Caminhos de Tropas no Paraná – século XIX

Caminhos de Tropas no Paraná – século XIX

Nota Introdutória

O verbete aqui analisado –“Caminho de Tropas” – tem dois objetivos bem definidos e, em nosso olhar, esclarecedores. Dar uma pequena dimensão do tamanho da atividade tropeira em alguns números e apresentar um conjunto de informações sobre os caminhos que cruzavam o Paraná descritos logo após sua emancipação política, em 1853.

Os Campos Gerais do Paraná têm sua história intimamente atrelada ao tropeirismo. Vamos partir deste consenso. Apenas vamos, a princípio, situá-lo melhor. No belíssimo texto de Suprinyak (2008) sobre a circulação de animais no Registro de Rio Negro entre 1830 e 1869 – ou seja, colocando o período que aqui será analisado, 1856, dentro exatamente do mesmo contexto – o autor analisa a documentação relativa aos registros de Rio Negro e a barreira de Itapetininga, revelando a estrutura do sistema de comercialização de animais de carga – muares e cavalares.

Ao lermos Suprinyak ficamos sabendo que neste período (1830-1869) entre muares, cavalos e éguas, circularam 1.608.189 animais, com média anual de 49.235 animais. O tamanho médio das 2.572 tropas que passavam pela barreira de Itapetininga era de 263,63 animais e em Rio Negro de 228,21 para um total de 2.929 tropas. Elabora ainda “três diferentes modalidades de participação no mercado de animais: condutores de tropas, proprietários de tropas e fiadores” (SUPRINYAK 2008, p. 336) e as informações precisas contidas na documentação “data da passagem; quantidade de animais conduzidos de cada espécie (bestas muares, cavalos e éguas); valor recolhido em direitos; nomes do proprietário, do condutor e do fiador da tropa; locais de origem do condutor e do fiador; local onde a tropa era invernada.” (IDEM, p. 323). Desta feita o autor indica com clareza o papel fundamental da região dos Campos Gerais e de Castro na dinâmica tropeira. Esta observação nos obriga a refletir que a maior parte dos caminhos, sessões e ramais indicados no Relatório do Vice-Presidente da Província Henrique de Beaurepaire Rohan (1856) dão conta exatamente da centralidade de Castro também neste processo. As estradas partem ou chegam até Castro. E se circulavam animais, igualmente circulava dinheiro. E circulava muito dinheiro. Num texto de Maria Petrone (1976) é indicado que por volta dos anos da independência, aproximadamente 5% de todo o capital circulante no Brasil estava empatado em negócios de bestas e reses.

Nossa observação final nos impele a problematizar exatamente esta posição de destaque que o binômio tropeiros-Castro desempenhou na formação de muitos aspectos da sociedade do Paraná em sua fase de 5ª. Comarca ou Provincial, entre 1853-1889.  A leitura do relatório indicou agudamente isso pois as referências mais expressivas quantitativamente eram sobre os caminhos que ligavam Castro nestas rotas tropeiras, mais, inclusive, que os caminhos que ligavam litoral, com Paranaguá e Morretes, até a capital, Curitiba. Lembremos apenas que o que circulava entre estes dois pontos também se fazia nos lombos de mulas, ou de escravos.

Não são estradas, são trilhos mais ou menos transitáveis

A Província do Paraná havia sido recém-criada, apenas 3 anos antes, quando em 1856, seu Vice-Presidente Henrique de Beaurepaire Rohan apresentou um detalhado relatório sobre as condições da mesma. Num longo documento de 193 páginas o engenheiro militar, bacharel em física e matemática, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, futuro presidentes das Províncias do Pará e da Paraíba, futuro Ministro da Guerra detalhava em 41 títulos as questões centrais da jovem província. Optando por não fazer mais digressões biográficas queremos apenas registrar, e isso justifica a opção neste texto, nossa concordância com Rufino Gillies (2002 p. 19) para quem:

Beaurepaire não foi uma figura heroica ou polêmica – o que, de qualquer forma, não é o que as pesquisas históricas de hoje em dia privilegiam -, tanto quanto alguém cujas ideias, propostas e atuação permitem penetrar dentro da sociedade, do universo do qual fez parte.

Por isso acabamos encontrando um número relativamente pouco expressivo de obras que se referem a este personagem e, acaba facilitando a opção por fazer uma definição bem centrado no seu relatório e observações sobre o caminho das tropas no Paraná. Uma nota essencial a ser destacada aqui, então, é indicar que nosso verbete vai apenas descrever e indicar alguma breve reflexão de um documento oficial que se refere a uma atividade econômica essencial no Brasil Colônia e Império: o tropeirismo.

A frase acima que abre este tópico do verbete, levemente modificada, é exposta logo no primeiro parágrafo do título do relatório de Beaurepaire Rohan intitulado “Estradas”. Entre as páginas 116 e 149, Beaurepaire Rohan, então Vice-Presidente da Província vai traçar um quadro bastante preciso sobre as condições de trafegabilidade pelo território paranaense e o quadro que desenha é pouco elogioso. Diz ele acreditar que um dia estradas de ferro iriam cortar o território paranaense, mas, naquele momento, com poucos recursos disponíveis, melhorar as condições de tráfego ou alçar as estradas ao nível das europeias não passava de um sonho. Para ele, tudo naquele momento consistia em:

Melhorar as que existem, quanto a seus declives longitudinais, de modo a facilitar a rodagem; consolidar os terenos menos consistentes, por meio de materiais de fácil aquisição; abrir novos trilhos, que ponham em relação as nossas diversas populações, tal deve ser na atualidade a mira daqueles que tem a seu cargo promover o bem estar da nossa agricultura, do nosso comércio, e em geral de todos os ramos de nossa indústria. (BEAUREPAIRE ROHAN, p. 116).

Sendo assim, fica muito nítida que sua preocupação se centrava exatamente naquilo que era um papel elementar desempenhado pelos tropeiros, afinal, em torno destes, grande parte do comércio e circulação de mercadorias se desenvolvia, o contato entre a população de diferentes regiões do estado se dava e a agricultura também de articulava intensamente com a atividade do tropeirismo negociando víveres com estes ou fazendo circular a produção.

Antes de passar a descrição propriamente dita dos caminhos, diz que o conhecimento das condições mais objetivas das estradas e atalhos que cruzavam o território paranaense era questão que se fazia sensível, com reclamações constantes vindas de diversas regiões solicitando melhoras ou aberturas de novos trechos. Lembra que tudo seria mais fácil com uma carta de reconhecimento (topográfica), que havia tentado atribuir tal tarefa ao engenheiro Frederico Hégreville, mas que o mesmo foi transferido para outra comissão provincial. Desta forma apenas daria conta do que existia e das necessidades já identificadas.

A Estrada Geral das Tropas

Uma primeira consideração necessária nesta reflexão. O trecho total considerado da Estrada Geral das Tropas considerava o trecho até Lages, onde se adentrava no território catarinense. E, ao longo do seu relatório, Beaurepaire Rohan vai retomar a questão dos limites e apontar os desentendimentos com o governo de Santa Catarina, mas não vamos nos aprofundar nisso aqui.

É a partir do seu relatório que vamos entender como o governo provincial concebia as Estrada das Tropas, suas divisões e subdivisões, o estado de conservação e apresentação de cada trecho bem como os melhoramentos necessários, indicando ainda as respectivas distâncias percorridas em cada setor.  A primeira informação destacada é que a distância total percorrida neste caminho era de 67 léguas. Se considerarmos a lição de Iraci Del Nero Costa (1994), pensando a medida de légua para o período colonial brasileiro, teremos: cada “polegada” era equivalente a 2,75 cm e a relação sendo a seguinte relação: 1 légua = 3 000 braças = 6 000 varas = 30 000 palmos = 660 000 centímetros = 6. 600 metros, temos a distância total deste caminho de 442,2 km.

A distância total era dividida em 7 seções, sendo cada uma delas:

– 1ª. Seção: de Itararé até Jaguariaíva, percorrendo 9 léguas e sem nenhuma comunicação que permitisse alguma observação;

– 2ª. Seção: De Jaguariaíva até Castro, percorrendo uma distância 14 léguas e que maiores informações receberam um tratamento especial.

– 3ª. Seção: de Castro até Ponta Grossa, percorrendo uma distância de 7 léguas, sendo que seu estado era péssimo, notadamente no Passo do Taboão, onde seria necessária a construção de uma ponte.

– 4ª. Seção: de Ponta Grossa até Palmeira, com distância total de 7 léguas e não apresentava nenhum detalhamento sobre seu estado de trânsito.

– 5ª. Seção: de Palmeira até Príncipe (Lapa), com distância de 9 léguas. Para tal caminho a câmara de vereadores indicava a necessidade de criar um atalho, desde o rio Iguaçu até a Vila Nova, melhorando muito o trânsito e encurtando a distância em 1 ½ légua.

– 6ª. Seção: do Príncipe ao Rio Negro, com distância de 8 léguas. A estrada se achava em péssimo estado de conservação, precisando de uma ponte sobre o rio Negro e reparos na ponte do rio da Várzea, além de aterramento.

– 7ª. Seção: do rio Negro até o rio Canoinhas, com extensão de 13 léguas. Esta seção tinha melhoramentos propiciados por Francisco Xavier de Assis, que também havia sido responsável pelas melhorias realizadas na 6ª. Seção.

Além deste caminho os tropeiros também trafegavam por Castro contava ainda com outros dois ramais importantes: uma que seguia até o Jathaí com 36 léguas, sendo uma ramificação do Caminho das Tropas e sendo muito útil para a comunicação como Mato Grosso; outra que seguia de Castro até Tibagi e com 10 léguas de extensão, sendo classificada como uma pequena ramificação do Caminho das Tropas. Este trecho, por seu péssimo estado de conservação, necessitava de 100 mil réis para reparos na Serra do Guarassoiava[1].

A Província contava ainda com a estrada de Guarapuava até Palmas e é considerada importante ramificação do Caminho das Tropas. Partindo de Castro se estendia por 81 léguas, de Ponta Grossa 77 léguas e de Palmeira por 73 léguas, sendo que se reuniam todos no Passo da Balsa, no rio Tibagi. Assim surgia um trilho comum para Guarapuava, reunindo-se ao de Palmeira no Campo do Cupim.

Concluindo os caminhos de tropas descreve o ramal Castro até Tibagi com 9 léguas, sem nenhuma observação. Não sei se a referência é um ramal alternativo, pois indica uma distância menor em uma légua do que a referência já feita com o nome Castro-Tibagi, ou se foi uma repetição que passou despercebida. O ramal Ponta Grossa até Tibagi com algo entre 4 1/5 e 5 léguas que estava em bom estado e passava por diversos trilhos cruzando vários campos. O ramal Palmeira até o Campo do Cupim, com 11 léguas a partir da Fazenda Santa Cruz, encontrava-se em bom estado entre os campos dos Carrapatos e Guaraúna, mas nos tempos de chuva se convertia num atoleiro, principalmente pelo rio das Almas. Por último a seção Tibagi até Guarapuava com 25 léguas de extensão. Esta se encontrava toda em péssimo estado em seus diversos trechos, com trânsito difícil e perigoso. Além de melhoramentos, se fazia necessário também desviar a Serra dos Patos e da Ribeira, o que seria fácil de fazer e bastante vantajoso. Já no trecho da Serra da Esperança não era possível nenhum melhoramento, mas a “magistral estrada” carecia de diminuir sua inclinação.

NOTAS

Aires de Casal indicava que esta serra tinha 3 léguas de comprimento e era “toda um puro mineral de ferro”. AIRES DE CASAL, Manuel. Corografia Brazilica; ou, relaçao historico-geografica do reino do Brazil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Impressão Régia: 1817, p. 203.

 FONTES

 AIRES DE CASAL, Manuel. Corografia Brazilica; ou, relaçao historico-geografica do reino do Brazil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Impressão Régia: 1817.

BEAUREPAIRE ROHAN, Henrique de. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial do Paranã no dia 1º de março de 1856 pelo Vice-Presidente em exercício, Henrique de Beaurepaire Rohan. Disponível em http://ddsnext.crl.edu/titles/179?terms=henrique%20&item_id=4176#?h=henrique&c=4&m=4&s=0&cv=0&r=0&xywh=-1%2C-379%2C2032%2C1918. Acesso em: 10/01/2021.

REFERÊNCIAS

COSTA, Iraci del Nero da. Pesos e medidas no período colonial brasileiro: denominações e relações. Núcleo de Estudos em História Demográfica (NEHD); Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade; Universidade de São Paulo (USP). Boletim de História Demográfica, 1994.

GILLIES, Ana Maria Rufino. Políticas públicas e utensilagem mental: uma análise das reformas propostas por Henrique de Beaurepaire Rohan em 1856 e 1878. Dissertação (Mestrado em História). Curitiba: UFPR, 2002.

PETRONE, Maria Tereza Schorer. O Barão de Iguape, um empresário da época da Independência. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1976.

SUPRINYAK, Carlos Eduardo. O mercado de animais de carga no centro-sul do Brasil imperial: novas evidências. Estud. Econ. [online]. 2008, vol.38, n.2 [cited  2021-01-25], pp.319-347. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-41612008000200005&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1980-5357. Acesso 12/01/2021.

Autor:

Ilton Cesar Martins

Professor Adjunto do Departamento de História da UEPG.

Ano: 2021

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