Violência obstétrica: a dor além do parto

 Levantamento da Fiocruz revela que mulheres pretas e pardas possuem maior risco de não terem seus direitos respeitados. Foto: Isabele Machado

No Brasil, cerca de 45% das mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) passaram por algum tipo de violência obstétrica, enquanto no hospital privado a taxa de mulheres que sofreram maus tratos no parto é de 30%,  mostra o levantamento feito pela Fiocruz. A pesquisa Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre o parto e o nascimento, acompanhou quase 24 mil mulheres em estabelecimentos de saúde públicos e privados entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012. Ao todo foram 266 hospitais de 191 municípios, onde 90 puérperas foram entrevistas em cada um dos estabelecimentos. 

De acordo com a cartilha digital da Defensoria Pública, violência obstétrica é qualquer ato realizado pela equipe de saúde que ofenda a integridade física, psicológica e sexual da gestante no pré-parto, parto, pós-parto e no período puerperal, ou seja, qualquer forma de desrespeito à mulher e ao seu corpo. Pode ser manifestada por meio da violência verbal, física, sexual ou por procedimentos desnecessários.

Tipos de violência obstétrica

Tratar a gestante de forma agressiva, minimizar e zombar da sua dor e recriminar reações emocionais ou físicas como chorar, gritar e ter medo, são práticas que configuram violência verbal e psicológica.

Além das agressões verbais, a violência obstétrica também pode aparecer através de procedimentos médicos desnecessários e sem o consentimento da mulher – práticas como a lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, cortar o períneo (episiotomia), a arriscada manobra de Kristeller, que é quando a pessoa que está ajudando no parto empurra a barriga da gestante, cesarianas induzidas sob pressão, privar a parturiente de água e comida, entre outras coisas.

Gesica Santos, mãe de três filhos, relata que em seus dois primeiros partos, realizados pelo SUS, sofreu diversos tipos de violência obstétrica. Ela conta que foi submetida à manobra de Kristeller, quando a enfermeira pressionava sua barriga com força. “A enfermeira vinha em cima de mim e apertava minha barriga, mas isso não ajudou em nada, só serviu para me machucar”, lembra. Ela também passou por uma episiotomia sem consentimento, levou 12 pontos e não teve o direito a um acompanhante. Além disso, enfrentou complicações que resultaram na fratura da clavícula do bebê. “Eles me machucaram muito, nem me perguntaram se podiam me cortar, apenas fizeram”, desabafa. 

Em contraste, Gesica teve uma experiência mais positiva em seu terceiro parto, realizado por cesariana em um hospital privado. Segundo ela, o tratamento foi mais humano.

A mãe de três filhos, Gesica Santos, passou por dois partos normais pelo SUS, e uma cesariana no hospital privado, onde segundo ela, o tratamento foi mais humano. Gesica conta que em seu primeiro parto sofreu com a manobra de Kristeller. “A enfermeira vinha em cima de mim e apertava minha barriga, mas isso não ajudou em nada, só serviu para me machucar”. Além disso, Gesica passou pela episiotomia e não teve o direito ao acompanhante, precisou passar por tudo isso sozinha e ainda teve complicações que levaram a criança a nascer com a clavícula quebrada. “Eles me machucaram muito, levei doze pontos e nem me perguntaram se podiam me cortar, apenas fizeram”, relata.

A Coletiva de Doulas de Ponta Grossa leva  o tema da violência obstétrica para dentro de rodas de gestantes, onde muitas mulheres descobrem que já passaram por alguma forma de violência. Nesses casos, essas mães são acolhidas e  depois aconselhadas a fazer a denúncia, mesmo que já tenha se passado muito tempo do ocorrido. “Sempre falamos que tanto a gestante quanto o acompanhante precisam estar bem preparados para a prevenção da violência obstétrica, mesmo que isso não garanta que ela não passe por essa situação”, ressalta a doula e educadora popular Juliane Carrico.

A advogada Ruth Rodrigues, especialista em violência obstétrica, explica que o primeiro passo para realizar a denúncia é pedir a cópia do prontuário. Depois, fazer uma reclamação na ouvidoria do hospital, e, então, procurar um advogado especialista. “Nem todos os casos precisarão ir para a parte criminal, assim como nem todos terão soluções administrativas. É preciso analisar estrategicamente cada caso”, diz Ruth.

Esta reportagem integra uma coletânea de livro-reportagem. Este capítulo trata da violência obstétrica no Brasil. Leia o capítulo anterior aqui. Acompanhe no Periódico as próximas publicações.

Ficha técnica 

Produção: Isabele Machado

Edição e Publicação: Anna Perucelli

Supervisão de produção: Hendryo André

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado

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