De acordo com a Fundação Perseu Abramo, uma a cada quatro pessoas que gestam passam pela violência obstétrica
“Eles amarraram os meus braços e disseram que era parte do procedimento”. Esse foi o relato de Fernanda Moll Comotti, de 21 anos, mãe de gêmeos, estudante de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa e estagiário do Hospital Universitário Materno Infantil. Desde o começo não teve o seu plano de parto respeitado, passou por uma cesárea desrespeitosa e não teve o direito de ter um acompanhante. Na hora da anestesia, foi amarrado com a justificativa de que fazia parte do processo para conter possíveis reflexos. “Eu não queria ter passado por tudo isso sozinho”.
A hora de ouro é o primeiro contato da mãe com o bebê. Ele é importante para que o recém-nascido sinta a presença da mãe e libere hormônios que trazem benefícios. De acordo com o Observatório da Saúde da Criança e do Adolescente, esse momento só deve ser evitado caso haja alguma alteração clínica que demande cuidados com o bebê. No caso de Fernanda, o apgar – teste que avalia a saúde do bebê após o parto – registrou 10 pontos (resultados abaixo de 07 pontos exigem cuidados adicionais), mesmo assim, não o deixaram ter o primeiro contato com os filhos. “Eu sabia que estava sofrendo violência obstétrica, só que era um momento em que eu estava vulnerável. Na hora do parto, não temos forças para nos defender”, explica Fernanda.

Após ser amarrado durante o parto, Fernanda conta sua experiência e denúncia práticas abusivas que são naturalizadas. Foto: Isabele Machado
O trauma após o parto
Jucelia Marcondes, residente de Ponta Grossa, trabalha como funcionária pública, é casada e tem três filhos. Ela passou por dois partos normais e uma cesárea. No primeiro parto, que ocorreu quando ela tinha 19 anos, não teve acompanhante e ainda passou pela episiotomia, corte realizado entre a abertura vaginal. Segundo Jucelia, as enfermeiras a deixavam desconfortável. “Fui constrangida. Depois é tudo difícil, muito complicado de lidar, tanto que levei oito anos para ter filho outra vez”. Com 28 anos, em sua segunda gestação, novamente passou por tudo sem acompanhante. “Não tinha ninguém para me defender ou me ajudar a ir ao banheiro”, relata.
Outro caso é o de Silvana Marcondes, que passou por três gestações. Em duas, sofreu violência obstétrica. O primeiro parto aconteceu por volta das 20 horas. Silvana dividia o quarto com outra mulher em trabalho de parto, que gritava de dor. Silvana foi avisada pela enfermeira que se fizesse o mesmo, seria amarrada na maca e teria sua boca tampada. “Mesmo sozinha e com dor, me mantive calada e sofri bastante”, desabafa. Além disso, ela também passou pela episiotomia, o corte realizado entre a abertura vaginal para “facilitar” a saída do bebê.
Seu segundo parto foi interrompido porque as contrações haviam parado. O ideal seria realizar uma cesárea. Porém, como o bebê já estava coroado – quando a cabeça do recém-nascido já está aparecendo – a equipe médica prosseguiu com o parto normal, momento em que aconteceu a violência obstétrica. “Já não havia mais tempo para fazer a cesárea. As enfermeiras se apoiaram em mim e empurraram a minha barriga, até que meu bebê veio ao mundo. Ele nasceu, às 11h55, mas foi direto para o oxigênio. Só consegui pegar ele às 20 horas”.
A violência obstétrica pode ocorrer de forma física, psicológica ou verbal, desde comentários desagradáveis até procedimentos médicos desnecessários. No Brasil, uma em cada quatro mulheres já sofreu violências no parto, é o que diz a Fundação Perseu Abramo.

Lucelia levou oito anos para ter filhos novamente devido a experiência negativa no primeiro parto. Foto: Isabele Machado
Ficha técnica
Produção: Isabele Machado
Edição e publicação: Ester Roloff, Emanuely Almeida e Sabrina Waselcoski
Supervisão de produção: Hendryo André
Supervisão e publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado
