam naqueles casarões de madeira e se reuniam em torno de uma roda de samba onde uma senhora fazia o ritmo com uma vassoura de piaçava.”
O professor reforça que há outro lado do samba além do que é para a maioria das pessoas, que faz parte de uma trilha sonora que deixa a vida mais feliz. Para ele, tem muitas letras que mostram que o samba é como uma válvula de escape porque fala da tristeza, quase sempre melancólico. “Tem aquela alegria cheia de esperança, mas quando se tem uma alegria que precisa ter esperança é porque se está vivendo uma situação que não é esperançosa”. Para André Rosa, de certa forma, o samba espelha a sociedade. “Ele é uma expressão social das dificuldades, da tristeza, da vida do pobre e também da fome”.
A história do samba está internamente ligada com o que é o Brasil. O professor e historiador Felipe Soares explica que a manifestação cultural e social do samba está atrelada às décadas pós-abolição da escravatura, pois os povos africanos deram potência a uma forma de agir e pensar através das congadas, dos tambores e das danças de jongo que, ao se mesclar, tornaram-se muito próximo do que é o samba criado na transição do século XIX para o XX. “É uma manifestação potente da cultura afro-brasileira. O samba é um produto de um Brasil que tentava se identificar e se redescobrir depois da escravidão”, pontua.
A criação do samba também tem ligação próxima com as religiosidades africanas. O professor também menciona que as primeiras rodas de samba nasceram no terreiro da Tia Ciata, uma mãe de santo do centro do Rio de Janeiro, próximo da Praça Onze, região muito habitada por afro-brasileiros. “Ela abraçava as pessoas que frequentavam seu terreiro e protegia o samba para que ele tivesse espaço”, detalha Soares.
O samba ganhou cada vez mais lugar, antes visto como algo a parte da sociedade ou até mesmo ilegal, conquistou força e resistencia, principalmente por parte das pessoas negras ou daqueles que são de religiões de matriz africana. O professor pontua, ainda, que durante muito tempo, Ponta Grossa tentou esconder as manifestações do samba e da cultura afro-brasileira ao forjar uma identidade branca, ligada às tradições europeias. Entretanto, é inegável que fazem parte da memória, porque, no mínimo, desde dos anos de 1940 existem grupos e escolas de samba na cidade. “A região foi palco da chegada de muitos africanos. Não dá para negar isso e eles também trouxeram os sonhos, culturas, filosofias e as maneiras de ser e estar no mundo”, reafirma.

Religiões de matriz africana são destaques para a história e para a resistência do samba. Foto: Fernanda Matos
As maneiras que o samba encontra para mostrar que está vivo na cidade são distintas, mas isso se expressa por meio dos botequins, comércio, das rodas de samba ou dos próprios artistas que espalham essa arte. Há projetos culturais que colaboram para a difusão do que é essa manifestação, como é o caso do Samba & Brasilidades PG, criado pela professora e mestre em economia, Cibele Peres, e pela sua filha, Aimê Sprotte, mestranda da área. O projeto foi criado com o objetivo de unir uma comunidade de pessoas que gostam de samba, de sair em bares da cidade para apreciá-lo e fortalecer a cena cultural e local. “Éum incentivo à economia da cidade, gera renda para os donos dos bares, para os músicos e para a galera que faz as pessoas serem felizes”, observa Aimê.
O samba gera renda, mas também constrói relações de proximidade entre as pessoas. “É uma relação de amor e esperança que quando tudo está ruim, é ir para um espaço onde o samba resiste, que tudo se renova”, diz a mestranda. Como ele se manifesta em muitos locais, segundo a Fundação Cultural Palmares, é possível distinguir alguns tipos de samba que cria união entre o povo, entre eles: samba-enredo, carnavalesco, de breque, de gafieira ou, também, o sambalanço e o samba-rock.
Cultura, manifestação do corpo e da mente, resistência e memória são características marcantes dessa arte. Em cada batida é uma voz que é ouvida. “Quem não gosta de samba bom sujeito não é. Ou é ruim da cabeça ou doente do pé…” Essa música de Dorival Caymmi que leva o título Samba de Minha Terra, traduziu que o estilo musical é uma referência de força e identidade.
Ficha técnica:
Produção: Fernanda Matos
Edição e publicação: Rafaela Tzaskos e Yasmin Taques
Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza
Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar
