Carnaval em Ponta Grossa

Carnaval em Ponta Grossa

  O carnaval é uma festa bastante popular na sociedade brasileira, seja os desfiles no Rio de Janeiro, os trios em Salvador ou o carnaval de Olinda com os grandes bonecos. Que grande parte do Brasil e do mundo adora pular carnaval, todo mundo já sabe, mas onde ele surgiu e como veio parar e se difundir na cultura brasileira talvez seja uma pergunta que não nos façamos.

O carnaval remonta à antiguidade e está ligado diretamente ao catolicismo. Ele se entende como uma festa cristã, pois sua origem, na forma como a celebramos atualmente, tem relação direta com o jejum quaresmal. Isso não impede que sejam traçadas as origens históricas que nos mostram a influência que o Carnaval sofreu de outras festas que existiam na Antiguidade. Na Babilônia, duas festas possivelmente originaram o que conhecemos como Carnaval. As Sacéias eram celebrações em que um prisioneiro assumia, durante alguns dias, a figura do rei, vestindo-se como ele, alimentando-se da mesma forma e dormindo com suas esposas. Ao final, o prisioneiro era chicoteado e depois enforcado ou empalado. Outro rito era realizado pelo rei no período próximo ao equinócio da primavera, um momento de comemoração do ano novo na Mesopotâmia. O ritual ocorria no templo de Marduk (um dos primeiros deuses mesopotâmicos), onde o rei perdia seus emblemas de poder e era surrado na frente da estátua de Marduk. Essa humilhação servia para demonstrar a submissão do rei à divindade. Em seguida, ele novamente assumia o trono. Mas o que havia de comum nas duas festas e que está ligado ao carnaval era o caráter de subversão de papéis sociais: a transformação temporária do prisioneiro em rei e a humilhação do rei frente ao seu deus. Possivelmente a subversão de papéis sociais no Carnaval, como os homens vestirem-se de mulheres e outras práticas semelhantes, é associável a essa tradição mesopotâmica.

A associação entre o Carnaval e as orgias pode ainda relacionar-se com as festas de origem greco-romana, como os bacanais (festas dionisíacas, para os gregos). Seriam eles dedicados ao deus do vinho, Baco (ou Dionísio, para os gregos), marcados pela embriaguez e pela entrega aos prazeres da carne. Havia ainda, em Roma, a Saturnália e a Lupercália. A primeira ocorria no solstício de inverno, em dezembro, e a segunda, em fevereiro, que seria o mês das divindades infernais, mas também das purificações. Tais festas duravam dias, com comidas, bebidas e danças. Os papéis sociais também eram invertidos temporariamente, com os escravos colocando-se nos locais de seus senhores, e estes colocando-se no papel de escravos. As festas citadas, eram, naturalmente, celebrações pagãs e eram extremamente populares. Porém,com o fortalecimento de seu poder, a Igreja não via com bons olhos essas celebrações nas quais as pessoas entregavam-se aos prazeres mundanos.

Nessa concepção do cristianismo, havia a crítica da inversão das posições sociais. A Igreja Católica, então, procurou dar um novo significado e um senso mais cristão à festa. Durante a Alta Idade Média, foi criada a Quaresma — período de 40 dias antes da Páscoa caracterizado pelo jejum. Tempos depois, as festividades realizadas pelo povo foram concentradas nesse período e nomeadas carnis levale. A Igreja pretendia, dessa forma, manter uma data para as pessoas cometerem seus excessos, antes do período da severidade religiosa. Nesse momento, o Carnaval estendia-se durante várias semanas, entre o Natal e a Páscoa. Durante os carnavais medievais, por volta do século XI, no período fértil para a agricultura, homens jovens se fantasiavam de mulheres e saíam às ruas e aos campos durante algumas noites. Diziam-se habitantes da fronteira do mundo dos vivos e dos mortos e invadiam os domicílios, com a aceitação dos que lá habitavam, fartando-se com comidas e bebidas, e também com os beijos das jovens das casas. Durante o Renascimento, nas cidades italianas, surgia a commedia dell’arte, teatros improvisados cuja popularidade ocorreu até o século XVIII. Em Florença, canções foram criadas para acompanhar os desfiles, que contavam ainda com carros decorados, os trionfi. Em Roma e Veneza, os participantes usavam a bauta, uma capa com capuz negro que encobria ombros e cabeça, além de chapéus de três pontas e uma máscara branca. A lógica que ainda regia as festas da Antiguidade era a mesma para o Carnaval na Europa da Idade Média e Moderna: o mundo de cabeça para baixo. Sendo assim, tratava-se de um período de inversão proposital da ordem, no qual as restrições da vida das pessoas eram abolidas, e os papéis que existiam naquela sociedade eram invertidos. A partir do século XVI, houve iniciativas de impor o controle sobre as festas carnavalescas no continente. Essa tentativa de silenciamento foi uma reação aos conflitos religiosos que atingiam a Europa naquele período, mas também pode ser explicada como forma de impor controle social. Outra explicação pode ser o conservadorismo vigente que buscava demonizar as festas populares.

Então chegamos ao Brasil. A história do carnaval aqui iniciou-se no período colonial. Uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o entrudo, uma brincadeira de origem portuguesa que, na colônia, era praticada pelos escravos. Essa prática estabeleceu-se no Brasil, na passagem do século XVI para o XVII, e foi muito popular até o século XIX, desaparecendo do país em meados do século XX, por meio da repressão que se estabeleceu contra essa brincadeira. Nela, as pessoas saíam às ruas sujando umas às outras, jogando lama, urina, etc. O entrudo poderia ser realizado de diversas maneiras, como manifestações de zombarias públicas. A forma mais conhecida era o jogo das molhadelas, realizado alguns dias antes da Quaresma e que consistia em uma brincadeira de molhar ou sujar as pessoas que passavam pela rua. Poderia ser realizado publicamente, mas também poderia ser realizado de maneira privada. No jogo das molhadelas, produziam-se recipientes que eram preenchidos de determinado líquido. Esse líquido poderia ser aromatizado, mas também poderia ser malcheiroso e, neste caso, por exemplo, o recipiente era preenchido com água suja de farinha ou café e até mesmo urina. Porém, com a repressão do entrudo nas ruas, a elite do Império criava os bailes de carnaval em clubes e teatros. Mesmo diante dos obstáculos, as camadas populares não desistiram de suas práticas carnavalescas.

No final do século XIX, buscando se adaptar às tentativas de disciplinamento policial, foram criados os cordões e ranchos. Os primeiros incluíam a utilização da estética das procissões religiosas junto com manifestações populares, como a capoeira e os zé-pereiras, tocadores de grandes bumbos. Os ranchos eram cortejos praticados principalmente pelas pessoas de origem rural. 

As marchinhas de carnaval surgiram também no século XIX, destacando-se a figura de Chiquinha Gonzaga, bem como sua música “Ô abre alas”. O samba somente surgiu por volta da década de 1910, com a música “Pelo Telefone”, de Donga e Mauro de Almeida, tornando-se, ao longo do tempo, o legítimo representante musical do Carnaval. Também entre as classes populares, na década de 1920, surgiram as escolas de samba e também as marchinhas que conviveram em notoriedade com o samba a partir da década de 1930. Os desfiles das escolas de samba ganharam amplitude e foram obrigados a se enquadrar nas diretrizes do autoritarismo da Era Vargas. Os alvarás de funcionamento das escolas apareceram nessa década.

Chegando às ruas de Ponta Grossa, os primeiros festejos remontam ao século XIX. As festas das ruas chamavam a atenção. Os blocos carnavalescos se enfrentavam em batalhas com baldes d’água e as chamadas laranjinhas, que inicialmente encontravam água em seu interior e tinham base de cera. Com o tempo, as laranjinhas passaram a ser de borracha, cheias de água perfumada. Mais tarde surgiu o lança-perfume, um cilindro de vidro contendo na ponta do sifão, por onde esguichava água perfumada ou éter, nos mais variados odores. Os jovens usavam o lança-perfume para o flerte, podendo significar o primeiro passo de um namoro. Com o tempo o lança-perfume foi proibido devido ao seu grande poder alucinógeno e embriagador.

Juntamente com as batalhas de rua existia o corso, realizado na primeira e terceira noite de carnaval. Muitos carros particulares, geralmente abertos, circulavam com jovens fantasiados, cantando músicas, alguns representando clubes locais. Grande quantidade de confetes e serpentinas eram atirados de um carro para outro, ou sobre populares, nas calçadas. As serpentinas uniam os carros formando “cortinas”. De longe se ouvia o canto que atraia os ponta-grossenses. Durante 3 dias a cidade parava para as festas. Quem prestigiou essa celebração, tem boas lembranças. As fantasias eram variadas: pierrôs, arlequins, odaliscas e outras. A atmosfera do carnaval contagiava as pessoas: os melhores lugares na calçada eram disputados.

Durante muitos anos a festa era realizada na rua XV de Novembro. Nestes dias de folia a rua era a principal artéria da sociedade princesina. Mas aos poucos mudou-se o itinerário dos desfiles e do próprio carnaval. Em 1939 um grupo de moradores da Av. Vicente Machado solicitou ao prefeito a realização dos corsos naquela avenida. Alegaram inconvenientes como: falta de mobilização por parte dos moradores e casas comerciais da rua XV de Novembro. O grupo obteve a ordem necessária para a concretização dos festejos no local desejado. Porém, no próximo ano o prefeito decretou que em função dos interesses do comércio da cidade, o percurso do corso seria alternado: num ano na XV de Novembro, e outro na Av. Vicente Machado. Com o crescimento da cidade, a Av. Vicente Machado foi se impondo como ponto obrigatório da passagem do carnaval. 

O carnaval tinha a sua comissão, a qual tinha a tarefa de angariar fundos para a festa e preparar tudo que era relacionado a festança. Na maioria das vezes, a comunidade apoiava e contribuía com a festa. Mas quem realmente levava vantagem de ter um carnaval animado na cidade era o comércio. Eles davam uma contribuição generosa. Além da arrecadação, a comissão organizava festas, apoiava a formação de blocos, incentivava os clubes a participarem do concurso para os corsos, e organizava a comissão julgadora de carros alegóricos, blocos e ranchos. Mais tarde a comissão se desmembrou devido a acusações de que estaria agindo em benefício próprio, esquecendo de seus objetivos.

O Diário dos Campos desempenhava uma função especial e até indispensável em relação ao carnaval ponta-grossense. Por ser um meio de comunicação importante, ele influenciou a sociedade princesina. Era no jornal que as pessoas buscavam uma forma de se expressar e quando o assunto era o carnaval, o periódico tinha uma seção só para a festa. 

O jornal era um incentivo e propaganda para o carnaval. Em 1935, encontram-se referências de que o carnaval seria “patrocinado” pelo Diário dos Campos. Neste ano, uma lista destinada à arrecadação circulou pela cidade. Cada um contribuía com o que podia, dinheiro ou mercadoria,  coisas que se transformavam em prêmios para os melhores do carnaval. O jornal fazia o trabalho de informar a todos as quantias destinadas à festa. Nas décadas de 1930 e 1940 o carnaval atingiu seu apogeu. Dezenas de blocos carnavalescos contribuíram grandemente para isso. Se destacavam: o coração de prata, o coração de ouro, o dos sujos e o dos travestis. Os blocos coração de prata e de ouro faziam uma espécie de peregrinação pela cidade e eram rivais. Mesmo assim, eram pertencentes à mesma região (Corrientes de baixo, zona do atual Sepam) e eram compostos por operários e por sócios do clube 13 de maio. Usavam fantasias criativas e elaboradas. O coração de ouro usava componentes com amarelo. O bloco dos sujos apresentava-se com roupas pobres, era composto por ambos os sexos e era, provavelmente, do bairro de Olarias. o bloco dos travestis era formado por homens em sua maioria, que usavam roupas de mulher.

Antes de 1930 o governo não intervinha na organização da festa. Com o governo de Vargas isso mudou e aconteceu intervenção estatal. A festa do povo passou a ser dirigida e controlada. Vargas buscava manter a lei e a ordem. Durante o carnaval as atenções eram dobradas. Agora os blocos deveriam portar um requerimento de licença, que um dos seus integrantes levava o nome de todos. Esses requerimentos eram retirados na delegacia. A polícia fazia um apelo a todos para retirar a licença a fim de evitar problemas. Com a Guerra, as determinações ficaram mais severas. Os bailes só poderiam ser realizados com licença e até às três horas da manhã. Não era permitido o uso de máscaras ou fantasias que impedissem a pronta identificação na rua e nos bailes públicos e eram proibidas críticas as nações em guerra, bem como aos homens públicos. Apesar de tudo, na década de 1940, o carnaval de rua começava a dar indícios de fraqueza e declínio. Além da falta de organização e de dinheiro, a participação do Brasil na Segunda Guerra, afetou os festejos. O carnaval de 1941 foi desastroso, e em 1942 o jornal confirmou “o carnaval de rua infelizmente morreu”.

Com o declínio do carnaval de rua, o carnaval de Ponta Grossa se concentrou nos salões dos clubes, onde a animação era total, ao som de marchinhas e os foliões dançavam e formavam os cordões. Os clubes sociais sempre tiveram importante participação no carnaval da cidade. Ao contrário do corso que promovia uma festa mais popular, os clubes eram seletores da população, pois participavam em sua maioria apenas sócios e alguns convidados. Alguns clubes que existiam na cidade eram o Guarani, Thalia, Unio Síria, Democrata, Ponta-Grossense, Junak 6, clube Germânia, Savóia, 13 de maio, Princesa dos Campos – Verde, Associação recreativa Homens do trabalho, Gremio dos subtenentes e sargentos e Santa Cecilia.

Os clubes tinham grande rivalidade e entravam em disputa no carnaval com marchinhas, como, por exemplo, “lourinha, lourinha, dos olhos claros de cristal, desta vez não é a moreninha que será rainha do meu carnaval.” Os clubes competiam pelo concurso promovido pelo jornal e até mesmo o horário que os clubes encerravam os bailes, o que terminava mais tarde era o vencedor. Porém, também se ajudavam, de maneira a fazer o carnaval em conjunto. Em 1942, a festa foi promovida pelos clubes Germânia e pontagrossense. 

 

Referências:
INGLEZ, Elisângela Ferreira. Dias de Folia: o carnaval ponta-grossense (1930-1945).
Ponta Grossa, 2003
LAVALLE, Aída Mansani. Um Clube na Colina: O Clube Ponta Lagoa. Ponta Grossa.
2011.
BATISTA, Maristela Iurk. Clube Princesa dos Campos: 100 anos. Ponta Grossa. 1997.
LAVALLE, Aída Mansani. GERMÂNIA – GUAÍRA, Um Século de Sociedade na
Memória de Ponta Grossa. Ponta Grossa. 1996.
FERNANDES, Josué Corrêa. Das Colinas do Pitangui. Editora Planeta. Ponta Grossa.
2003.
CHAVES, Niltonci Batista, Visões de Ponta Grossa: Festa, Lembranças, Trabalho.
Ponta Grossa: UEPG. Instituto Cidade Viva, 2003.

Autor: Leonardo Mendes Guzzo
Acadêmico do 2º ano de Licenciatura em História, UEPG
Ano: 2024

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